As células B da zona marginal do baço são os primeiros linfócitos a agir no organismo após a contaminação, produzindo rapidamente anticorpos que evitam que o vírus se espalhe (imagem: Daniel Teixeira et al./eBioMedicine)
Estudo realizado em camundongos traz informações importantes que podem ajudar no tratamento contra a doença; confirmações no Brasil cresceram nos últimos anos
Estudo realizado em camundongos traz informações importantes que podem ajudar no tratamento contra a doença; confirmações no Brasil cresceram nos últimos anos
As células B da zona marginal do baço são os primeiros linfócitos a agir no organismo após a contaminação, produzindo rapidamente anticorpos que evitam que o vírus se espalhe (imagem: Daniel Teixeira et al./eBioMedicine)
Luciana Constantino | Agência FAPESP – Pesquisa realizada em camundongos identificou que a rápida resposta de um tipo específico de célula de defesa é fundamental para controlar a infecção causada pelo vírus oropouche e evitar danos neurológicos graves. Ainda sem tratamento, a “febre do oropouche” provoca também dores de cabeça, musculares e nas articulações, erupções na pele e vômitos. Pode levar, em casos graves, à meningite e encefalite. Em mulheres grávidas pode haver complicações, com risco de aborto.
Os achados contribuem com estudos futuros para o desenvolvimento de terapias e vacinas contra a doença. Considerada uma arbovirose negligenciada, ela é transmitida pelo mosquito-pólvora ou maruim (Culicoides paraensis) quando contaminado com o vírus Orthobunyavirus oropoucheense (OROV). Entre janeiro e o início de junho deste ano, o Brasil registrou uma alta de mais de 60% de casos em comparação ao mesmo período de 2024 – são cerca de 11.500 confirmações (foram 7.200 no ano passado) e quatro mortes. O total de casos em pouco menos de seis meses é próximo do registrado durante todo o ano passado – 13.800 no país, segundo o Ministério da Saúde.
Os cientistas descobriram que as células B da zona marginal do baço são os primeiros linfócitos a agir no organismo após a contaminação, produzindo rapidamente anticorpos que evitam que o vírus se espalhe e atinja o sistema nervoso central e o cérebro. Essa produção precoce de anticorpos depende de uma proteína, a MyD88, que ativa a resposta, ajudando a neutralizar o oropouche.
Os resultados do trabalho estão publicados na revista eBioMedicine, do grupo Lancet (Reino Unido).
“Esse estudo trouxe um resultado muito importante, avançando no conhecimento da atuação desse vírus sob dois aspectos. Primeiro por um viés mecanístico, analisando a via dos linfócitos tipo B de zona marginal, que é pouco explorada para infecções por vírus transmitidos por artrópodes. Isso ajuda a entender mecanismos associados à encefalite e aqueles que protegem o organismo do acesso viral ao sistema nervoso central”, detalha o professor José Luiz Proença Modena, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), um dos orientadores do trabalho. “O segundo ponto é ligado à possibilidade de terapia e vacina, mostrando que os anticorpos agem de forma rápida. Sinaliza, assim, que talvez a janela terapêutica não seja tão longa, precisando atuar rapidamente no período inicial da infecção.”
Modena é coordenador do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve) da Unicamp, apoiado pela FAPESP, que também financiou a pesquisa por meio de outros três projetos (16/00194-8, 17/11931-6 e 14/50938-8).
Primeiro autor do artigo, o pesquisador Daniel Teixeira destaca que a ameaça de surtos e epidemia torna mais urgente conhecer os mecanismos de infecção do oropouche. “Conseguimos jogar luz em um vírus ainda pouco conhecido pela população. Ao estudá-lo é possível prever processos que podem ser desencadeados no organismo e, com isso, a ciência estar preparada para enfrentar epidemias.”
No início do ano, outro estudo publicado na revista Infectious Diseases, também com a participação de cientistas do Leve, já havia mostrado que, apesar de documentada na América do Sul desde a década de 1950, a febre do oropouche teve uma explosão de casos entre novembro de 2023 e junho de 2024 em quatro países – Brasil, Bolívia, Colômbia e Peru.
Em território nacional, foram registradas infecções autóctones em áreas anteriormente não endêmicas nas cinco regiões, com casos em 21 Estados. A alta da incidência foi de quase 200 vezes em relação aos últimos dez anos. “Os sintomas da doença são parecidos com dengue e zika, podendo ser confundidos. Por isso, os testes para oropouche são necessários também para o acompanhamento epidemiológico”, completa Modena.
Após o aumento de casos, o Ministério da Saúde atualizou as normas de vigilância e controle do vírus oropouche no país, que passou a ter notificação compulsória – ou seja, todo caso suspeito ou confirmado tem de ser notificado em até 24 horas.
Parceria
O trabalho foi realizado por um grupo de 30 pesquisadores de diversas instituições – além da Unicamp, contou com cientistas da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Roraima, Fiocruz Amazônia, Cardiff University (Reino Unido), University of Kentucky e Washington University in St. Louis, ambas nos Estados Unidos.
“Contamos com esforços de pesquisadores estrangeiros, mas a maior parte do trabalho – a ‘mão na massa’ mesmo – foi toda feita no Brasil por alunos de pós-graduação. Isso mostra a importância de investir em ciência e na formação de novos cientistas”, ressalta Teixeira.
O grupo realizou experimentos de imunofenotipagem, transferências passivas de soro e transferências adotivas de células para determinar como as respostas precoces de anticorpos e as células B controlam a replicação viral e a disseminação para o sistema nervoso central após a infecção pelo vírus. Os camundongos produziram anticorpos específicos contra o OROV dentro de seis dias após a infecção.
O artigo MyD88 signalling in B cells and 1 antibody and antibody responses during Oropouche virus-induced neurological disease in mice pode ser lido em www.thelancet.com/journals/EBIOM/article/PIIS2352-3964(25)00259-2/fulltext.
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