Classificação agrícola da produção de vegetais dos produtores orgânicos do Estado de São Paulo vinculados aos Sistemas Participativos de Garantia (SPGs), 2020 (crédito: Tayrine Parreira Brito)

Alimentos
Propriedades orgânicas certificadas por pares apresentam maior diversidade de produtos
30 de julho de 2024
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Pesquisa feita no Estado de São Paulo mostra que, nesses locais, o rol de produtos engloba, em média, 58,8 itens, enquanto nas unidades certificadas por auditoria convencional a média é de 22,2 itens

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Propriedades orgânicas certificadas por pares apresentam maior diversidade de produtos

Pesquisa feita no Estado de São Paulo mostra que, nesses locais, o rol de produtos engloba, em média, 58,8 itens, enquanto nas unidades certificadas por auditoria convencional a média é de 22,2 itens

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Classificação agrícola da produção de vegetais dos produtores orgânicos do Estado de São Paulo vinculados aos Sistemas Participativos de Garantia (SPGs), 2020 (crédito: Tayrine Parreira Brito)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) compararam dois sistemas de certificação de produtos orgânicos adotados no Estado de São Paulo: um que envolve auditoria convencional, realizada por empresas de auditagem credenciadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e acreditadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), e outro em que a certificação é feita por pares.

Resultados do estudo, divulgados na revista Organic Agriculture, apontam que a auditagem por pares agrega à produção orgânica a virtude da agrobiodiversidade. Ou seja, o rol de produtos oferecidos por propriedades com esse tipo de certificação é expressivamente maior. “Isso evita que se reproduza no contexto orgânico a tendência à monocultura em grande escala, destinada à produção de commodities”, diz Tayrine Parreira Brito, doutoranda na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp e primeira autora do artigo.

Nas últimas décadas, a agricultura orgânica apresentou, em vários países, um crescimento exponencial. Dados levantados por The Research Institutes of Organic Agriculture (FiBL)  e pelo Ifoam Organics International indicam que, de 2012 a 2022, as áreas destinadas ao cultivo orgânico aumentaram em mais de 53 milhões de hectares em nível mundial – crescimento que corresponde a mais de duas vezes a área total do Estado de São Paulo, de 24.821.900 hectares.

Com mais de 1 milhão de hectares destinados à agricultura orgânica, o Brasil ocupa a quarta posição no ranking mundial em termos de área. É também o maior mercado de orgânicos da América Latina, com uma estimativa de R$ 4 bilhões de faturamento do setor no varejo em 2022. De 2012 a 2021, o número de produtores orgânicos no país cresceu 448,63%, alcançando 26.622 produtores em 2021.

Os dados são muito substantivos. Mas especialistas ressaltam que, embora a opção orgânica seja altamente desejável do ponto de vista da promoção da saúde humana e da minimização do impacto ambiental, ela precisa ser conjugada com outros parâmetros ambientais e sociais.

Um exemplo do que Brito chama de “convencionalização da agricultura orgânica” é o que está ocorrendo na África, onde 35% de toda a produção orgânica é ocupada pela soja destinada à União Europeia. “Embora seja uma importante fonte de divisas para países como o Togo e outros, essa ultraespecialização não contribui diretamente para a solução dos problemas alimentares das populações locais, nem possui um lastro nas culturas tradicionais do continente”, afirma.

Segundo a pesquisadora, os chamados Sistemas Participativos de Garantia (SPGs) têm contribuído significativamente para maior diversidade no contexto orgânico brasileiro. “Trata-se de um sistema de certificação por pares que avalia a unidade produtiva como um todo e não apenas os produtos destinados ao mercado”, explica.

