Taran Grant é curador associado de anfíbios do Museu de Zoologia da USP (foto: Daniela Gennari/MZUSP)

Museômica
Museômica renova a importância das coleções científicas de museus
13 de junho de 2025

Em simpósio em Paris, professor de Zoologia da USP explica como novas tecnologias permitem usar o DNA degradado de espécimes conservados há décadas, contribuindo para o avanço do conhecimento científico e para a conservação da biodiversidade

Museômica
Museômica renova a importância das coleções científicas de museus

Em simpósio em Paris, professor de Zoologia da USP explica como novas tecnologias permitem usar o DNA degradado de espécimes conservados há décadas, contribuindo para o avanço do conhecimento científico e para a conservação da biodiversidade

13 de junho de 2025

Taran Grant é curador associado de anfíbios do Museu de Zoologia da USP (foto: Daniela Gennari/MZUSP)

 

Heitor Shimizu, de Paris | Agência FAPESP – Em 1831, Charles Darwin embarcou em uma viagem de cinco anos com destino à América do Sul a bordo do HMS Beagle, que realizaria trabalhos de levantamento hidrográfico. Durante a expedição, Darwin explorou regiões remotas do continente, coletando plantas, animais e fósseis, além de registrar observações detalhadas. Esses materiais foram fundamentais para o desenvolvimento de suas ideias sobre a evolução por seleção natural, pilar do desenvolvimento científico moderno. Hoje, o acervo reunido por Darwin em sua mais famosa viagem está sob os cuidados do Museu de História Natural de Londres, organizado e preservado há dois séculos.

Museus de história natural desempenharam um papel fundamental na preservação da memória científica. Entretanto, nas últimas décadas, muitas coleções científicas desses museus permaneceram subutilizadas. Com o surgimento das técnicas de sequenciamento, que exigiam tecidos recentes e DNA intacto, os acervos históricos perderam relevância. Mas esse cenário está mudando – a grande responsável por essa mudança é a museômica.

“Museômica pode ser definida como a aplicação de técnicas de biologia molecular, genômica e bioinformática ao estudo de espécimes preservados em coleções museológicas, envolvendo a extração, o sequenciamento e a análise de DNA degradado de amostras históricas [hDNA] de museus, permitindo investigações sobre evolução, biodiversidade, genética populacional, filogenia, taxonomia e conservação”, disse Taran Grant, professor titular do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências e curador associado de anfíbios do Museu de Zoologia, ambos da Universidade de São Paulo (USP).

Grant é um dos palestrantes do Seminário de Museologia França-Brasil, que começou ontem (12/06) no Museu do Homem, em Paris. Organizado pelo Museu Nacional de História Natural (MNHN), da França, em parceria com a FAPESP e a Universidade de São Paulo (USP), o seminário integra a programação da FAPESP Week França.


Grant: "Com a museômica, podemos acessar informações genéticas de materiais coletados há mais de cem anos" (foto: Heitor Shimizu/Agência FAPESP)

Grant falou sobre como a museômica está revolucionando a forma como as coleções científicas são utilizadas e valorizadas. Ao permitir a extração e análise de DNA de espécimes históricos, abre possibilidades de pesquisa em áreas como evolução, extinção, adaptação, mudanças ambientais e conservação da biodiversidade. “Com a museômica, podemos acessar informações genéticas de materiais coletados há mais de cem anos”, afirmou Grant.

O cientista conta que começou a extrair e sequenciar DNA de amostras antigas de museus nos anos 1990, mas o trabalho enfrentava grandes limitações tecnológicas. Na época, utilizava-se o sequenciamento Sanger, que exigia fragmentos longos e bem preservados de DNA, algo raro em espécimes de museu, cujo material genético costuma estar altamente fragmentado e degradado.

“A degradação do DNA está ligada à idade da amostra e às condições do museu. No álcool utilizado para a conservação dos exemplares, o problema é a parcela de água. O pior inimigo do DNA é a água, que corrompe o material genético. Em museus localizados em regiões mais quentes, com temperaturas elevadas e sem climatização, a evaporação é maior, sendo necessário trocar o álcool com mais frequência”, explicou Grant à Agência FAPESP.

O avanço da tecnologia, especialmente com a plataforma Illumina e outras do chamado Sequenciamento de Próxima Geração, tornou possível trabalhar com DNA fragmentado ou degradado, favorecendo o uso de material de museu. No entanto, um novo desafio surgiu: a quantidade de DNA endógeno – ou seja, o DNA autêntico do organismo – nas amostras de tecido é extremamente pequena, tornando-as altamente suscetíveis à contaminação por DNA do ambiente ou pela manipulação. Por isso, a extração e análise desse material exigem ambientes controlados, como laboratórios de sala limpa, que contam com condições estéreis para evitar a contaminação e a perda das informações genéticas originais.

