Sala de negociação da COP30: artigo é assinado por oito pesquisadores, entre eles três do CEPID ARIES da FAPESP (foto: Rafa Neddermeyer/COP30)

Mudanças climáticas
Pesquisadores alertam para necessidade de o Brasil transformar promessas em ações práticas na COP30
13 de novembro de 2025

Em artigo publicado em revista científica, grupo ressalta que o país deve alinhar políticas internas a compromissos internacionais

Mudanças climáticas
Pesquisadores alertam para necessidade de o Brasil transformar promessas em ações práticas na COP30

Em artigo publicado em revista científica, grupo ressalta que o país deve alinhar políticas internas a compromissos internacionais

13 de novembro de 2025

Sala de negociação da COP30: artigo é assinado por oito pesquisadores, entre eles três do CEPID ARIES da FAPESP (foto: Rafa Neddermeyer/COP30)

 

COP30

Luciana Constantino | Agência FAPESP – Em meio às discussões da COP30, que pela primeira vez é realizada na Amazônia, em Belém (PA), um grupo de pesquisadores faz um alerta para a urgência de o Brasil liderar um caminho que transforme promessas em ações práticas no combate ao aquecimento global. Na visão deles, o país, como sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, precisa alinhar suas políticas internas a compromissos internacionais, destacando a conservação das florestas e a justiça climática.

Os cientistas ressaltam a necessidade de “reverter políticas antiambientais, aplicar leis de combate ao desmatamento e fortalecer atores do desenvolvimento sustentável para transformar promessas em ações concretas por meio de reformas legislativas, da restauração do licenciamento ambiental e da proteção de direitos dos povos indígenas”. O artigo foi publicado em 28 de outubro na revista científica International Environmental Agreements: Politics, Law and Economics.

É assinado por oito pesquisadores, entre eles três do ARIES (sigla em inglês para Instituto Paulista de Resistência aos Antimicrobianos), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP, com sede na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os demais signatários são das universidades de São Paulo (USP), Federal de Alagoas (Ufal) e da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Fiocruz).

“O Brasil tem que aproveitar toda essa visibilidade internacional para realmente colocar em ação o que se compromete a cumprir, buscando limitar o aquecimento global do planeta. E, mesmo sendo um evento mundial, a COP é uma oportunidade para trazermos propostas nacionais, como o Plano de Ação em Saúde de Belém”, diz à Agência FAPESP a bióloga Daniela Debone, primeira autora do artigo. Pós-doutoranda no ARIES, ela é apoiada por bolsa da FAPESP.

O plano de ação foi apresentado pelo Brasil com o objetivo de fortalecer a adaptação e a resiliência da área de saúde frente às mudanças climáticas por meio do avanço de sistemas integrados de vigilância e monitoramento, além da promoção de políticas baseadas em evidências e da inovação. Faz parte da programação dos dias temáticos da COP30, que incluiu saúde (12 e 13 de novembro).

O tema se insere entre as abordagens do ARIES, cujo objetivo é produzir pesquisa para a compreensão dos mecanismos e evolução da resistência antimicrobiana, estimulando medidas inovadoras para mitigação e promovendo mudanças em políticas de saúde pública por meio de uma abordagem baseada nos conceitos de Saúde Única (One Health). Seu quadro de pesquisadores principais é composto por representantes de três universidades paulistas, além de especialistas nacionais e internacionais de mais de 20 instituições de ensino e pesquisa.

A resistência antimicrobiana (AMR, na sigla em inglês), que também está ligada às mudanças climáticas, é considerada pelas Nações Unidas como uma das principais ameaças à saúde pública global.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as alterações climáticas venham a estar relacionadas a cerca de 250 mil mortes por ano (entre 2030 e 2050) por desnutrição, doenças infecciosas e estresse térmico. Já a AMR pode ser responsável por 10 milhões de mortes anuais no mesmo período, além de um custo adicional aos sistemas de saúde de US$ 1 trilhão, de acordo com o Banco Mundial.

“Nós cientistas temos de traduzir os conhecimentos e achados das pesquisas para a sociedade, contribuindo com subsídios para políticas públicas. Nesse sentido, fazemos um alerta de que precisamos sair do plano do discurso. Contamos com uma massa crítica gerada pela ciência brasileira que é muito importante, inclusive com pesquisadores no IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas], como o professor Paulo Artaxo. Podemos mostrar caminhos e exemplificar concretamente como passar para práticas mais sustentáveis”, avalia a professora Simone Miraglia, do ARIES e líder do Laboratório de Economia, Saúde e Poluição Ambiental (Lespa) da Unifesp. Miraglia e Artaxo também assinam o trabalho.

