Pesquisadores do Instituto Butantan conseguiram reduzir a toxicidade e potencializar o efeito analgésico da crotoxina ao encapsular a molécula com um material à base de sílica; resultados de testes em modelo de dor neuropática – uma das mais difíceis de tratar – são promissores (foto: Crotalus durissus terrificus)
Pesquisadores do Instituto Butantan conseguiram reduzir a toxicidade e potencializar o efeito analgésico da crotoxina ao encapsular a molécula com um material à base de sílica; resultados de testes em modelo de dor neuropática – uma das mais difíceis de tratar – são promissores
Pesquisadores do Instituto Butantan conseguiram reduzir a toxicidade e potencializar o efeito analgésico da crotoxina ao encapsular a molécula com um material à base de sílica; resultados de testes em modelo de dor neuropática – uma das mais difíceis de tratar – são promissores
Pesquisadores do Instituto Butantan conseguiram reduzir a toxicidade e potencializar o efeito analgésico da crotoxina ao encapsular a molécula com um material à base de sílica; resultados de testes em modelo de dor neuropática – uma das mais difíceis de tratar – são promissores (foto: Crotalus durissus terrificus)
Chloé Pinheiro | Agência FAPESP – Extraída do veneno da cascavel (Crotalus durissus terrificus), a crotoxina tem sido estudada há quase um século por seu potencial analgésico, anti-inflamatório, antitumoral e até como paralisante muscular mais potente que a toxina botulínica. No entanto, a toxicidade da molécula ainda é um fator que limita o seu uso como medicamento.
Um novo estudo, publicado por pesquisadores brasileiros na revista Toxins, mostra ser possível potencializar os efeitos terapêuticos e reduzir a toxicidade encapsulando a crotoxina com um material conhecido como sílica nanoestruturada SBA-15, originalmente desenvolvido para uso em formulações de vacina.
O trabalho foi conduzido com apoio da FAPESP no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Toxinas, coordenado por Osvaldo Augusto Sant’Anna. Integra a tese de doutorado de Morena Brazil Sant’Anna, orientada pela professora Gisele Picolo, que também coordenou um projeto sobre o tema. Participaram da pesquisa, conduzida no Instituto Butantan, Flavia Souza Ribeiro Lopes e Louise Faggionato Kimura.
Osvaldo Sant’Anna coordena no Butantan um Projeto Temático em que se estuda a sílica mesoporosa como adjuvante vacinal (substância capaz de potencializar o efeito de vacinas), em colaboração com a professora Márcia Fantini, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).
“Pessoas que respondem mal às vacinas costumam ter macrófagos que catabolizam muito rapidamente o antígeno, sem dar tempo para que os linfócitos induzam a resposta completa de produção de anticorpos”, afirma Osvaldo Sant’Anna à Agência FAPESP. “E trabalhos mostram que a sílica nanoestruturada consegue deixar esses macrófagos um pouco mais lentos.”
Em seus estudos, o pesquisador observou que camundongos produzem mais anticorpos contra o antígeno quando ele é administrado com a sílica. O mineral é formado por microestruturas e pode ser moldado para encapsular moléculas de diferentes tamanhos e formas.
Quando a sílica foi testada com outras toxinas, descobriu-se um novo efeito protetor. “Fizemos ensaios em cavalos com a produção do soro diftérico e com a toxina do tétano, e notamos que a sílica faz com que os antígenos sejam menos potentes e, além disso, diminui o efeito adverso da toxina diftérica”, explica Osvaldo Sant’Anna.
Para Gisele Picolo e Morena, vizinhas de Osvaldo Sant’Anna no Instituto Butantan, esses resultados serviram como luva. “Estudo a crotoxina desde 2011, com resultados analgésicos animadores, mas sua toxicidade era um fator limitante. Veio então a ideia de usar a sílica. É a primeira vez que se conjugam as duas moléculas”, conta Picolo.
Dor neuropática
O objetivo do estudo divulgado na Toxins foi investigar os efeitos da crotoxina conjugada com a sílica SBA-15 no tratamento da dor neuropática. Trata-se de um tipo de dor crônica causada por lesões em nervos sensitivos. Seu tratamento é um desafio para os médicos, pois os analgésicos comuns, entre eles anti-inflamatórios e opioides, não têm a eficácia desejada.