Com apoio da FAPESP, Grant e colegas montaram uma sala limpa no Departamento de Zoologia da USP. “Até onde sei, é a única instalação do tipo na América Latina dedicada a estudos de taxonomia. Sem o apoio da FAPESP, esse avanço em nossas pesquisas não seria possível. Esses equipamentos permitem desenvolver a museômica, trazendo os museus de história natural de volta ao epicentro dos estudos sobre biodiversidade”, disse.

Acervos de DNA

“Durante dois séculos, o museu foi o lugar onde a pesquisa sobre biodiversidade era feita. Agora, a museômica permite estudar todo o acervo acumulado, que, até então, não tinha mais valor genético. A estimativa é que existam pelo menos 3 bilhões de exemplares preservados em museus no mundo – e agora podemos acessar o DNA de boa parte deles”, disse Grant.

Os resultados já começaram a aparecer. Um exemplo é a atual edição do Boletim do Museu Americano de História Natural, que traz um artigo de 78 páginas assinado por Grant, Mariana Lyra, Miguel Trefaut Rodrigues, Vanessa Kruth Verdade e pesquisadores da Alemanha e do Reino Unido.

No artigo, os autores descrevem como usaram a museômica para resolver uma dúvida de décadas sobre a classificação de anfíbios da Mata Atlântica. Por meio do sequenciamento de porções de genomas extraídas de quantidades minúsculas de DNA antigo, preservado em espécimes de museu, os cientistas foram capazes de reclassificar as rãs-foguete em 12 espécies – três das quais estão extintas – e propor um novo gênero. Até então, acreditava-se que se tratava de uma única espécie.

“Sabíamos, por dados acústicos e moleculares, que havia mais espécies, mas não conseguíamos compará-las com os exemplares descritos no passado, porque não havia como extrair DNA deles. Agora isso é possível”, disse Grant.

A taxonomia, antes paralisada pela falta de dados genéticos confiáveis dos espécimes preservados, volta a avançar – e, com ela, a capacidade de formular políticas de conservação efetivas.

“Sem saber quantas e quais espécies existem, não há como proteger o que está em risco. O material histórico é extremamente importante para resolver a taxonomia – e, sem taxonomia, não há conservação. Porque o paradigma para conservação é a espécie, não as populações ou indivíduos. Se não sabemos quantas e quais são as espécies existentes, não conseguimos formular políticas e estratégias de conservação”, pontuou o professor da USP.

“Com o avanço das tecnologias, conseguimos uma imagem muito mais precisa da diversidade ao longo do tempo, o que fundamenta não apenas ações de conservação, mas as políticas relacionadas à biodiversidade.”

Grant conta que o trabalho publicado no Boletim do Museu Americano de História Natural começou em 2018 e envolveu colaboração com coleções do Brasil e do exterior, especialmente com a Universidade de Potsdam, na Alemanha.

“O primeiro passo foi adquirir experiência com laboratórios pioneiros. Minha principal colaboradora em hDNA é a Mariana Lyra, que ajudou a montar nosso laboratório de sala limpa. Hoje ela trabalha na New York University em Abu Dhabi, mas mantém forte vínculo com o Brasil. A atuação dela em Potsdam foi fundamental para garantir a qualidade e a credibilidade do nosso trabalho”, disse.

Além do avanço científico, afirmou Grant, a museômica representa uma revalorização simbólica e prática dos museus de história natural. “Durante muito tempo, os museus foram vistos como espaços de exposição ou depósitos. Mas o verdadeiro valor dos museus está em seus acervos – invisíveis ao público, mas agora com um novo protagonismo científico.”

A museômica não apenas reacende o papel dos museus de história natural, como impõe novos desafios de preservação, infraestrutura e financiamento. “É preciso pensar nos exemplares como fontes de DNA, não apenas como espécimes para estudo morfológico. A conservação do material genético deve ser uma prioridade desde o primeiro momento”, disse.

“Isso exige infraestrutura adequada, como climatização para evitar a degradação do material genético. Precisamos também começar a extrair e preservar amostras de tecido dos exemplares já presentes nos acervos. Um exemplar com dez anos hoje terá 110 daqui a um século. Se preservamos adequadamente as amostras, podemos interromper o processo de degradação do DNA. E a museômica está apenas começando”, disse Grant.

A participação da FAPESP na VivaTech integra a programação da FAPESP Week França. Mais informações: fapesp.br/week/2025/france.
 

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