Pesquisadores da UFSCar fazem o primeiro registro no mundo da existência de larvas luminescentes de vagalumes em cavernas no Pará, e relatam a ocorrência de cupinzeiros luminosos no interior da floresta amazônica (Foto: Wikimedia Commons)
Pesquisadores da UFSCar fazem o primeiro registro no mundo da existência de larvas luminescentes de vagalumes em cavernas no Pará e relatam a ocorrência de cupinzeiros luminosos no interior da floresta amazônica
Pesquisadores da UFSCar fazem o primeiro registro no mundo da existência de larvas luminescentes de vagalumes em cavernas no Pará e relatam a ocorrência de cupinzeiros luminosos no interior da floresta amazônica
Pesquisadores da UFSCar fazem o primeiro registro no mundo da existência de larvas luminescentes de vagalumes em cavernas no Pará, e relatam a ocorrência de cupinzeiros luminosos no interior da floresta amazônica (Foto: Wikimedia Commons)
Elton Alisson | Agência FAPESP – Em regiões no Cerrado brasileiro, como no Parque Nacional das Emas, em Goiás (GO), é possível observar durante noites quentes e úmidas na primavera um fenômeno, chamado de “cupinzeiros luminosos”, em que ninhos de cupins irradiam uma luz esverdeada intensa.
A luz é emitida por larvas de vagalumes da espécie Pyrearinus termitilluminans, que expõem seus tórax luminescentes sobre a superfície dos cupinzeiros a fim de atrair insetos voadores para se tornarem suas presas.
Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de Sorocaba, constatou que esses cupinzeiros luminosos também ocorrem no interior da floresta amazônica.
Os pesquisadores também observaram a existência de larvas de vagalumes dentro de cavernas de argila na Amazônia, que exibem luminescência semelhante e com a mesma função das que colonizam os cupinzeiros luminosos.
As descobertas, feitas por meio de projetos apoiados pela FAPESP, foram descritas em um artigo publicado na Annals of the Entomological Society of America.
“Até então só havia relatos de bioluminescência [emissão de luz fria e visível por organismos vivos] em cavernas na Nova Zelândia e na Austrália, onde larvas de uma espécie de mosquito luminescente constroem teias no teto de grutas”, disse Vadim Viviani, professor da UFSCar e coordenador do estudo, à Agência FAPESP.
“É a primeira vez que é relatada a ocorrência de larvas luminescentes de vagalumes no interior de cavernas no mundo”, disse Viviani, que acabou de ser eleito o novo presidente da International Society for Bioluminescence and Chemiluminescence (ISBC) durante o último simpósio anual da entidade, realizado entre os dias 29 de maio e 2 de junho em Tsukuba, no Japão.
De acordo com o pesquisador, havia relatos ocasionais da existência de cupinzeiros luminosos na floresta amazônica e em outros locais da América do Sul, mas esses casos nunca foram investigados.
A fim de certificar a veracidade desses relatos, os pesquisadores começaram a realizar, a partir de 2009, expedições de observação na Amazônia, iniciando por uma região de transição do Cerrado para a floresta amazônica, ao longo do rio Araguaia, até chegar ao norte de Tocantins.
Em seguida, eles visitaram o lado noroeste do estado de Mato Grosso, ao longo do rio Juruena. E, finalmente, foram ao interior do estado do Pará, na cidade de Canaã de Carajás, em razão de informações que obtiveram da pesquisadora Cleide Costa, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), de relatos de geólogos sobre a ocorrência de larvas bioluminescentes em cavernas argilosas na Floresta Nacional de Carajás.
Durante essas viagens, os pesquisadores constataram a existência de cupinzeiros luminosos, habitados por larvas luminescentes de vagalumes das espécies Pyrearinus fragilis e Pyrearinus termitilluminans, em três localidades diferentes no interior da floresta amazônica – nos municípios de Caseara, no Tocantins, Canaã dos Carajás, no Pará, e Juruena, no Mato Grosso – e na cidade de Novo Santo Antônio, no Mato Grosso, situada em uma área de Cerrado.
Além disso, também confirmaram a presença de larvas luminescentes de vagalumes da espécie Pyrearinus pumilus no interior de cavernas argilosas e com solo rico em ferro – chamadas de canga – na Floresta Nacional de Carajás.
