Representantes da comunidade científica, da sociedade civil e dos governos do Brasil e da Holanda debatem sustentabilidade de biocombustíveis na sede da FAPESP (foto: F.Castro)
Representantes da comunidade científica, da sociedade civil e dos governos do Brasil e da Holanda debatem sustentabilidade de biocombustíveis na sede da FAPESP
Representantes da comunidade científica, da sociedade civil e dos governos do Brasil e da Holanda debatem sustentabilidade de biocombustíveis na sede da FAPESP
Representantes da comunidade científica, da sociedade civil e dos governos do Brasil e da Holanda debatem sustentabilidade de biocombustíveis na sede da FAPESP (foto: F.Castro)
Agência FAPESP – Representantes da academia, da sociedade civil e dos governos do Brasil e da Holanda participaram, no dia 14 de setembro, na sede da FAPESP, em São Paulo, do Workshop Brasil-Holanda sobre Biocombustíveis Sustentáveis.
O evento encerrou o 3º Encontro Bilateral no âmbito do Memorando de Entendimento para a Cooperação em Bioenergia, assinado pelos governos dos dois países. O workshop foi coordenado pelo ministro André Aranha Corrêa do Lago, diretor do Departamento de Energia do Ministério das Relações Exteriores, e por Jan-Meinte Postma, enviado especial para o tema da Energia do Ministério da Economia da Holanda. A abertura teve a participação do diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz.
Foram discutidos os temas “Prognóstico futuro para os biocombustíveis sustentáveis brasileiros”, “Demanda e fornecimento de biocombustíveis na Europa e sua sustentabilidade”, “Aspectos ambientais dos biocombustíveis”, “Aspectos sociais e econômicos dos biocombustíveis” e “Aspectos regulatórios dos biocombustíveis na Holanda e na Europa”.
Segundo Corrêa do Lago, a realização do evento na sede da FAPESP sinaliza a dimensão acadêmica que deve ser levada em conta nas discussões sobre a sustentabilidade dos biocombustíveis.
“Os governos do Brasil e da Holanda assinaram um memorando de entendimento com o objetivo de aproximar os dois países em relação a esse tema e de proporcionar o diálogo mais aberto possível, com a melhor informação disponível, para que possamos avançar conjuntamente em direção à sustentabilidade dos biocombustíveis. A participação de membros do governo, da academia e de organizações não-governamentais (ONG) é uma grande oportunidade de diálogo”, disse Corrêa do Lago.
Para Postma, o diálogo com o Brasil é fundamental, já que o país deverá ter um papel central, em um futuro próximo, no fornecimento de biocombustíveis em escala mundial.
“Os biocombustíveis brasileiros, em particular o etanol de cana-de-açúcar, terão papel importante no suprimento e nas estratégias de desenvolvimento econômico e social que serão desenvolvidas a partir da produção em larga escala. Por conta disso, é importante trocar informações baseadas no conhecimento”, afirmou.
Brito Cruz explicou o funcionamento do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), que reúne mais de 100 pesquisadores e cerca de mil alunos de diversas instituições em áreas como produção de biomassa, química verde, processos, motores e células a combustível e aspectos sociais da produção de bioenergia. Ele destacou também a centralidade do Estado de São Paulo na produção e pesquisa sobre o etanol.
“Cerca de 56% da energia consumida no estado – que é proporcional à Espanha em termos de população e área – vem de fontes renováveis, sendo 38% do etanol da cana-de-açúcar. O uso do etanol permitiu que São Paulo reduzisse a participação do petróleo na matriz energética estadual de 60% para 33% nos últimos 30 anos”, disse.
Marco Aurelio Pinheiro de Lima, diretor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), destacou que a produtividade do etanol de cana-de-açúcar cresceu 66% nos últimos 30 anos no Brasil, graças ao desenvolvimento de tecnologias nacionais. Segundo ele, a substituição de 10% da gasolina utilizada no Brasil até 2025 levaria a uma produção de 250 bilhões de litros de etanol, gerando mais de 9 milhões de empregos no país.
“No CTBE temos cinco programas dedicados ao esforço de pesquisa necessário para desenvolver ainda mais o etanol: ‘Ciência básica’, ‘Planta industrial piloto’, ‘Sustentabilidade’, ‘Mecanização de baixo impacto’ e ‘Biorrefinaria virtual de cana’. O objetivo é integrar as várias tecnologias no mesmo sistema, de modo que possamos aumentar a produtividade e a sustentabilidade de todo o processo de produção. Ainda não temos dados científicos suficientes para tirar conclusões sobre os aspectos de sustentabilidade no Brasil. Será muito importante gerar esses dados”, afirmou.
Mark Wolthuis, diretor-gerente do North Sea Group, comentou sobre a demanda europeia de biocombustíveis e as questões ligadas à sustentabilidade. A empresa, atuante no mercado de petróleo da Europa, combina o armazenamento e a distribuição com o comércio internacional e a venda de biocombustíveis.
“A produção de energia renovável na Europa cresceu mais de 30% desde a publicação de uma resolução da Comissão Europeia, em 1997, que determina metas para 2020. Ainda assim, a produção é muito menor do que a demanda e ficou claro que, para atingir as metas, teremos que buscar os biocombustíveis no exterior. Por isso, prevemos que o comércio de biocombustíveis crescerá consideravelmente. Estamos trabalhando junto aos produtores brasileiros na implementação dos critérios de sustentabilidade, para que possamos combiná-los com o que precisamos na Europa”, afirmou.
