Grupo que reúne pesquisadores da Unicamp, Embrapa e Universidade Tecnológica Federal do Paraná obteve mais de 90% de acurácia na discriminação entre amostras de diferentes produtores e estados brasileiros; estudo estimula a certificação de cafés com apelo de origem (foto: Michel Rocha Baqueta/Unicamp)
Grupo que reúne pesquisadores da Unicamp, Embrapa e Universidade Tecnológica Federal do Paraná obteve mais de 90% de acurácia na discriminação entre amostras de diferentes produtores e estados brasileiros; estudo estimula a certificação de cafés com apelo de origem
Grupo que reúne pesquisadores da Unicamp, Embrapa e Universidade Tecnológica Federal do Paraná obteve mais de 90% de acurácia na discriminação entre amostras de diferentes produtores e estados brasileiros; estudo estimula a certificação de cafés com apelo de origem
Grupo que reúne pesquisadores da Unicamp, Embrapa e Universidade Tecnológica Federal do Paraná obteve mais de 90% de acurácia na discriminação entre amostras de diferentes produtores e estados brasileiros; estudo estimula a certificação de cafés com apelo de origem (foto: Michel Rocha Baqueta/Unicamp)
Karina Ninni | Agência FAPESP – O café comum consumido no Brasil é, geralmente, uma mistura de grãos da espécie arábica (Coffea arabica) com o chamado robusta – uma designação generalizada para variedades da espécie canéfora (Coffea canephora). Mas, apesar de tradicionalmente usado em misturas e historicamente descrito como um café de baixa qualidade em comparação ao arábica, o canéfora está em ascensão no cenário dos cafés especiais, resultado de uma nova percepção da indústria acerca da espécie.
“Os cafés canéforas brasileiros estão se destacando e atingindo uma qualidade sensorial comparável à do arábica. Produtores, consumidores e processadores estão interessados nesse mercado. Cafés canéforas especiais brasileiros produzidos em duas regiões diferentes já receberam registro de indicação geográfica”, revela o doutorando em ciência de alimentos Michel Rocha Baqueta, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA-Unicamp).
Sob a orientação da professora da Unicamp Juliana Azevedo Lima Pallone e com a colaboração dos pesquisadores Patrícia Valderrama, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, e Enrique Anastácio Alves, da Embrapa em Rondônia, Baqueta desenvolveu um método para avaliar instantaneamente a origem de cafés brasileiros da espécie canéfora dos principais estados produtores, tornando possível distinguir suas variedades botânicas (conilon e robusta) e os cultivares de café canéfora da Amazônia.
O método desenvolvido pelo grupo emprega a espectroscopia na região do infravermelho e ferramentas de quimiometria (a aplicação de métodos estatísticos ou matemáticos para interpretar dados de origem química, com emprego de algoritmos de aprendizagem de máquina, baseados em inteligência artificial) para fazer a discriminação entre os canéforas cultivados no Brasil. O trabalho gerou diversos artigos, dois já publicados nos periódicos Journal of Food Composition and Analysis e Analyst.
A pesquisa contou com apoio da FAPESP por meio de dois projetos (19/21062-0 e 22/03268-3).
Acurácia e vantagens
Segundo os cientistas, os métodos químicos tradicionais existentes, que poderiam ser aplicados para o mesmo tipo de avaliação, são mais trabalhosos e complexos, pois envolvem análises químicas que demoram de três a quatro dias para gerar resultados com base em compostos químicos presentes no produto.
“Produtos considerados especiais e com indicação geográfica apresentam maior valor comercial. Isso porque a indicação geográfica aponta não só a procedência, mas as características esperadas. De maneira geral, os cafés especiais são classificados com base em suas características sensoriais. Porém, legitimar a atribuição de indicação geográfica ou procedência do produto por aplicação de testes sensoriais não é fácil, uma vez que esses testes fornecem uma impressão global do produto, determinando seus aromas e sabores, mas não sua origem. Um teste sensorial poderá indicar que aquele café tem as características sensoriais muito particulares do café de determinado lugar. Mas dificilmente poderá atestar sua origem com alto nível de acurácia”, explica Baqueta.
De acordo com o doutorando, há um gargalo na certificação desse tipo de produto no país e o método desenvolvido pelo grupo ajuda a transpor as dificuldades associadas à legitimação de cafés especiais, com destaque para os que apresentam indicação geográfica, oferecendo vantagens: pode ser feito em segundos, com o café torrado, já moído, sem preparo de amostra e geração de resíduos.
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de canéfora, com destaque para os estados do Espírito Santo (região Sudeste) e Rondônia (região Norte), seguidos pela Bahia (região Nordeste). Nos principais locais de produção são cultivadas duas variedades: o robusta e o conilon. Em Rondônia, os cafés são produzidos por povos indígenas, além de produtores convencionais, e recebem o nome de robusta amazônico. Recentemente, os robustas produzidos em Rondônia e os conilons do Espírito Santo receberam registro de indicação geográfica.
“Tivemos resultados superiores a 90% com o modelo de classificação na discriminação entre os robustas cultivados por indígenas dos cultivados por não indígenas, e também entre amostras do Espírito Santo e da Bahia e ainda na diferenciação de amostras de canéforas e arábicas. No caso de discriminar entre canéforas com indicação e sem indicação [com e sem certificação], a acurácia foi de 100%.”
