Colônias de Mussismillia hispida, coral cérebro brasileiro, antes (esquerda) e depois (direita) do branqueamento (foto: Marina Tonetti Botana/USP)

Mudanças drásticas de temperatura afetam algas simbiontes de recifes de corais
14 de junho de 2022

Cientistas da USP investigam como o estresse térmico e oxidativo compromete os lipídeos, principais componentes das membranas celulares. Resultados sugerem que lipídeos oxidados podem ser marcadores do fenômeno conhecido como branqueamento de corais

Mudanças drásticas de temperatura afetam algas simbiontes de recifes de corais

Cientistas da USP investigam como o estresse térmico e oxidativo compromete os lipídeos, principais componentes das membranas celulares. Resultados sugerem que lipídeos oxidados podem ser marcadores do fenômeno conhecido como branqueamento de corais

14 de junho de 2022

Colônias de Mussismillia hispida, coral cérebro brasileiro, antes (esquerda) e depois (direita) do branqueamento (foto: Marina Tonetti Botana/USP)

 

Agência FAPESP* – Algas simbiontes conhecidas como zooxantelas vivem nos tecidos dos corais e são essenciais para a sobrevivência dos recifes, que vêm declinando em decorrência do aquecimento dos oceanos – fenômeno conhecido como branqueamento de corais. Os recifes de corais sustentam mais de 25% da biodiversidade global dos oceanos. Estudos mostram que o estresse oxidativo (aumento no nível de espécies reativas de oxigênio capazes de danificar as estruturas celulares) tem um papel importante no comprometimento das membranas tilacoides (que ficam dentro dos cloroplastos, a organela responsável pela fotossíntese) de algas simbiontes e na consequente quebra da simbiose, que leva ao branqueamento dos corais.

Os lipídeos, principais componentes das membranas celulares, são suscetíveis ao estresse térmico e oxidativo. Para entender os mecanismos pelos quais o aumento da temperatura afeta as membranas dos cloroplastos – usinas de energia em plantas assim como as mitocôndrias em animais –, cientistas da Universidade de São Paulo (USP) realizaram análises de lipidômica (do conjunto de lipídeos) e de oxi-lipidômica (dos lipídeos oxidados).

O grupo descobriu que algas simbiontes de corais submetidas a choque térmico remodelam a composição de seu lipidoma como estratégia contra o estresse oxidativo causado pelo aumento da temperatura. Também identificaram diversos lipídeos oxidados como possíveis biomarcadores de estresse térmico.

“Essas algas simbiontes são dinoflagelados [seres unicelulares caracterizados principalmente pela presença de dois flagelos] e têm parentes muito abundantes no fitoplâncton global. Então esse processo de oxidação que a gente viu pode acontecer em outras espécies de fitoplâncton. Entender como o estado redox das células e das membranas pode ser alterado com o aumento da temperatura global abre portas para tentar compreender as consequências ecológicas disso e buscar soluções mais efetivas”, explica Marina Tonetti Botana, primeira autora de artigo publicado na revista científica Limnology and Oceanography.

O estudo foi conduzido durante o mestrado de Botana, sob a orientação do professor Paulo Yukio Gomes Sumida, do Instituto Oceanográfico (IO-USP), e a coorientação do pós-doutorando Marcos Yukio Yoshinaga, do Laboratório de Lipídeos Modificados e Bioquímica Redox do Instituto de Química (IQ-USP). A pesquisa de Yoshinaga conta com a supervisão da professora Sayuri Miyamoto, do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), que é financiado pela FAPESP por meio do programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs).

As algas zooxantelas vivem no interior dos tecidos dos corais construtores dos recifes, em uma associação simbiótica: elas fazem fotossíntese e liberam para os corais compostos orgânicos nutritivos; eles, por sua vez, fornecem às algas abrigo e alimentos inorgânicos. Também são as algas que dão cor aos corais.

O branqueamento de corais ocorre quando há quebra dessa simbiose, com a expulsão das microalgas ou a destruição de seus pigmentos, o que torna o tecido dos corais translúcido, sendo possível observar seu esqueleto de carbonato de cálcio. Uma das consequências do branqueamento dos corais é a morte desses animais. Os corais que não morrem podem levar de 15 a 100 anos para se recuperar.

Choque térmico

Com o objetivo de investigar alterações agudas nas membranas das microalgas, os pesquisadores usaram culturas in vitro de três espécies de simbiontes, que foram submetidas a um aumento repentino de temperatura de 12 °C, por quatro horas. As microalgas Breviolum minutum foram mais sensíveis ao calor e não sobreviveram ao choque térmico, enquanto as Cladocopium goreaui e Symbiodinium microadriaticum foram relativamente mais tolerantes ao aquecimento.

“Fizemos um experimento de estresse térmico extremamente agudo. Um ecossistema de recife de coral costuma ter grandes aumentos de temperatura, de até 4 °C ou 6 °C, mas isso não ocorre no período de quatro horas”, explica Botana.

A análise lipidômica das amostras mostrou que a simbionte sensível ao calor apresentou uma diminuição de glicolipídeos ligados a ácidos graxos poli-insaturados, seguida de enriquecimento em lipídios oxidados e esfingolipídeos. Apesar de apresentarem adaptações distintas, as duas simbiontes tolerantes ao calor foram caracterizadas pela preservação de lipídios de membrana após choque térmico, principalmente glicolipídeos. Ou seja, as variações nas concentrações de glicolipídeos determinam a sensibilidade ou a tolerância das algas simbiontes ao estresse térmico.

Os lipídios oxidados, que aparecem aumentados nas algas sensíveis ao calor, podem ser biomarcadores associados a estratégias de aclimatação fisiológica em resposta ao estresse térmico. Embora ainda sejam necessários mais estudos, esses lipídeos podem funcionar como marcadores da saúde dos corais e ser usados para monitoramento em larga escala.

A composição lipídica das membranas transdutoras de energia, como membranas plasmáticas de bactérias, membranas tilacoides de cloroplastos e membranas internas mitocondriais, é fundamental para a sobrevivência dos organismos.

“A membrana tilacoide do cloroplasto é formada majoritariamente por glicolipídeos, que são altamente insaturados e muito suscetíveis à ação de radicais livres. A mudança de temperatura acarreta uma mudança geral no perfil de permeabilidade da membrana, onde ocorre o transporte de elétrons, principalmente elétrons de alta energia gerados na quebra das moléculas de água pela luz. Desestabilizando esse sistema, também se desestabiliza o transporte de elétrons e provoca a geração de radicais livres”, explica Yoshinaga.

Para o pesquisador, é interessante observar que “o desequilíbrio redox causado pelo aquecimento dos oceanos acarreta estresse oxidativo, oxidação lipídica e aumento de radicais livres. E isso tudo entrelaça os processos redox com as mudanças climáticas globais”. Como explica o cientista, trata-se do mesmo processo que ocorre em algumas doenças neurodegenerativas, nas quais a geração de radicais afeta as membranas das mitocôndrias.

O artigo Thermal plasticity of coral reef symbionts is linked to major alterations in their lipidome composition pode ser lido em: https://aslopubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/lno.12094.

* Com informações da Assessoria de Imprensa do Redoxoma.
 

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