Alguns grupos zoológicos, como alguns específicos dos aracnídeos, não são estudados no Brasil por falta de especialistas
(foto: Harvard)

Salto necessário
17 de fevereiro de 2006

A biodiversidade do planeta estará em discussão em março, na 8ª Conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica das Partes, em Curitiba. Estudo ainda inédito revela qual o caminho para que o Brasil possa conhecer toda a sua riqueza biológica para depois poder conservá-la

Salto necessário

A biodiversidade do planeta estará em discussão em março, na 8ª Conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica das Partes, em Curitiba. Estudo ainda inédito revela qual o caminho para que o Brasil possa conhecer toda a sua riqueza biológica para depois poder conservá-la

17 de fevereiro de 2006

Alguns grupos zoológicos, como alguns específicos dos aracnídeos, não são estudados no Brasil por falta de especialistas
(foto: Harvard)

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPAESP - Mesmo os cientistas mais conservadores concordam que o mundo está assistindo, por causa do homem, a uma incrível crise de perda de biodiversidade. Paralelamente ao processo de destruição ambiental, há outro problema: o Brasil conhece apenas 6,67% de todas as suas espécies animais.

Por causa dessa falta de conhecimento, a 8ª Conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica das Partes (COP 8), que será realizada em março, em Curitiba, será de fundamental importância.

A Agência FAPESP preparou uma série de reportagens sobre a biodiversidade brasileira, com o objetivo de colaborar com esse debate que terá seu ponto alto a partir do dia 20 de março, quando começa o evento na capital paranaense. Neste primeiro texto, o assunto é a taxonomia zoológica, ciência responsável pela identificação dos animais.

O quadro é ainda mais complicado do que o apresentando acima. Existem hoje, em todo o território nacional, apenas 542 pesquisadores que se autodenominam sistematas dentro da zoologia. São essas pessoas que têm o papel de estudar os grupos animais e definir em qual parte da árvore evolutiva eles devem ser colocados. Ou seja, os recursos humanos são absolutamente ínfimos diante da quantidade de grupos ainda desconhecidos.

"Nessa área da taxonomia há inequivocamente uma grande deficiência, que é a falta de profissionais. Há grupos biológicos inteiros que não contam sequer com uma pessoa que possa trabalhar com eles", disse Antônio Carlos Marques, pesquisador do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), à Agência FAPESP.

Marques, ao lado de Carlos Lamas, do Museu de Zoologia da USP, é autor do trabalho ainda inédito – o texto deverá ser divulgado na reunião em Curitiba pelo Ministério do Meio Ambiente – Sistemática zoológica no Brasil: Estado da arte, expectativa e sugestões de ações futuras. "Apesar da falta de pesquisadores, podemos dizer que os poucos grupos que têm bases de dados um pouco maiores estão sendo preservados e conservados de alguma forma", aponta Marques.

Um dos grupos no conjunto dos quase desconhecidos é o dos nematóides (vermes) marinhos, explica o pesquisador. Estima-se que, apenas no Brasil, existam 1,5 milhão de espécies desse grupo. "Esse desconhecimento é o mesmo para praticamente todos os outros táxons [grupo] animais", afirma o cientista.


Faltam especialistas

O estudo preparado por Marques e Lamas mostra que, dos 542 pesquisadores que se autodenominam taxonomistas ou sistematas, 86 são doutores ainda sem vínculo empregatício e outros 39 estão aposentados. Dois outros estão em grupos com nenhum ou apenas um único doutor. A idade média está entre 45 e 50 anos.

"De maneira geral, nenhum grupo animal apresenta excesso de sistematas em nosso país. Na realidade, diversos táxons de menor riqueza de espécies não possuem sequer um sistemata, nem mesmo em formação", diz Marques. Essa lista é formada por dezenas de grupos, entre eles Amblypygi (aracnídeos), Chaetognatha (pequenos animais marinhos planctônicos) e Echiura (invertebrados marinhos bentônicos).

Do lado dos grupos bem conhecidos aparecem os peixes (com 53 cientistas voltados exclusivamente para esse grupo), os crustáceos (39) e os dípteros (28). "O nível de conhecimento de nossa fauna está longe do ideal. O número de novas espécies brasileiras, descritas anualmente, corrobora a idéia de que ainda temos muito para conhecer de nossa fauna", dizem os cientistas no texto que será divulgado em Curitiba.

Como exemplo, apenas nas revistas indexadas no ISI (base de dados que inclui um número relativamente pequeno de periódicos que publicam novas espécies brasileiras) foram descritas 400 novas espécies entre janeiro de 2000 e março de 2005, propostos diversos grupos supra-específicos e inúmeras novas ocorrências. "O desconhecimento ocorre em todos os táxons e em todos os biomas, inclusive nos que estão bem amostrados em coleções."

Para que o quadro do desconhecimento seja alterado, Marques e Lamas propõem uma série de ações e metas. Para os próximos três anos, por exemplo, seria ideal que o Brasil formasse pelo menos cem sistematas e que fossem instalados 30 novos docentes em áreas da sistemática nas quais o país é carente.

Todas as metas, tanto em nível de infra-estrutura, como organizacional e de recursos humanos, foram apresentadas, também para os próximos cinco e dez anos. Para 2016, o ideal é que o país tenha 300 novos sistematas, segundo os autores do estudo. Outro ponto importante para estimular a produção científica e a divulgação desses conhecimentos seria a criação de novas revistas científicas. O ideal seria que o Brasil tivesse 10 periódicos da área zoológica indexados nas principais bases internacionais.

"A responsabilidade brasileira aumenta na proporção de sua biodiversidade, a maior do mundo. O Brasil tem condições de ser um dos expoentes e modelo em estudos de biodiversidade, aproveitando-se, inclusive, dos benefícios que isso significa. Atualmente, há capacitação técnica e uma base logística razoável para se iniciar o desafio. É essencial que haja a implementação de novos programas, e que esta seja dinâmica e bem planejada", dizem os autores.




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