E continua: “Nossa pesquisa comparou as unidades certificadas por meio de Sistemas Participativos de Garantia com as unidades certificadas por auditoria convencional no Estado de São Paulo. E revelou que as unidades certificadas por SPG apresentam, em média, 58,8 itens por produtor, enquanto as unidades certificadas por auditoria convencional apresentam, em média, 22,2 itens. Essa maior diversidade inclui uma rica variedade de espécies vegetais, com destaque para espécies nativas e de uso medicinal. Frutas nativas, como jabuticaba, pitanga e uvaia, que têm pouca expressão no mercado convencional, são comercializadas por esses produtores em feiras orgânicas durante os períodos de frutificação, constituindo uma fonte adicional de renda”.

O estudo destaca que, enquanto a certificação por auditoria geralmente se concentra em poucos produtos, muitas vezes destinados à exportação, os SPGs favorecem uma abordagem mais holística e inclusiva, promovendo práticas agroecológicas em propriedades de agricultura familiar. “Isso sugere que os SPGs podem desempenhar um papel crucial em evitar a convencionalização da agricultura orgânica, garantindo que ela permaneça fiel aos seus princípios originais de sustentabilidade e biodiversidade”, ressalta Brito.

Do ponto de vista prático, não há conflito entre a certificação por SPG e a certificação por auditoria convencional. E há produtores que recorrem a uma e outra, agregando dois selos de conformidade orgânica aos seus produtos. Para efeito de comercialização no exterior, porém, o único país, além do Brasil, que aceita a certificação por SPG é o Chile. “No Brasil e no Chile, o SPG recebe o mesmo reconhecimento que a auditoria. Assim, os produtos podem ser comercializados por meio do contato direto com os consumidores e indiretamente em lojas ou redes de supermercado. Em outros países, como o México e a Costa Rica, o reconhecimento fica limitado à realização da comercialização direta”, informa Brito.

Esse cenário poderá mudar, mas, por enquanto, para colocar seus produtos na União Europeia, nos Estados Unidos e em outros mercados mundiais, o produtor precisa contar com certificação por auditoria.

Isso não impede que alguns produtores estejam buscando formas de corrigir o rumo de sua atividade, para evitar a convencionalização. É o caso de uma importante cooperativa de produtores familiares de café orgânico. Recentemente, os dirigentes da cooperativa se deram conta de que a ultraespecialização na cafeicultura estava fazendo com que as unidades produtivas se tornassem totalmente dependentes do mercado para atender suas mínimas necessidades alimentares.

“Os Sistemas Participativos de Garantia têm contribuído significativamente para evitar esse tipo de distorção. Por sua metodologia horizontal, eles criam uma rede social solidária que promove a inclusão e a valorização dos agricultores familiares, conectando produtores e consumidores e diminuindo a distância entre o campo e a cidade”, comenta a professora Vanilde de Souza-Esquerdo, orientadora do doutorado de Tayrine Parreira Brito e coautora do artigo.

O Laboratório de Extensão Rural e Agroecologia (Lera), que ela coordena na Unicamp, estuda os SPGs há mais de dez anos.

“Temos teses, dissertações e artigos publicados que abordam os SPGs sob diferentes perspectivas, o que nos posiciona atualmente como um dos principais grupos de pesquisa sobre o tema em nível mundial”, conta.

A orientadora ressalta que um aspecto importante da atividade dos SPGs é incluir critérios sociais e comportamentais em seus parâmetros de certificação. “Por exemplo, é inadmissível a violência contra a mulher. Unidades produtivas onde esse tipo de situação comprovadamente ocorra terão seu certificado de conformidade orgânica negado”, diz.

O estudo em pauta é parte do projeto de pesquisa “Limites, desafios e potencialidades do Sistema Participativo de Garantia (SPG) em assentamentos rurais do Estado de São Paulo”, conduzido por Brito com orientação de Souza-Esquerdo, e apoiado com bolsa da FAPESP.

O artigo Agrobiodiversity in Participatory Guarantee Systems (PGS) pode ser acessado em: https://link.springer.com/article/10.1007/s13165-024-00468-3.
 

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