Pereira já realizou pesquisas na África do Sul, em Moçambique, Nigéria, Quênia, Colômbia e Brasil. (foto: Felipe Maeda/Agência FAPESP)
Durante a 7ª Conferência FAPESP 2023, Laura Maureen Pereira tratou do tema “Por que precisamos de cenários transformadores para as pessoas e a natureza?”
Durante a 7ª Conferência FAPESP 2023, Laura Maureen Pereira tratou do tema “Por que precisamos de cenários transformadores para as pessoas e a natureza?”
Pereira já realizou pesquisas na África do Sul, em Moçambique, Nigéria, Quênia, Colômbia e Brasil. (foto: Felipe Maeda/Agência FAPESP)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A construção de uma nova forma de pensar a relação entre humanos e natureza, para que possa haver um futuro, e um futuro desejável, foi o tema central da 7ª Conferência FAPESP 2023, ministrada na sexta-feira (27/10) por Laura Maureen Pereira. Pesquisadora do Global Change Institute, da Wits University, na África do Sul, ela já realizou pesquisas também em Moçambique, Nigéria, Quênia, Colômbia e Brasil. E trouxe ao auditório da FAPESP uma visão multidisciplinar e positiva sobre como ultrapassar a crise atual e promover a coexistência e a sustentabilidade de ecossistemas e sociedades.
Pereira iniciou sua conferência, que teve como tema “Por que precisamos de cenários transformadores para as pessoas e a natureza? Operacionalização do Nature Futures Framework”, propondo um exercício mental para a plateia: “Fechem seus olhos e pensem agora em como São Paulo se parecerá em 2100”. E, apontando o contraste entre o futuro desejável que podemos imaginar e o contexto atual, de incêndios, inundações, ondas de calor, furacões, extinção de espécies em massa e comportamentos humanos enlouquecidos, falou sobre a necessidade de cultivar a habilidade de imaginar.
“Antes de pensar em caminhos ou intervenções, precisamos construir capacidades de visualizar para onde queremos ir e com o que esses futuros transformados poderiam se parecer”, disse. E apresentou o trabalho que está sendo realizado pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), organização independente voltada para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade, bem-estar humano de longo prazo e desenvolvimento sustentável. Criada em 2012, fora do âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), a IPBES reúne atualmente representantes dos governos de 145 países.
Em avaliações metodológicas feitas em 2016, a IPBES destacou que, embora os cenários sejam ferramentas úteis para a definição de políticas, poucos cenários apresentam futuros positivos. Em sua maioria, limitam-se a avaliar impactos sobre a natureza e tendem a ser negativos. Diferentes políticas e respostas relativas à natureza são, neles, mal representadas.
Três anos mais tarde, em 2019, a IPBES enfatizou a necessidade de novos cenários capazes de impulsionar ações multiculturais diversificadas para engajar a sociedade em mudanças de estilo de vida e reverter o declínio da biodiversidade, rumo a um ideal de convivência harmoniosa entre humanos e natureza em 2050.
“Foi nesse contexto que um grupo de especialistas da IPBES se encarregou de estabelecer uma nova Estrutura de Cenários Globais [Global Scenarios Framework], centrada na natureza, positiva e que reconheça a existência de diferentes visões de mundo, sistemas de conhecimento e maneiras de valorizar a natureza”, afirmou Pereira.
Foi dessa iniciativa que surgiu a Nature Futures Framework (NFF, Estrutura de Futuros da Natureza), “uma ferramenta flexível para apoiar o desenvolvimento de cenários e modelos de futuros desejáveis para as pessoas, a natureza e a Mãe Terra”, conforme a definição da própria IPBES.
O modelo é o de um triângulo equilátero, representando três perspectivas de valorização da natureza. A perspectiva “natureza pela natureza” enfoca a natureza como tendo um valor intrínseco, baseado na diversidade de espécies, hábitats, ecossistemas e processos, sendo capaz de funcionar de forma autônoma. A perspectiva “natureza como cultura” destaca principalmente a visão de sermos “um com a natureza”, expressando os valores de tradições, culturas e sociedades que se consideram interligadas com a natureza na formação de paisagens bioculturais. A perspectiva “natureza para a sociedade” destaca os benefícios utilitários e instrumentais que a natureza proporciona às pessoas e às sociedades.
As perspectivas não são excludentes. E círculos traçados a partir dos vértices do triângulo se interseccionam, possibilitando uma ampla gama de cenários complexos.
Pereira descreveu a linha do tempo de desenvolvimento do NFF, “que foi refinado em encontros e workshops realizados em diversos países e em diálogos on-line ocorridos durante a pandemia”. E apresentou representações pictóricas altamente elaboradas feitas por artistas ancorados em culturas tradicionais da Ásia, África e América. A visão multicultural, o acolhimento das culturas indígenas e a valorização do conhecimento local são componentes fortes da iniciativa. A passagem do NFF aos cenários propriamente ditos é o passo seguinte a ser dado ao longo dos próximos dois anos.
A pesquisadora explorou várias possibilidades de aplicação do NFF, tanto em escala global quanto local. E abriu em seguida uma sessão de perguntas e respostas.
“Os humanos mudaram a maneira como o mundo funciona. Agora, precisam mudar também a maneira como pensam sobre isso”: com esta frase emblemática, atribuída a um texto publicado em The Economist (2011), Laura Maureen Pereira encerrou sua apresentação.
O evento teve a presença de Marcio de Castro, diretor científico da FAPESP, e foi moderado por Carlos Alfredo Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-integrante da coordenação do Programa BIOTA-FAPESP.
A 7ª Conferência FAPESP 2023, “Por que precisamos de cenários transformadores para as pessoas e a natureza? Operacionalização do Nature Futures Framework”, pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=T8CUrZTpp9U.
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