O biotecido de angico foi desenvolvido a partir de plantas nativas brasileiras (imagem: Mabe Bio/divulgação)

Inovação
Mabe Bio: Biodiversidade brasileira dá origem a novos materiais têxteis
03 de junho de 2025

Startup apoiada pelo PIPE-FAPESP desenvolve solução sustentável promissora a partir da flora nativa; biotecido de angico será apresentado durante a feira de tecnologia VivaTech, na França

Inovação
Mabe Bio: Biodiversidade brasileira dá origem a novos materiais têxteis

Startup apoiada pelo PIPE-FAPESP desenvolve solução sustentável promissora a partir da flora nativa; biotecido de angico será apresentado durante a feira de tecnologia VivaTech, na França

03 de junho de 2025

O biotecido de angico foi desenvolvido a partir de plantas nativas brasileiras (imagem: Mabe Bio/divulgação)

 

Roseli Andrion | Agência FAPESP – É comum que a ciência seja fruto da inquietação dos cientistas. Na startup Mabe Bio isso não foi diferente. O desconforto da designer de moda Marina Belintani se transformou no combustível da inovação. Experiente no mercado de materiais e moda, ela tinha um incômodo persistente: a quantidade crescente de resíduos produzidos por uma indústria conhecida por seu alto impacto ambiental.

Essa insatisfação a levou a um projeto de pesquisa de mestrado no Royal College of Art, em Londres, na Inglaterra, quando se dedicou ao estudo de biomateriais. Em busca de uma oportunidade de transformação, passou a investigar alternativas sustentáveis a partir da biodiversidade brasileira.

Com essa motivação, a pesquisadora participou do programa de residência da Antler (fundo global de capital de risco para empresas em estágio inicial) e lá conheceu a empreendedora Rachel Maranhão. “Me apaixonei imediatamente pela pesquisa da Marina e percebi o potencial transformador da tecnologia que estava sendo desenvolvida”, conta Maranhão, mestranda em negócios e CEO da Mabe, cuja visão estratégica e olhar empreendedor complementaram o conhecimento técnico de Belintani.

Como resultado dessa parceria, a empresa criou o biotecido de angico, um material desenvolvido integralmente a partir de plantas nativas brasileiras. Angico é o nome comum de várias espécies de árvores nativas da América tropical, principalmente do Brasil, pertencentes aos gêneros Piptadenia, Parapiptadenia e Anadenanthera, da família Mimosoideae. Essas árvores são valorizadas pela qualidade da madeira, empregada em construções civil e naval, e amplamente utilizadas em projetos de reflorestamento e recuperação florestal em razão de seu crescimento rápido e resistência.

Apoiada pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, a Mabe Bio será uma das dez empresas convidadas pela Fundação para apresentar sua tecnologia no estande da Universidade de São Paulo (USP) na feira internacional VivaTech, um dos maiores eventos de startups e tecnologia da Europa, que acontece entre os dias 11 e 14 de junho em Paris, na França.

A edição da VivaTech 2025 tem como abordagem as novas fronteiras da inovação em termos de tecnologia nas perspectivas econômica, geopolítica, social e ambiental. No ano passado, 165 mil pessoas visitaram os diversos estandes da feira.

“Essa participação representa mais do que uma apresentação internacional: é uma oportunidade de estabelecer conexões, atrair investimentos e apresentar ao mundo a capacidade da ciência brasileira. A VivaTech vai ser uma vitrine mundial para a revolução silenciosa que acontece nos laboratórios brasileiros”, estima Maranhão.

A startup quer mostrar como a inovação nacional pode oferecer soluções concretas para desafios ambientais globais. “Queremos demonstrar que a inovação brasileira pode competir globalmente”, descreve. “Nosso objetivo é estabelecer diálogos com investidores europeus, conhecer o ecossistema internacional de inovação e abrir portas para futuros desenvolvimentos.”

Inovação brasileira

Mais do que um simples substituto para o couro tradicional, o material desenvolvido pela startup é uma resposta tecnológica e sustentável aos desafios ambientais contemporâneos. “Nosso objetivo é substituir matrizes de materiais altamente poluentes por soluções com impacto socioambiental positivo e regenerativo”, explica Maranhão. O projeto destaca-se não apenas pela sustentabilidade, mas pela capacidade de utilizar tecnologicamente a biodiversidade brasileira.

Além disso, esse processo representa uma reimaginação do processo produtivo: a startup busca ressignificar a relação entre tecnologia, natureza e produção industrial para transformar as indústrias de moda, design e materiais. “Quando começamos, sabíamos que seria um desafio”, lembra a pesquisadora. “Desenvolver um biomaterial vai além do aspecto técnico: é preciso reimaginar toda a cadeia produtiva.”

A tecnologia ainda está em fase de pesquisa e desenvolvimento, mas o objetivo da equipe da startup é ter um material que ofereça vantagens competitivas em desempenho e custo. “O desafio é complexo: envolve pesquisa constante, testes rigorosos e uma compreensão profunda das necessidades do mercado.”

A Mabe Bio tem, assim, uma filosofia profunda de sustentabilidade. “Não basta criar um material alternativo, é preciso propor uma transformação sistêmica na forma como produzimos e consumimos.” O angico representa essa visão: nasce da biodiversidade, respeita os ecossistemas e oferece uma alternativa real aos materiais tradicionais altamente poluentes.

A pesquisadora destaca que o mercado global de materiais alternativos está em expansão. Marcas como Adidas, Nike, Mercedes e BMW já demonstram interesse em soluções sustentáveis. A Mabe Bio posiciona-se estrategicamente nesse cenário, já que está desenvolvendo um material com potencial de escalabilidade e custo competitivo.

Com um biomaterial que usa insumos da floresta, a startup quer demonstrar o potencial transformador da inovação brasileira. “Acreditamos que os grandes desafios do nosso tempo serão resolvidos pela ciência, pela criatividade e por uma profunda conexão com nossos recursos naturais.”

Assim, além de fomentar a economia local, a tecnologia coloca o Brasil no mapa da inovação sustentável. A Mabe Bio ajuda a demonstrar como a ciência brasileira pode ser protagonista em soluções globais.

Projeções e expectativas

Para os próximos anos, a projeção de Maranhão é otimista: a expectativa é que, até 2030, materiais alternativos como o angico ocupem uma parcela significativa do mercado de materiais para diversos setores. “Não será uma revolução instantânea”, pondera, “mas um processo gradual de conscientização e transformação. Cada passo conta, cada escolha importa.”

O projeto tem como parceiros a Universidade de São Paulo (USP), o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). “Esse apoio é fundamental”, pontua Maranhão. “Mostra que acreditamos no poder transformador da ciência e no potencial de jovens empreendedores para resolver desafios globais.”

A Mabe Bio foi selecionada, em 2022, pelo Programa Centelha, que estimula a criação de empreendimentos inovadores e dissemina a cultura empreendedora a partir de capacitações, recursos financeiros e outros suportes. Em 2023, recebeu o prêmio Fashion Futures, criado pelo Instituto C&A para celebrar iniciativas transformadoras no setor de moda, e o Prêmio José Eduardo Ermírio de Moraes, do Insper. Existe, no mercado, um movimento amplo de investimento em soluções científicas para desafios ambientais. “Cada reconhecimento valida o trabalho desenvolvido, bem como oferece mais possibilidades de crescimento e desenvolvimento.”
 

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