“Observamos que as larvas luminescentes de vagalumes encontradas nas cavernas argilosas emitem luz muito provavelmente com a função de atrair insetos voadores para servirem de presas, como fazem as larvas de vagalumes que ocorrem em cupinzeiros luminosos no Cerrado e os mosquitos da espécie Arachnocampa luminosa que povoam cavernas na Nova Zelândia”, comparou Viviani.
Fontes de alimentos
De acordo com o pesquisador, ainda não há uma explicação definitiva sobre a origem evolutiva da colonização dos cupinzeiros ou do interior de cavernas por vagalumes.
O que se sabe é que vagalumes adultos colocam ovos na base dos cupinzeiros e no interior de cavernas e que, ao eclodir, dão origem a centenas de larvas luminescentes que transformam esses ambientes em seus habitats.
A explicação mais provável, contudo, é que como as larvas de outras espécies do gênero Pyrearinus são normalmente encontradas em troncos em decomposição ou no solo e são carnívoras, a associação com cupinzeiro foi uma adaptação vantajosa, pois esses lugares são ricos em cupins e outros insetos pequenos que lhes servem de alimento.
“Nossa hipótese é que as larvas de vagalumes desde cedo se associaram a locais onde havia madeira em decomposição e, consequentemente, tinha cupins. Mais tarde, adaptaram-se aos cupinzeiros situados dentro de ambientes florestais, no interior da floresta amazônica”, estimou.
“É provável que a substituição de áreas de floresta por Cerrado, devido às mudanças climáticas, pode ter resultado na adaptação das larvas de vagalumes a ambientes abertos, onde passaram a exibir uma bioluminescência mais intensa para atrair insetos voadores de lugares mais distantes”, explicou.
Já a adaptação a cavernas pode ter acontecido porque, a exemplo dos cupinzeiros, esses ambientes também têm mosquitos e outros insetos pequenos que se desenvolvem no interior das cavernas ou entram nelas acidentalmente, e que podem servir de alimento às larvas de vagalumes, especula Viviani.
“Em algum momento, essas larvas devem ter se adaptado aos túneis das cavernas de canga, em Carajás, que estima-se que foram formadas por tatus gigantes que entraram em extinção”, disse o pesquisador.
Os pesquisadores fizeram uma análise filogenética molecular preliminar – da relação evolutiva – das larvas luminescentes de vagalumes encontradas nos cupinzeiros e nas cavernas de canga no interior da floresta amazônica.
Os resultados das análises, juntamente com dados ecológicos, indicaram que, além da espécie Pyrearinus fragilis, que habita exclusivamente florestas, existem duas linhagens distintas da espécie de vagalumes Pyrearinus termitilluminans que estão adaptadas para cupinzeiros de Cerrado e de floresta.
A espécie Pyrearinus termitilluminans, por exemplo, foi encontrada em cupinzeiros localizados no Parque Nacional das Emas, em Goiás, e na zona de transição do Cerrado para a Amazônia.
Já a Pyrearinus fragilis foi identificada em cupinzeiros localizados dentro da floresta amazônica. E a Pyrearinus pumilus localizada no interior das cavernas de canga em Carajás, no Pará.
Todas essas espécies de vagalumes Pyrearinus pertencem ao grupo pumilus. “Essas espécies de vagalumes Pyrearinus do grupo pumilus compartilham de um ancestral comum que se associou a áreas ricas em matéria orgânica, preferencialmente com cupins. Algumas espécies acabaram por se adaptar a cupinzeiros e outras a cavernas”, resumiu Viviani.
Banquete de insetos
Segundo o pesquisador, a intensidade da luminescência esverdeada emitida pelas larvas de vagalumes luminescentes encontradas nas cavernas de canga aparentemente é mais fraca do que a de seus parentes próximos, encontrados em cupinzeiros superficiais que, no Cerrado, podem atingir 1,7 metro (m).
Ao contrário dos vagalumes lampirídeos, que geralmente ocorrem em campo aberto e emitem flashes intensos de luz, as larvas luminescente de vagalumes encontradas em cupinzeiros e em cavernas argilosas – que pertencem à família dos elaterídeos, conhecidos popularmente como vagalumes tec-tec ou salta-martins – emitem luz muito intensa e contínua, comparou Viviani.
