Depois de comprovar que o metal nobre aumenta a eficiência de dispositivos feitos de dissulfeto de molibdênio – lubrificante sólido que já vem sendo chamado de ‘substituto do silício’ –, pesquisadores do MackGraphe pretendem testar a técnica com outros materiais (imagem: Leandro Seixas/MackGraphe)

Átomos de ouro melhoram a condutividade elétrica de transistores
22 de março de 2021
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Depois de comprovar que o metal nobre aumenta a eficiência de dispositivos feitos de dissulfeto de molibdênio – lubrificante sólido que já vem sendo chamado de ‘substituto do silício’ –, pesquisadores do MackGraphe pretendem testar a técnica com outros materiais

Átomos de ouro melhoram a condutividade elétrica de transistores

Depois de comprovar que o metal nobre aumenta a eficiência de dispositivos feitos de dissulfeto de molibdênio – lubrificante sólido que já vem sendo chamado de ‘substituto do silício’ –, pesquisadores do MackGraphe pretendem testar a técnica com outros materiais

22 de março de 2021
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Depois de comprovar que o metal nobre aumenta a eficiência de dispositivos feitos de dissulfeto de molibdênio – lubrificante sólido que já vem sendo chamado de ‘substituto do silício’ –, pesquisadores do MackGraphe pretendem testar a técnica com outros materiais (imagem: Leandro Seixas/MackGraphe)

 

Karina Ninni | Agência FAPESP – Cientistas do Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e Nanotecnologias da Universidade Presbiteriana Mackenzie (MackGraphe), em colaboração com colegas da Pennsylvania State University (Estados Unidos) e outras instituições, descreveram na revista Science Advances um método que permite melhorar a eficiência de transistores feitos de dissulfeto de molibdênio (MoS2) – material já bastante utilizado como lubrificante sólido, que vem chamando a atenção da comunidade científica nos últimos anos por suas propriedades eletrônicas e ópticas. O grupo aplicou átomos de ouro sobre um transistor de MoS2 e, com isso, conseguiu melhorar a condutividade elétrica do dispositivo. Além disso, percebeu que os átomos de ouro melhoraram também sua condutividade térmica.

“O MoS2 é um dicalcogeneto de metal de transição [TMD, na sigla em inglês] formado por dois átomos de enxofre, que é um calcogênio, para cada átomo de molibdênio, o metal de transição. Esse material forma um cristal bidimensional, tal qual o grafeno. Tanto o MoS2 natural quando o grafite [de onde se obtém o grafeno] são o que chamamos de materiais lamelares, pois ocorrem em lâminas, sendo possível realizar uma delaminação e chegar a uma única camada. O interessante desse grupo é que vários deles, inclusive o MoS2, são semicondutores”, explica Christiano José Santiago de Matos, coordenador de um Projeto Temático conduzido no MackGraphe, com apoio da FAPESP.

Como explica o pesquisador, nos materiais semicondutores é mais fácil controlar a condutividade elétrica do que nos condutores, como o grafeno, por exemplo. “Nos semicondutores, como o silício e o MoS2, é possível controlar a passagem ou não da corrente. Esses materiais são importantíssimos para a eletrônica, cuja base é o código binário 0 e 1; esta é a ‘linguagem’ dos computadores digitais”, descreve.

Uma das estratégias para controlar a condutividade do semicondutor é a dopagem: acrescenta-se um átomo de outro material ao semicondutor, substituindo um átomo original, que é removido. Mas em materiais bidimensionais, ou lamelares, essa remoção seguida de posterior substituição (ou seja, a “criação de defeitos” em demasia no material) por vezes acaba atrapalhando a condutividade, em vez de melhorá-la.

Para evitar esse efeito, os cientistas doparam o material sem substituir os átomos, mas adicionando outros. “Usamos os conceitos de uma área da química chamada química de coordenação na qual, em vez de tirarmos átomos – de enxofre ou molibdênio –, aplicamos átomos de ouro na superfície do material. Dessa forma, possibilitamos a ocorrência de uma interação entre as cargas do MoS2 e do ouro, na qual parte dos elétrons do semicondutor acaba ficando parcialmente aprisionada nos átomos do metal. Os átomos de ouro fazem um papel de retenção de elétrons do material, que então fica com excesso de cargas positivas, passando a ter uma condutividade maior. Assim, oferecemos uma possibilidade de melhorar o controle do dispositivo provocando pouco impacto em sua performance”, conta Matos.

De acordo com ele, há uma boa chance de esse tipo de técnica, aprimorada e suficientemente estudada, chegar aos dispositivos eletrônicos comerciais, já que o MoS2 e outros materiais lamelares vêm sendo amplamente estudados, inclusive para confecção de transistores, que são os componentes básicos dos chips eletrônicos, responsáveis pela memória, as operações lógicas e os fluxos de comunicação nos computadores.

