Estudos mostraram que a PACT melhorou significativamente a comunicação social das crianças e o bem-estar das famílias, com os efeitos persistindo após seis anos (foto: Freepik)

Saúde
Pesquisa da USP avalia terapia mediada pelos pais para crianças no espectro autista
02 de agosto de 2024

Já adotada no sistema nacional de saúde britânico, abordagem denominada PACT enfoca na comunicação e interação, a partir dos interesses da criança

Saúde
Pesquisa da USP avalia terapia mediada pelos pais para crianças no espectro autista

Já adotada no sistema nacional de saúde britânico, abordagem denominada PACT enfoca na comunicação e interação, a partir dos interesses da criança

02 de agosto de 2024

Estudos mostraram que a PACT melhorou significativamente a comunicação social das crianças e o bem-estar das famílias, com os efeitos persistindo após seis anos (foto: Freepik)

 

Gabriel Alves | Agência FAPESP – Um dos aspectos mais importantes no cuidado e tratamento de crianças dentro do transtorno do espectro autista (TEA) é garantir que desenvolvam sua autonomia e capacidade de comunicação. No cenário nacional, muitas vezes o acesso a terapias que auxiliam nesse processo é limitado por conta das disparidades regionais ou ainda da carência de profissionais capacitados.

Para contribuir com a melhora desse cenário, a psicóloga e pesquisadora Elizabeth Shephard e colaboradores estudam e promovem uma nova abordagem, a PACT (paediatric autism communication therapy), ou terapia de comunicação pediátrica para autismo. Trata-se de um processo mediado pelos pais, com apoio de um especialista, com enfoque na comunicação e interação, a partir dos interesses da criança.

Shephard desenvolve seu projeto no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP com apoio da FAPESP.

A terapia adotada nos diversos serviços de saúde é a ABA (applied behavior analysis), ou análise comportamental aplicada, que é uma abordagem mais estruturada, liderada por um terapeuta, com foco na mudança de comportamentos específicos a partir de incentivos. Shephard explica que uma das limitações da ABA é a escassez de evidência científica que embase sua utilização, especialmente em longo prazo e em serviços públicos de saúde.

A proposição da PACT foi feita em 2004 por Jonathan Green, professor de psiquiatria infantil e adolescente na Universidade de Manchester, a fim de implementar no Reino Unido uma intervenção com maior solidez científica. Estudos mostraram que a PACT melhorou significativamente a comunicação social das crianças e o bem-estar das famílias, com os efeitos persistindo após seis anos.

Mas como funciona a terapia na prática? O processo se inicia com uma análise de um vídeo da criança brincando livremente com o responsável. O terapeuta habilitado na PACT usa o vídeo para mostrar aos pais os aspectos positivos daquela interação, reforçando os comportamentos benéficos para o desenvolvimento da comunicação. Um comportamento que costuma ser encorajado, por exemplo, é o de fazer comentários em vez de perguntas.

“O uso de muitas perguntas coloca demandas no processamento de linguagem da criança autista. Isso é muito estressante para a criança, até mesmo uma sobrecarga para ela. Então ajudamos os adultos a fazer menos perguntas e mais comentários. O importante é usar linguagem simples relacionada ao foco de interesse da criança e reforçar aquilo que ela quer comunicar”, afirma Shephard.

No Reino Unido, terapias de comunicação social, como a PACT, foram integradas ao rigoroso NHS, o sistema nacional de saúde do país, como primeira linha de tratamento para pessoas com TEA. Agora o desafio é averiguar se essa vantagem se apresentaria também no contexto brasileiro.

O custo-efetividade deve ser objeto de pesquisas a partir de 2025. A respeito de aceitação e eficácia, já há estudos em andamento e até alguns resultados. Em edição recente da revista Autism, Shephard e sua aluna de doutorado, Priscilla Godoy, descreveram que os pais brasileiros relataram uma maior compreensão das necessidades de seus filhos e uma melhoria na comunicação social das crianças após a realização da PACT. A terapia, mediada por eles, permitia que as interações ocorressem em um ambiente familiar, promovendo uma abordagem mais natural e menos estruturada que as terapias tradicionais, como a ABA.

Um aprendizado advindo do estudo qualitativo é que possivelmente um acompanhamento mais de perto dos pais no início da terapia, com uma explicação mais aprofundada da abordagem, pode produzir resultados ainda mais interessantes.

Enquanto isso, o projeto Floreah (jogo de palavras com “Florescer”, “TEA” e “TDAH”), que recrutou bebês a partir de 6 meses de idade, busca entender o possível benefício de uma intervenção precoce relacionada à PACT, a terapia iBASIS, em bebês que apresentam propensão para desenvolver autismo e/ou TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade). O recrutamento já foi encerrado, e os resultados devem começar a ser publicados a partir de 2025.

Para que os estudos e a aplicação da PACT possam, no médio prazo, ter abrangência nacional, foi necessário ainda criar um ambiente de formação para os terapeutas, explica Shephard.

“Priscilla e eu abrimos o centro de treinamento [PACT Brasil], para que pessoas possam treinar em português, no Brasil, e com um custo mais acessível, menos da metade do que gastariam no centro do Reino Unido. Traduzimos e adaptamos todo o manual para o português brasileiro, garantindo que o sentido fosse preservado, ainda considerando diferenças culturais e sociodemográficas”, diz a pesquisadora. “Até agora, 16 profissionais foram formados, mas nosso objetivo é aumentar significativamente esse número nos próximos anos”, conclui.

O artigo Acceptability and feasibility of a parent-mediated social-communication therapy for young autistic children in Brazil: A qualitative implementation study of Paediatric Autism Communication Therapy pode ser acessado em: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/13623613221144501.

Já as informações sobre o curso de formação na abordagem estão na página pactbrasil.com.br.

Imagem de Racool_studio no Freepik

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