Pioneiros, mas sempre atrasados
17 de março de 2008

A revolução microeletrônica – Pioneirismos brasileiros e utopias tecnotrônicas, do historiador Francisco Assis de Queiroz, lançado no sábado (15/3), explica fracasso do Brasil para transformar sua tradição em inovação tecnológica em desenvolvimento

Pioneiros, mas sempre atrasados

A revolução microeletrônica – Pioneirismos brasileiros e utopias tecnotrônicas, do historiador Francisco Assis de Queiroz, lançado no sábado (15/3), explica fracasso do Brasil para transformar sua tradição em inovação tecnológica em desenvolvimento

17 de março de 2008

 

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Inúmeros casos de pioneirismo tecnológico marcaram a história brasileira em episódios ligados às origens da telefonia, do rádio, da televisão e do computador. Um pioneirismo que vem carregado de promessas de transformação social, mas, em vez de conferir ao país o estatuto de uma potência tecnológica, limita-se a desenvolver o consumo.

Esclarecer esse processo é o foco do livro A revolução microeletrônica – Pioneirismos brasileiros e utopias tecnotrônicas, de Francisco Assis de Queiroz, lançado no sábado (15/3) em São Paulo. A obra teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Publicação.

De acordo com o autor, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), a obra é resultado amadurecido de sua tese de doutorado, com bolsa da FAPESP e defendida em 1999 na mesma instituição, sob orienteção de Shozo Motoyama, diretor do Centro Interunidade de História da Ciência da USP.

"O trabalho examina um período da história contemporânea que vai de meados do século 19 até o fim do século 20 e procura compreender, de forma abrangente, o papel da ciência e da tecnologia na realidade brasileira", disse à Agência FAPESP.

Queiroz explica que o trabalho traz elementos pouco discutidos porque, em geral, a ciência e a tecnologia estão praticamente ausentes da historiografia, que se concentra na análise de variáveis como política, sociedade, arte, cultura e religião.

"É um estudo de história da tecnologia considerando suas trajetórias e impactos no ordenamento social do Brasil moderno. Procurei compreender o papel de determinados desenvolvimentos tecnológicos em termos de projeções e concepções utópicas formuladas por cientistas e outros analistas", afirmou.

A partir desse pano de fundo, Queiroz examinou dois casos de pioneirismo tecnológico no país. Um deles é o do padre gaúcho Roberto Landell de Moura que, entre 1893 e 1894, fez as primeiras experiências de transmissão e recepção sem fio.

"Ele fez transmissões de radiotelefonia sem fio entre a Avenida Paulista e o bairro de Santana, uma distância de oito quilômetros em São Paulo – o que o credencia como um dos pais do rádio, uma vez que Marconi só faria experiências entre 1895 e 1897", disse.

O pioneirismo de Landell de Moura, no entanto, não foi suficiente para fazer brotar algo como uma indústria eletrônica. "Em 1905, ele pediu ao governo para fazer seus experimentos em dois navios da marinha. O pedido foi negado e ele foi tratado como louco. Marconi fez o mesmo pedido e o governo italiano disponibilizou toda a sua frota naval", afirmou.

O outro caso estudado foi a criação da Escola Técncia de Eletrônica de Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais, que deu origem ao pólo tecnológico hoje conhecido como vale da eletrônica.

"Uma senhora que veio da elite agrária local, Luzia Rennó Moreira, tomou a iniciativa de criar ali, na década de 1950, a sexta escola de eletrônica do mundo e a primeira da América Latina", disse.

Queiroz realizou uma extensa pesquisa documental e de campo para reconstituir o processo de formação do pólo eletroeletrônico daquela região, que se consolidou nas décadas de 1960 e 1970, a partir da iniciativa de Luzia, que era sobrinha do ex-presidente Delfim Moreira.

"O que há de interessante ali é o caráter personalizado daquela iniciativa, possibilitada pelos contatos políticos e pelo contexto reformista do governo de Juscelino Kubitschek", explicou.


Mitificação da máquina

Apesar das iniciativas pioneiras, na avaliação de Queiroz o Brasil nunca se tornou produtor de tecnologia microeletrônica, limitando-se a montar aparelhos e a importar componentes de alto valor tecnológico agregado.

"São arranjos que nunca redundaram na criação de uma indústria de base competitiva internacionalmente. No caso do padre Landell de Moura, ele patenteou sua invenção nos Estados Unidos, mas não houve nada além disso. No caso de Minas Gerais, tivemos a geração de um pólo tecnológico, mas até hoje compramos os componentes mais caros", destacou.

O professor da USP aponta que a indústria eletrônica é deficitária até hoje: no fim da década de 1990 havia um déficit anual de cerca de US$ 8 bilhões.

"Além desses casos, podemos citar o do telefone, que foi demonstrado ao imperador D. Pedro 2º pelo próprio Graham Bell, nos Estados Unidos, e logo em seguida no Brasil. Ou o da televisão, que chegou ao Brasil em 1950, quando havia sido implantada apenas na Inglaterra, Estados Unidos, França, Alemanha e Holanda", disse.

Segundo Queiroz, em todos os casos – inclusive, mais recentemente, no do computador – o pioneirismo brasileiro na implantação de novidades microeletrônicas veio carregado de promessas, sistematicamente frustradas, de erradicação do analfabetismo crônico e de aprimoramento cultural.

"A introdução desses avanços, na prática, serviu em um primeiro momento para concentrar poder, caracterizando-se como símbolo de privilégio. Mantinha-se o discurso de que esses artefatos resolveriam nossos problemas mais importantes, como a educação. Mas eles acabavam se tornando veículos de entretenimento e consumo", disse.

O mesmo discurso que valia para o rádio no início do século passado, segundo Queiroz, vale hoje para a computação. Segundo ele, o rádio não acabou com o problema educacional. E distribuir computadores nas escolas tampouco será capaz de fazê-lo.

"Aparentemente, somos pioneiros, sim, mas em termos de consumo. Isto é, nos lançamos sistematicamente a uma modernização que passa pelo consumo e não pelo desenvolvimento tecnológico autônomo e pela valorização do conhecimento", declarou.

O livro, de acordo com o autor, ajuda a compreender por que o Brasil ensaia grandes vôos científicos e tecnológicos, mas falha no desenvolvimento que deveria vir em seguida.

"Existe uma mentalidade de mitificação da máquina, de antropomorfização do artefato. Mas a tecnologia, por si só, é impotente para produzir conhecimento. Sem investimento em formação educacional e ciência, a máquina gera apenas utopias vazias", disse.

  • A revolução microeletrônica – Pioneirismos brasileiros e utopias tecnotrônicas
    Autor: Francisco Assis de Queiroz
    Lançamento: 2008
    Preço: R$ 30
    Mais informações: www.annablume.com.br


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