Ideia a partir da realidade

Debone conta que a proposta do artigo surgiu em maio, período em que começou a participar de uma série de eventos promovidos pela Comissão Unifesp para a COP30.

No mesmo mês, o Senado aprovou o projeto 2.159/2021 – a Lei Geral do Licenciamento Ambiental –, que posteriormente passou na Câmara dos Deputados e foi sancionado, em agosto, pelo Executivo, com 63 vetos.

Vista por alguns setores como uma forma de enfraquecer e esvaziar as regras de licenciamento e por outros como uma maneira de dar agilidade aos processos de liberação de obras, a lei é citada no artigo. Para os pesquisadores, é uma mudança que pode “agravar ainda mais os conflitos fundiários, sustentar a narrativa enganosa do ‘capitalismo verde’ e prejudicar os direitos dos povos tradicionais e indígenas”, apontados como responsáveis por conservar a floresta.

Além disso, os cientistas apontam como medidas antiambientais a construção de uma rodovia em Belém que desmatou hectares de floresta; a reconstrução do trecho central de 408 quilômetros da BR-319 (entre Manaus e Porto Velho) que afeta áreas da Amazônia; e as discussões do marco temporal, com impactos na demarcação de terras indígenas.

O marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito apenas a terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Foi estabelecido pela Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso Nacional, contrariando à época entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

A tese e outros artigos chegaram a ser vetados pelo Executivo, mas os vetos foram rejeitados por deputados e senadores, que mantiveram o texto na íntegra. A lei está novamente sob questionamento no STF, que não tem prazo para decidir se ela é inconstitucional ou não.

Por outro lado, os cientistas citam como avanços do Brasil a redução do desmatamento e a queda da emissão de gases de efeito estufa. Entre agosto de 2024 e julho de 2025, a taxa de desmatamento na Amazônia Legal atingiu o terceiro menor patamar da série histórica (desde 1988), com 5.796 km² – redução de 11%.

Puxado pelo recuo do desmate, o Brasil registrou em 2024 o menor nível de emissão de gases de efeito estufa desde 2009, com uma queda de quase 17% – foram 2,145 bilhões de toneladas de CO equivalente (GtCOe).

Procurado por meio da assessoria de comunicação, o Ministério do Meio Ambiente, envolvido nas discussões da COP, não se pronunciou.

“As mudanças climáticas já vêm sendo debatidas há muito tempo. Agora todo mundo espera ações factíveis, que sejam desempenhadas de fato. Espero que essa COP sirva como um ponto de virada numa perspectiva mundial. Que a gente comece a ver ações que mudem as emissões de gases de efeito estufa e os demais fatores causadores dessas mudanças”, afirma o pós-doutorando no ARIES Ronan Adler Tavella, também autor do artigo e bolsista FAPESP.

Cenário real

Ao tratar da urgência climática, o grupo lembra que as temperaturas globais já subiram até 1,6 °C em relação aos níveis pré-industriais, com áreas continentais registrando elevação de até 2,1 °C, “evidenciando a aceleração dos impactos climáticos e a necessidade crítica de ação imediata”.

“A visão declarada pelo Brasil de uma bioeconomia amazônica próspera, em que a floresta em pé valha mais do que derrubada, só ganhará credibilidade se o país romper de forma decisiva com os modelos destrutivos do passado”, escrevem.

Nesse cenário, Tavella destaca um estudo recente publicado na Anthropocene Science, liderado por ele e Debone, para avaliar os efeitos de curto e longo prazo das chuvas extremas que devastaram vários municípios no Rio Grande do Sul, em maio de 2024.

Os resultados destacam a necessidade de repensar estratégias de gestão de inundações, principalmente em áreas urbanas, com a integração de projeções climáticas ao planejamento, de reforço da infraestrutura para controle de enchentes e da adoção de soluções baseadas na natureza para aumentar a resiliência (leia o estudo em: link.springer.com/article/10.1007/s44177-025-00099-7).

“Além das chuvas em maio, vimos ao longo de todo o ano passado inúmeros outros casos de enchentes e eventos extremos em todo o globo. Essa é uma realidade que tem se intensificado. E isso será uma preocupação constante, de todo o mundo”, completa o pesquisador.

O artigo Brazil’s climate leadership paradox: hosting COP30 amid domestic environmental rollbacks pode ser lido em: link.springer.com/article/10.1007/s10784-025-09700-1.
 

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