Para avaliar o potencial terapêutico da crotoxina nesse cenário, os pesquisadores conduziram experimentos com camundongos. Uma condição semelhante à dor neuropática foi induzida por meio de lesão no nervo ciático do animal.
O primeiro bom resultado veio ao testar a dosagem máxima da crotoxina com e sem a sílica. “Vimos que foi possível administrar uma quantidade maior da toxina conjugada sem os efeitos adversos, então pudemos aumentar a dosagem”, conta Morena. Com o mineral, foi possível administrar uma dose 35% maior da molécula.
Em seguida, testou-se a formulação nos animais. Eles receberam doses do complexo crotoxina/sílica (CTX:SBA-15) na fase aguda da dor (imediatamente após a cirurgia que lesionou os nervos) e crônica (14 dias depois da intervenção) em diferentes esquemas: uma dose única ou cinco dias consecutivos de medicação.
Tanto na fase aguda quanto na fase crônica, o efeito analgésico se mostrou mais prolongado quando a crotoxina estava conjugada com a sílica. Em um dos testes, uma única administração foi capaz de reverter parcialmente a hipernocicepção – sensibilidade aumentada a estímulos – até 48 horas depois do tratamento.
Mecanismos de ação
A crotoxina é um analgésico poderoso porque atua em diferentes vias envolvidas na dor. Para verificar se os mecanismos de ação se manteriam na nova formulação, os pesquisadores administraram, um pouco antes do fármaco conjugado, substâncias antagonistas de receptores envolvidos na dor já conhecidos para o efeito da crotoxina.
Se a crotoxina complexada à sílica agisse mesmo com esses receptores bloqueados, seria um sinal de que sua via de ação poderia ser diferente da molécula convencional.
“O que observamos é que os mesmos receptores, como os muscarínicos e adrenérgicos, que atuam no sistema nervoso, e os peptídeos formil, que são alvos de compostos anti-inflamatórios naturais, estavam envolvidos na ação da crotoxina conjugada. Ou seja, o mecanismo de ação não se alterou”, diz Morena.
A equipe observou mudanças nas citocinas pró e anti-inflamatórias em circulação. “A interleucina 6, ligada à inflamação, diminuiu, enquanto os níveis da IL-10, que controla o processo inflamatório, subiram; e notamos ainda uma diminuição da ativação de astrócitos e micróglias, células do sistema nervoso central envolvidas na resposta inflamatória”, conta Picolo.
Como a sílica influencia a resposta imune, havia a dúvida se a defesa contra a toxicidade desencadeada por ela não acabaria prejudicando a ação benéfica da crotoxina. Essa variável também foi testada (e descartada) no estudo. Os camundongos de fato produziram uma alta dosagem de anticorpos, mas isso não atrapalhou o resultado final.
“Provavelmente porque a crotoxina está encapsulada e os anticorpos produzidos não conseguem atingir a molécula”, diz Picolo.
Essa proteção confere outra vantagem ao composto conjugado: ele pôde ser administrado por via oral nos camundongos pela primeira vez, com resultados positivos. Isso foi possível porque a SBA-15 tem uma estrutura semelhante à de favos de mel, que protegem o princípio ativo do processo de degradação que sofreria no estômago.
“Além disso, possibilita promover uma liberação controlada da crotoxina no organismo, o que pode explicar o efeito analgésico prolongado”, diz Picolo.
Próximos passos
O grupo investiga agora se a dupla crotoxina e SBA-15 pode ser usada no tratamento da esclerose múltipla. Os resultados dessa linha de pesquisa, também animadores, serão publicados em breve.
Para que a combinação vire um medicamento, contudo, é preciso avançar nos estudos. “A crotoxina é uma molécula grande, com estrutura complexa, difícil de ser replicada em laboratório, o que inviabiliza seu uso em larga escala”, diz Picolo.
O ideal seria encontrar fragmentos da molécula responsáveis pela ação terapêutica. Hoje os testes são feitos com veneno purificado, extraído diretamente das cascavéis.
O artigo Crotoxin Conjugated to SBA-15 Nanostructured Mesoporous Silica Induces Long-Last Analgesic Effect in the Neuropathic Pain Model in Mice pode ser lido em www.mdpi.com/2072-6651/11/12/679.
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