Pesquisa comparou padrões de neuroinflamação de 29 indivíduos com síndrome de Down com os de 35 sem a condição – os participantes tinham entre 20 e 50 anos; na imagem, a inflamação é mapeada no cérebro de pessoas com e sem a síndrome (crédito: Daniele de Paula Faria/Laboratório de Medicina Nuclear, HC-FM-USP)
Descoberta feita na USP abre caminho para novas estratégias de prevenção da doença
Descoberta feita na USP abre caminho para novas estratégias de prevenção da doença
Pesquisa comparou padrões de neuroinflamação de 29 indivíduos com síndrome de Down com os de 35 sem a condição – os participantes tinham entre 20 e 50 anos; na imagem, a inflamação é mapeada no cérebro de pessoas com e sem a síndrome (crédito: Daniele de Paula Faria/Laboratório de Medicina Nuclear, HC-FM-USP)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – A síndrome de Down está associada a um envelhecimento acelerado, e estima-se que até 90% dos indivíduos com a condição desenvolvam a doença de Alzheimer antes dos 70 anos. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) identificou padrões elevados de neuroinflamação, já na juventude, em indivíduos com a síndrome – um componente a mais para explicar a alta prevalência de doença de Alzheimer em pessoas idosas com síndrome de Down. A descoberta abre caminho para estratégias de prevenção e acompanhamento da doença.
O trabalho, publicado na revista Alzheimer’s & Dementia e apoiado pela FAPESP, é o primeiro a mapear, por meio de técnicas de medicina nuclear, os padrões de neuroinflamação em pessoas com a síndrome de Down.
Além da neuroinflamação, os pesquisadores também verificaram um marcador importante da doença de Alzheimer: a placa beta-amiloide – formada por fragmentos de peptídeo amiloide que se depositam entre os neurônios causando inflamação e interrompendo a comunicação neural.
“Já se sabia que o processo de envelhecimento nessa população ocorre de maneira mais acelerada, quando comparado com pessoas sem a síndrome, sendo que a doença de Alzheimer já se manifesta em pessoas na faixa dos 40 anos, por exemplo. Também já se sabia que o risco de doença de Alzheimer é aumentado nas pessoas com síndrome de Down por uma questão genética: o gene da proteína precursora amiloide [APP] está localizado no cromossomo 21, que é triplicado na síndrome de Down, fazendo com que esses indivíduos produzam mais beta-amiloide – uma característica da doença de Alzheimer”, explica Daniele de Paula Faria, pesquisadora do Laboratório de Medicina Nuclear (LIM43) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FM-USP).
O que o estudo revela de forma inédita é que a neuroinflamação também se manifesta precocemente, já aos 20 anos, e pode contribuir diretamente para o desenvolvimento da doença de Alzheimer. “No estudo identificamos uma relação muito clara: quanto mais neuroinflamação mais deposição de placa beta amiloide. Isso nos permite pensar nesse processo como um possível alvo terapêutico", afirma Faria.
Como foi feito o estudo
A pesquisa comparou padrões de neuroinflamação de 29 indivíduos com síndrome de Down com 35 sem a condição – os participantes tinham entre 20 e 50 anos. A neuroinflamação foi monitorada por meio de tomografia por emissão de pósitrons (PET), utilizando radiofármacos específicos. A técnica permite visualizar em tempo real tanto a formação das placas beta-amiloide quanto os processos inflamatórios no cérebro vivo.
Os resultados mostraram maior neuroinflamação nas regiões frontal, temporal, occipital e límbica do cérebro de pessoas com síndrome de Down, inclusive entre jovens de 20 a 34 anos. Isso sugere que o processo de neuroinflamação possa começar antes da formação das placas beta-amiloide. A correlação entre carga inflamatória e acúmulo de beta-amiloide foi especialmente evidente em adultos acima dos 50 anos.
Além das análises em humanos, os pesquisadores também acompanharam, ao longo de dois anos, a progressão da neuroinflamação em camundongos modificados geneticamente para desenvolver uma condição semelhante à síndrome de Down. “Com equipamentos específicos para pequenos animais, conseguimos acompanhar toda a evolução da doença. Os dados dos camundongos, somados aos dos humanos, oferecem respostas valiosas sobre o envelhecimento de pessoas com síndrome de Down”, destaca Faria.
Processo bifásico
O processo de neuroinflamação observado nas pessoas com síndrome de Down parece seguir um padrão bifásico. A micróglia – célula de defesa do cérebro – atua de forma protetora, combatendo alterações causadas pela síndrome, mas, com o tempo, essa resposta se torna pró-inflamatória, podendo agravar os danos neuronais. “É como se o cérebro tentasse se proteger, mas acabasse contribuindo para o problema”, explica a pesquisadora.
Embora a doença de Alzheimer ainda não tenha cura nem uma causa única definida, muito menos se saiba se a neuroinflamação vem antes ou depois da deposição de placas, o estudo traz avanços importantes sobre a doença nas pessoas com síndrome de Down.
“O nosso estudo reforça a hipótese de que a neuroinflamação precede as placas beta-amiloide para a população com síndrome de Down. Isso abre caminho para o desenvolvimento de terapias que possam retardar ou bloquear esse processo inflamatório e, com isso, postergar o início da doença de Alzheimer", diz a cientista.
Além de revelar um novo marcador precoce da doença, o estudo apresenta uma ferramenta de imagem capaz de monitorar a neuroinflamação em tempo real. “Mostramos que é possível detectar a inflamação em pacientes vivos, o que permite acompanhar a eficácia dos tratamentos. Essa tecnologia também abre portas para incluir pessoas com síndrome de Down em estudos clínicos sobre doença de Alzheimer. Trata-se de uma população muito importante por ter padrões de desenvolvimento da doença diferentes da população em geral. Só assim poderemos oferecer tratamentos eficazes e personalizados”, conclui Faria.
O artigo Neuroinflammation and amyloid load in different age groups of individuals with Down syndrome: A PET imaging study pode ser lido em: alz-journals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/alz.70449.
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