“Além de maior intensidade intermediária, a luz emitida pelas larvas luminescentes de vagalumes elaterídeos de cupinzeiros e de cavernas é mantida por um tempo muito prolongado”, afirmou.
As larvas de vagalumes de cupinzeiros começam a emitir luz – que é a mais esverdeada entre todos os besouros – no final do entardecer, quando o Sol se põe, e continuam durante as primeiras horas da noite, relatou o pesquisador.
Além da vantagem para si próprias de emitir luz para atrair insetos voadores, as larvas bioluminescentes de vagalumes também acabam por beneficiar todo o microecossistema de um cupinzeiro, por exemplo, e de seus arredores, apontou o pesquisador, conforme já havia sido observado por Etelvino Bechara, pesquisador do Instituto de Química da USP, e Cleide Costa, do MZUSP, com cupinzeiros de Cerrado na década de 1980.
Ao emitir luz, as larvas bioluminescentes de vagalumes também atraem outros animais, como aranhas, sapos e aves, que se beneficiam do banquete de cupins e outros insetos pequenos atraídos pelas pequenas luzes brilhantes.
Posteriormente, os excrementos produzidos pelos animais que se fartaram do banquete de insetos ajudam a fertilizar o solo ao redor do cupinzeiro, que normalmente exibe uma flora mais rica que a dos arredores, disse Viviani.
“Dentro das florestas os cupinzeiros já estão em um ambiente bastante rico em matéria orgânica, onde tem muitas folhas caídas. Mas certamente a atração de presas pelas larvas luminescentes de vagalumes enriquece ainda mais o ambiente em volta do cupinzeiro, criando um microecossistema”, estimou.
Aplicações biotecnológicas
Além do ecossistema, a bioluminescência apresentada por essas espécies de vagalumes que habitam cupinzeiros e cavernas também pode trazer benefícios para a sociedade por meio de enzimas luminescentes (luciferases) e seus substratos (luciferina) que são amplamente utilizados como reagentes bioanalíticos e marcadores celulares em biossensores de poluição e prospecção de drogas anticancerígenas e antibióticos, entre uma vastíssima gama de outras aplicações, apontou o pesquisador.
O grupo de pesquisa liderado por ele na UFSCar é especializado em estudos bioquímicos sobre a estrutura molecular e a função das enzimas luciferases (responsável pela emissão de luz) de vagalumes, sendo um dos líderes mundiais nesta área.
A clonagem e a modificação feitas Viviani de uma enzima luciferase de larvas luminescentes de vagalumes colonizadoras de cupinzeiros no Cerrado – que apresenta a bioluminescência mais azul e mais eficiente entre as luciferases de besouros – resultaram no desenvolvimento de um marcador de células de mamíferos por um grupo de pesquisadores no Japão com os quais colabora.
Várias outras luciferases de besouros clonadas pelo grupo também estão atualmente sendo testadas para o desenvolvimento de biossensores e marcadores celulares pelo grupo do pesquisador na UFSCar.
No último simpósio anual da International Society for Bioluminescence and Chemiluminescence (ISBC), a estudante Gabriele Verônica de Mello Gabriel, que atualmente faz doutorado sob orientação de Viviani e um estágio de pesquisa no National Institute of Advanced Industrial Science and Technology em Tsukuba, no Japão, com Bolsa da FAPESP, obteve uma menção honrosa por sua pesquisa com biossensores luminescentes de pH e metais pesados que mudam de cor de acordo com esses fatores.
“É muito importante estudarmos a biodiversidade de vagalumes porque, além de serem bioindicadores de qualidade ambiental como áreas palustres [pantanosas], cursos de água e florestas, cada espécie apresenta luminescência com características diferentes, como a cor e o tipo de emissão da luz, que também podem ter aplicações biotecnológicas, biomédicas e ambientais diferentes”, afirmou Viviani.
O artigo “First report of Pyrearinus larvae (Coleoptera: Elateridae) in clayish canga caves and luminous termite mounds in the amazon forest with a preliminary molecular-based phylogenetic analysis of the P. pumilus group” (doi: 10.1093/aesa/saw002), de Viviani e Amaral, publicado na Annals of the Entomological Society of America, pode ser lido por assinantes da revista em http://aesa.oxfordjournals.org/content/early/2016/05/30/aesa.saw002/.
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