No alto, à esq., Buainain e Regina Camargo; abaixo, Parra e Pacheco (imagem: reprodução)
Em evento do Ciclo ILP-FAPESP, especialistas alertam para a urgência de uma agricultura que respeite o meio ambiente ao mesmo tempo que garanta alimentos em quantidade e qualidade, inclusive para os milhões que ainda passam fome no mundo
Em evento do Ciclo ILP-FAPESP, especialistas alertam para a urgência de uma agricultura que respeite o meio ambiente ao mesmo tempo que garanta alimentos em quantidade e qualidade, inclusive para os milhões que ainda passam fome no mundo
No alto, à esq., Buainain e Regina Camargo; abaixo, Parra e Pacheco (imagem: reprodução)
André Julião | Agência FAPESP – Em plena emergência climática, tem se buscado produzir alimentos com sustentabilidade enquanto existem no mundo 2,3 bilhões de pessoas em algum nível de insegurança alimentar, sendo que 735 milhões efetivamente passam fome.
Os dados foram apresentados por pesquisadores que participaram da mais recente edição do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, realizado de forma virtual no dia 03 de junho.
“Esse tem sido um tema recorrente de várias conferências internacionais. Faz parte hoje das negociações da Conferência do Clima da ONU [Organização das Nações Unidas] e foi incorporado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de diversas formas”, lembrou Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, na abertura do evento.
“Estamos falando tanto de segurança alimentar quanto de sustentabilidade em geral. O Brasil é um importante produtor agrícola em termos globais, contribui para a redução da fome. Mas as pressões são grandes, porque só será possível manter essa agricultura pujante com práticas bastante sustentáveis. Em paralelo, está na preocupação das Nações Unidas também a segurança alimentar. Garantir alimentos saudáveis e em quantidade necessária para enfrentar o problema da fome e das carências nas dietas de várias populações”, completou.
Antonio Marcio Buainain, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp), lembrou que, por décadas, a questão da fome e da segurança alimentar foi tratada como um problema de oferta de alimento.
O geógrafo brasileiro Josué de Castro, um dos fundadores da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), porém, já chamava a atenção em 1946, em sua obra Geografia da fome, para a convivência da fome com a abundância.
“Isso mostra como falta comunicação entre cientistas e formuladores de políticas. Não ouvimos Josué de Castro. O problema era mais do que oferta. Mais recentemente, a fome passou a ser tratada como problema de dimensão multifatorial. Evidentemente, a oferta de alimentos é um deles, mas também é o acesso, por exemplo. É preciso ter renda suficiente. Mas não é só renda, porque parte das pessoas no mundo passa por situações como guerras ou desastres, como o que estamos vendo no Rio Grande do Sul. Então o debate vai além”, disse Buainain.
Regina Aparecida Leite de Camargo, professora da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (FCAV-Unesp), em Jaboticabal, explicou o conceito de sindemia global, que traz uma visão sistêmica sobre a alimentação e seus impactos na saúde e no meio ambiente, se apresentando na forma da desnutrição, da obesidade e das mudanças climáticas.
“É uma vergonha tanto nacional como mundial que ainda existam 735 milhões de pessoas no mundo passando fome e 2,3 bilhões em insegurança alimentar. Entre 2020 e 2022, 9,9% da população do Brasil estava em insegurança alimentar grave. A proporção é ainda maior da população com problemas de sobrepeso. Aumentou 360% entre 1990 e 2022. Outro aspecto são as mudanças climáticas, que têm afetado o mundo inteiro com eventos extremos”, afirmou.
Sustentabilidade
Enquanto a demanda pela produção agrícola e a população mundial continuam aumentando, está cada vez mais claro o papel da ação humana na mudança do clima. Por isso, soluções como o controle biológico de pragas tem crescido no mundo.
José Roberto Postali Parra, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba, dirige o Centro de Excelência em Controle Biológico (SparcBio).
Um dos Centros de Pesquisa em Engenharia (CPEs) da FAPESP, o SparcBio é uma parceria com a Koppert Biological Systems – empresa de soluções para a agricultura, presente no Brasil desde 2011.
“O Brasil é líder em agricultura tropical com tecnologia própria. Mas o controle biológico para regiões tropicais teve de ser desenvolvido. Na Europa, é feito em casas de vegetação. No Brasil, temos áreas abertas que impedem que se copie o modelo europeu. Tivemos de elaborar, nesses últimos 30 anos, modelos de controle biológico para regiões tropicais adaptados à nossa realidade”, explicou.
Segundo Parra, o controle biológico se profissionalizou nos últimos anos com pesquisa e desenvolvimento. Atualmente, existem 695 produtos biológicos registrados, 94 apenas em 2023. O número, porém, ainda é menor do que os químicos, com 3.700 produtos registrados, 361 no ano passado.
“Era muito comum o produtor não usar porque os antecessores usaram químicos. Foi preciso que houvesse uma mudança na cultura para que se adotasse [o controle biológico]. Hoje, a área tratada [com esse tipo de produto] tem 25 milhões de hectares, 159 biofábricas com receita anual de R$ 5 bilhões”, contou.
Com o crescimento do portfólio de bioinsumos, como são chamados, espera-se que no futuro essas tecnologias estejam também disponíveis a pequenos produtores. Atualmente, o controle biológico é restrito às grandes propriedades.
O evento teve ainda a presença de Natacha Jones, diretora-executiva do ILP, e do deputado estadual Itamar Borges, presidente da Comissão de Atividades Econômicas da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
O debate pode ser assistido na íntegra pelo endereço: https://youtu.be/37vBVr7DrlQ.
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