Sustentabilidade da produção
De acordo com André Meloni Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) e um dos coordenadores do BIOEN, os números mostram de forma inequívoca que o Brasil é o lugar ideal para a expansão dos biocombustíveis no mundo.
Segundo ele, as incertezas que restaram quanto à viabilidade de uma produção sustentável de etanol de cana-de-açúcar em larga escala não estão mais no plano do debate político: trata-se atualmente de um debate puramente metodológico.
“Nossos estudos mostram que, entre os biocombustíveis viáveis, o etanol brasileiro é o que minimiza os impactos indiretos de mudanças do uso do solo. A conclusão é: se vamos realmente produzir biocombustíveis em larga escala, isso tem que ser feito no Brasil, com a expansão da produção do etanol”, disse.
“Podemos estar preocupados com a devastação do Cerrado. Mas, se compararmos com os impactos em outros países, é melhor fazer a expansão no Brasil, onde pelo menos temos monitoramento, temos as ONGs trabalhando, temos tecnologia e temos o monitoramento agroecológico. Não se trata mais de uma questão política. Temos agora que encontrar as metodologias mais precisas para avaliar a sustentabilidade da produção”, afirmou.
José Nilton de Souza Vieira, do Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia do Ministério da Agricultura, disse esperar que em breve uma nova geração de biocombustíveis trará alternativas tecnicamente e energeticamente mais eficientes.
A questão central a partir de agora, segundo ele, será o estabelecimento de uma produção de biocombustíveis integrada à produção de alimentos e à sustentabilidade ambiental, levando em conta a garantia de segurança energética para os potenciais países importadores.
“O principal desafio é promover a produção sustentável em relação às mudanças de uso do solo. O zoneamento agroecológico é uma prioridade nesse sentido. Os dados sobre o clima e o solo de cada região produtora serão fundamentais para desenvolver esse zoneamento. Precisamos identificar as áreas onde o clima e o solo permitem a produção de cana-de-açúcar com colheita mecânica, as áreas com potencial para plantio que hoje são usadas para produção de alimentos e as áreas que não têm restrições ambientais”, destacou.
Danielle de Nie, do comitê holandês da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN-NL, na sigla em inglês), manifestou preocupação com os impactos das mudanças diretas e indiretas do uso do solo sobre a biodiversidade, especialmente em relação ao Cerrado. Segundo ela, é preciso debater intensamente o planejamento do uso da terra para que se possa tomar a decisão certa em relação à expansão das áreas produtoras de cana-de-açúcar.
“O zoneamento agroecológico é o primeiro passo na direção certa. Achamos que ele possa ser uma ferramenta para auxiliar a conseguir um uso sustentável do solo. Temos que perguntar como minimizar o impacto sobre a biodiversidade nas áreas produtoras de cana-de-açúcar, como integrar o plantio com o de outros vegetais e, ainda, que medidas podemos efetivamente tomar para intensificar a produção pecuária – usando os pastos degradados para a expansão da cana. A solução está no planejamento da sustentabilidade”, defendeu.
Cristiane Azevedo, da ONG 4 Cantos do Mundo, observou que a maior parte da expansão da produção de biocombustíveis – 90% no caso da cana-de-açúcar – deverá se concentrar na bacia do rio da Prata. A região concentra 70% do PIB dos cinco países que a compõem: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia, tem água disponível em aquíferos e rios, duas estações bem definidas, infraestrutura de produção e transporte e proximidade dos centros consumidores.
“Nessa região, temos áreas sensíveis como a Mata Atlântica, o Pantanal e o Cerrado, além de termos uma intensa produção de grãos. Temos que analisar os impactos do aumento da produção canavieira em relação à substituição da cultura de grãos, aos impactos sobre a agricultura familiar e sobre o preço da terra. Precisamos saber como vamos monitorar essa reorganização do cenário rural protegendo os recursos naturais”, disse.
Cássio Franco Moreira, da WWF, definiu como biocombustível ambientalmente responsável aquele que não causa mudança direta ou indireta do uso do solo, que tem balanço positivo de emissão de gases de efeito estufa, que reduz o uso de agroquímicos, que maximiza a produtividade e que não fere o atual Código Florestal.
“Temos que trabalhar com os governos, com a indústria e com o setor financeiro para que consigamos aumentar a produtividade dos pastos, reduzindo a pressão sobre a vegetação nativa. A expansão dos biocombustíveis deve ser feita apenas em áreas degradadas. Por isso, temos que dialogar com o governo e os bancos a fim de que seja possível criar incentivos para a expansão agrícola em pastos degradados e de baixa produtividade. É fundamental também criar um mercado para os biocombustíveis e estabelecer uma forte economia florestal”, afirmou.
Para Ron Wit, da Society for Nature & Environment, os impactos indiretos da mudança de uso do solo só terão solução a partir de uma abordagem global. Segundo ele, as iniciativas e políticas isoladas de cada país não têm condições de garantir uma produção sustentável de biocombustíveis.
“Apenas com a implementação de um zoneamento agroecológico no Brasil não vamos resolver o problema. Há um mercado global que não pode ser operado por um país individualmente. A certificação sustentável também não resolve a questão, porque ela está ligada apenas ao ciclo produtivo de um biocombustível isoladamente e, por isso, não afeta o mercado inteiro. A certificação só garante a redução dos impactos diretos. Temos que investir em uma abordagem global e apostar na cooperação entre os setores de biocombustíveis e de pecuária”, afirmou.
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