“Nosso trabalho representa um avanço significativo na área, já que o transistor é uma unidade básica para eletrônica binária. O primeiro dispositivo fabricado de grafeno foi justamente um transistor. Só que o grafeno é um condutor. Por isso, o desempenho de um transistor de grafeno, comparado a um transistor de silício, é muito pior no que tange à possibilidade de ‘ligar e desligar’ a passagem da corrente. Diante disso, naturalmente, os cientistas voltaram os olhos para outros materiais 2D que fossem semicondutores. O MoS2 apareceu como um ótimo candidato e transistores feitos com ele estão sendo cada vez mais estudados”, afirma.

O projeto recebeu apoio da FAPESP para a aquisição de equipamento multiusuário, além de bolsas de pós-doutorado – no Brasil e no exterior – concedidas a Daniel Grasseschi, coautor do artigo e atualmente professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O trabalho tem ainda participação de cientistas da Shinshu University, no Japão, da University of Virginia e da Binghamton University, ambas nos Estados Unidos.

Motivação

Matos afirma que diversos desafios moveram o trabalho, incluindo uma questão de química básica. “Essa técnica de dopagem, especificamente, ainda não havia sido utilizada em materiais bidimensionais. Há vários artigos que demonstram técnicas de dopagem, mas a maioria se baseia em substituição de átomos. E, quando se adiciona algo na superfície, são moléculas muito mais complicadas. Trabalhar com átomos isolados de ouro é uma coisa rara, porque eles têm uma tendência muito grande a se aglomerar; é uma dificuldade manter um átomo de ouro isolado. Mas mostramos que, uma vez que se consegue, utilizar a técnica é relativamente simples, e ela tem aplicações importantes.”

Além de melhorar a condutividade elétrica, a presença dos átomos de ouro surtiu efeito na condutividade térmica. “A dissipação térmica é outro problema dos dispositivos eletrônicos. Se o dispositivo gera calor que não se dissipa, acaba danificado. A aplicação de átomos de ouro resultou em um aprimoramento que poderia ser aplicado para aumentar a taxa de dissipação de calor de transistores 2D com base neste e em outros TMDs semicondutores”, explica.

Uma outra característica dos semicondutores, que é a emissão de luz, também sofreu modificações. “A cor, a frequência da luz emitida, é resultado de características do material. Ao dopar o semicondutor, nós modificamos essas características. Fizemos alguns estudos com esse material modificado e percebemos que existe diferença na emissão da luz: o conjunto de frequências disponíveis na luz emitida foi diferente no material acrescido com os átomos de ouro. Vamos prosseguir com os estudos de óptica”, conta Matos, ressaltando que a emissão de luz é mais uma aplicação desses materiais, já utilizados para tal fim nos equipamentos eletrônicos.

Para testar a condutividade dos transistores acrescidos de átomos de ouro, os cientistas construíram dez dispositivos. Depois, usaram microscopia eletrônica para visualizar a interação entre os átomos de ouro e os átomos de enxofre na superfície dos dispositivos. “Boa parte do processo experimental de dopagem do MoS2, testes iniciais e imagens de microscopia eletrônica foi feita pelo Daniel Grasseschi, durante o seu pós-doutorado na Universidade Estadual da Pensilvânia, com participação de mais de um grupo de lá, sob a batuta do grupo do professor Mauricio Terrones. Eles construíram vários transistores, todos funcionaram bem, e a condutividade foi pouco afetada. Quando ele voltou, fizemos caracterizações óptica e espectroscópica aqui no MackGraphe. Toda a parte de simulação computacional também foi realizada no Mackenzie, pelo professor Leandro Seixas, com contribuições da professora Camila Maroneze”, relata.

A intenção dos cientistas, agora, é demonstrar que a técnica funciona com outros materiais. “É possível mudar tanto o metal utilizado quanto o TMD, mas há alguns desafios em utilizar outros metais e a razão é a seguinte: a química de coordenação depende muito do número de elétrons disponíveis na última camada do metal. O ouro e a prata, por exemplo, têm o mesmo número de elétrons na última camada e estão na mesma coluna na tabela periódica. Então, se trocarmos o ouro pela prata, a reação química acontece de maneira muito parecida. Demonstramos isso no artigo, pois fizemos alguns testes com prata. Agora, se tentarmos usar metais de outras colunas da tabela, estaremos lidando com número diferente de elétrons na última camada, e então a química muda.”

O artigo, intitulado Spontaneous chemical functionalization via coordination of Au single atoms on monolayer MoS2,  pode ser lido em https://advances.sciencemag.org/content/6/49/eabc9308.
 

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