Impressão digital química
A primeira etapa para a aplicação da técnica depende da obtenção de espectros na região do infravermelho próximo de amostras de procedência conhecida. Para isso, é utilizado um espectrômetro que realiza medições no intervalo do espectro correspondente à região do infravermelho próximo (800 a 2.500 nanômetros). O equipamento emite radiação eletromagnética sobre a amostra e um sistema de detecção registra o sinal. Em seguida, essas informações são processadas por softwares e geram os espectros referentes às interações da radiação eletromagnética com a amostra, que depende de sua composição química.
“Trata-se de uma impressão digital química da amostra. Esse tipo de avaliação nunca havia sido utilizado para discriminar cafés canéforas especiais brasileiros. Quando começamos, tínhamos dúvidas sobre a possibilidade de realmente determinar a origem dos canéforas com esse método, pois o café depois da torra torna-se muito complexo, a composição química muda totalmente. Mas conseguimos.”
Pallone esclarece que a espectroscopia no infravermelho associada a ferramentas de quimiometria pode ser aplicada a diferentes objetivos em análise de alimentos. “O grande desafio é verificar se esses espectros gerados pelo equipamento e essas ferramentas de quimiometria seriam adequados a propósitos específicos, como o nosso. É preciso testar uma série de fatores: a melhor forma de obter os espectros, verificar se existe uma melhor região do espectro para usar na análise. Nosso propósito foi responder a seguinte questão: se coletarmos os espectros das amostras de cafés canéforas especiais de diferentes origens, conseguiríamos obter um modelo de classificação que permita distinguir entre elas? Assim, coletamos os espectros de todas as amostras e procuramos avaliar a melhor forma de trabalhar com os dados obtidos e a melhor ferramenta de quimiometria para aplicar aos resultados e responder à questão.”
Segundo a pesquisadora, o equipamento gera espectros baseados em ligações químicas das estruturas que compõem a amostra. “Imaginávamos que os cafés de diferentes origens e diferentes locais poderiam gerar espectros diferentes. Recebemos um resultado muito complexo do equipamento, contendo espectros de um número grande de amostras, de diferentes origens. Para trabalhar com esses dados, é necessário o emprego de algoritmos de aprendizagem de máquina para dados químicos, quimiometria, que permitem a utilização dos dados espectrais complexos obtidos e a associação com a origem dos cafés especiais. Assim, é possível obter modelos que indicam a classificação de amostras, de acordo com a região produtora. Os modelos gerados são testados e validados e é possível conhecer a sua porcentagem de acerto nas classificações.”
Amostragem
Pallone lembra que as amostras de cafés especiais de Rondônia e do Espírito Santo foram obtidas graças a uma parceria com a Embrapa Rondônia, que enviou amostras dos produtores das Terras Indígenas de Rondônia e também de não indígenas que produzem o robusta especial no Estado, além de exemplares do Espírito Santo.
“Foi analisado um conjunto representativo composto por 527 amostras, incluindo robusta amazônico de produtores indígenas e não indígenas, conilon do Espírito Santo e da Bahia, arábica especial e canéfora de baixa qualidade. Tínhamos, ainda, amostras de cafés canéfora sem indicação. Testamos o modelo com cafés com e sem indicação e vimos que funcionou. Comparamos também o canéfora de alta qualidade com o arábica de alta qualidade, para saber se os robustas especiais são comparáveis aos arábicas em termos químicos.”
Os pesquisadores explicam que o café robusta produzido exclusivamente em Rondônia (robusta amazônico) tem uma denominação de origem (Matas de Rondônia). Pallone recorda que havia conhecimento a respeito da variedade das amostras de Rondônia e, por isso, foi possível discriminar, além da origem, as variedades botânicas cultivadas na Amazônia.
Baqueta relata que a Embrapa Rondônia está desenvolvendo um protocolo nacional de análise sensorial para o canéfora no Brasil. “Existe um protocolo internacional, mas a realidade do Brasil é diferente, aqui há muita diversidade. Precisamos de um protocolo para o país. O arábica já tem um protocolo nacional, apesar de existir um internacional também.”
Segundo ele, um dos legados do trabalho recentemente publicado no Journal of Food Composition and Analysis foi o desenvolvimento de um banco de dados. “Coletamos mais de 1.500 espectros. Conseguimos avaliar a autenticidade e a origem de qualquer amostra de canéfora que seja de uma região contemplada em nosso banco de dados”, conta.
Preço
Os cientistas explicam que há vários tipos de equipamentos (espectrômetros). “Os de bancada, usados tradicionalmente nos laboratórios, geram espectros com melhor resolução e abrangem uma área com a qual se consegue detectar mais compostos químicos. Esses devem estar na faixa dos US$ 100 mil. Mas existe uma versão portátil desses equipamentos, cujo preço começa em US$ 1 mil. Há alguns na faixa de US$ 15 mil, US$ 20 mil. A resolução é um pouco menor, mas já fizemos alguns testes e vimos que o nível de acurácia dos portáteis é muito próximo ao do equipamento de bancada. Isso está em um dos artigos que publicamos recentemente no jornal Analyst”, revela Baqueta.
O artigo Brazilian Canephora coffee evaluation using NIR spectroscopy and discriminant chemometric techniques pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0889157522006834.
Já o estudo Discrimination of Robusta Amazônico coffee farmed by indigenous and non-indigenous people in Amazon: comparing benchtop and portable NIR using ComDim and duplex está disponível em: https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2023/AN/D3AN00104K.
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