A vinda de Schekman a São Paulo foi organizada com apoio da FAPESP e da USP no âmbito do programa Nobel Prize Inspiration Initiative (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
Avaliação foi feita pelo biólogo Randy Schekman, vencedor do Nobel de Medicina em 2013, em conversa com estudantes após palestra apresentada na USP na última segunda-feira
Avaliação foi feita pelo biólogo Randy Schekman, vencedor do Nobel de Medicina em 2013, em conversa com estudantes após palestra apresentada na USP na última segunda-feira
A vinda de Schekman a São Paulo foi organizada com apoio da FAPESP e da USP no âmbito do programa Nobel Prize Inspiration Initiative (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
Karina Toledo | Agência FAPESP – “O panorama das ciências biomédicas é hoje muito diferente e mais amplo do que o existente quando comecei minha carreira, há 50 anos. Há ferramentas incríveis, muito melhores do que as primitivas de que eu dispunha. A tecnologia avançou tão rapidamente que é até difícil acompanhar. Mas o lado ruim, com o qual passo muito tempo preocupado, é a produção científica. Não é tão eficaz como costumava ser", disse o biólogo norte-americano Randy Schekman, pesquisador da Universidade da Califórnia em Berkeley (Estados Unidos), em uma roda de conversa com estudantes após palestra apresentada na Universidade de São Paulo (USP) na última segunda-feira (25/11).
Para o cientista, que ganhou o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2013, o fenômeno está relacionado com a multiplicação de periódicos científicos pautados por propósitos comerciais e “interessados em ganhar muito dinheiro”. “Isso tem uma influência tóxica sobre a academia. Antigamente, costumávamos avaliar a produção científica por meio da leitura dos artigos. Agora, olhamos para onde o artigo foi publicado ou para esse número ridículo chamado fator de impacto”, afirmou.
Não é de hoje que Schekman critica a dependência da comunidade acadêmica dos chamados high profile journals. Em 9 de dezembro de 2013, um dia antes de receber o Nobel, publicou um artigo no jornal britânico The Guardian anunciando que, daquele dia em diante, seu laboratório passaria a boicotar revistas como Nature, Science e Cell. "Já publiquei em grandes marcas, incluindo artigos que me renderam um prêmio Nobel. Mas não mais. Agora meu laboratório se compromete a evitar periódicos de luxo e incentivo outros a fazerem o mesmo", anunciou na época.
Em sua avaliação, a pressão para publicar em revistas "de luxo" encorajou os pesquisadores a fazer o trabalho de forma rápida e malfeita (to cut corners) e a buscar campos científicos que estão na moda, em vez de fazer trabalhos realmente importantes. E o problema teria sido agravado pelo fato de os editores dessas revistas não serem cientistas ativos, mas editores profissionais – quase sempre com formação acadêmica – que tendem a favorecer estudos com maior chance de causar impacto.
Na roda de conversa com estudantes, ao ser questionado sobre o que faria caso se tornasse editor-chefe de uma dessas revistas, Schekman sentenciou: “Demitiria todos os editores profissionais. Eles são uma das causas de o custo para publicar um artigo científico ser tão alto”.
O pesquisador também demonstrou preocupação com o aumento do tempo que um acadêmico leva para concluir sua formação e conseguir um emprego. “Eu me tornei professor aos 27 anos. A maioria dos meus contemporâneos estava empregada antes dos 30. É um tempo da vida que você tem mais liberdade para ser criativo. Não acredito que poderia fazer o que fiz se tivesse começado dez anos mais velho, pois surgem responsabilidades familiares.”
Schekman conta que levou apenas quatro anos para concluir o doutorado e foi pós-doutorando por outros dois anos. “Na minha época, era possível conseguir uma boa posição de pós-doc com apenas um artigo publicado. Hoje a expectativa em termos de número de publicações é muito maior. Além disso, algumas pessoas atualmente fazem vários pós-doutorados e isso atrasa as coisas a ponto de você estar com quase 40 anos de idade quando consegue um emprego. Se você leva mais de dez anos para se formar, não vai conseguir um bom emprego”, opinou.
Schekman com estudantes após palestra na USP (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
Doença multifacetada
A vinda de Schekman a São Paulo foi organizada com apoio da FAPESP e da USP no âmbito do programa Nobel Prize Inspiration Initiative (NPII), parceria entre a farmacêutica AstraZeneca e o Nobel Media que leva os laureados a universidades e centros de pesquisas de todo o mundo a fim de inspirar jovens cientistas.
No evento, o pesquisador apresentou os estudos realizados em leveduras que levaram à descoberta de um conjunto de genes importante para o transporte de vesículas do meio intracelular para o extracelular. É por meio dessas minúsculas bolhas – carregadas com substâncias químicas como enzimas, hormônios e neurotransmissores – que as células se comunicam umas com as outras e coordenam todos os processos importantes de um organismo.
“Quando o genoma humano foi desvendado, descobrimos que as mesmas proteínas-chave que identificamos nas leveduras estavam presentes em nosso organismo. Era um mecanismo conservado ao longo da evolução”, contou.
Seus achados lançaram as bases para o entendimento de doenças relacionadas a disfunções no transporte vesicular, entre elas o diabetes. E por essa contribuição Schekman foi indicado para o Nobel ao lado de James Rothman (Universidade Yale) e Thomas Südhof (Universidade Stanford).
Em 2017, porém, a morte de sua esposa que sofria de Parkinson há 20 anos o levou a uma mudança drástica de carreira. Com o apoio financeiro de Sergey Brin – um dos fundadores do Google e portador de uma das mutações mais comuns que levam ao Parkinson – e da fundação criada pelo ator Michael J. Fox, Schekman passou a pesquisar as bases moleculares dessa doença neurodegenerativa, cuja incidência no mundo avança ainda mais rapidamente que a do Alzheimer. Segundo dados apresentados na palestra, eram 2,6 milhões de casos no mundo em 1990. O esperado para 2040 são 17,5 milhões de afetados, metade deles somente na China.
“A enfermidade foi descrita há 200 anos e até agora nada foi alcançado para evitar sua progressão. Há remédios que conseguem amenizar os sintomas, mas não impedem o avanço do processo degenerativo que inexoravelmente leva à morte”, pontuou.
Segundo Schekman, Parkinson, assim como câncer, não se resume a uma única doença. São várias. Todos os casos estão ligados à morte dos chamados neurônios dopaminérgicos (produtores do neurotransmissor dopamina), que por sua vez está associada ao crescimento de agregados da proteína alfa-sinucleína sobre as células nervosas. Mas os fatores que levam as moléculas a se agregarem ou que tornam os neurônios mais vulneráveis a essa ameaça variam. Somente para uma pequena parcela foram identificadas mutações genéticas associadas, sendo a maior parte dos casos considerada esporádica.
À frente da iniciativa Aligning Science Across Parkinson’s (Asap), que congrega 35 grupos de pesquisa de 14 países, Schekman trabalha para identificar, em nível molecular, o que causa a morte dos neurônios dopaminérgicos. O objetivo é encontrar alvos que possam orientar o desenvolvimento de drogas mais eficazes em barrar esse processo.
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