A inflamação no hipotálamo ocorre poucos dias após a ingestão excessiva de gordura e está associada ao desenvolvimento de doenças metabólicas (imagem: NIA/NIH)

Obesidade
Inflamação no cérebro induzida por dieta rica em gordura atrai células imunes de todo o corpo
08 de maio de 2025

Em testes com roedores, pesquisadores observaram que o sistema imunológico tenta amenizar os danos da alimentação ao hipotálamo – que no longo prazo podem levar ao desenvolvimento de obesidade. Os animais em que a migração dessas células foi inibida tiveram maior ganho de peso, mais acúmulo de gordura e piora de marcadores metabólicos

Obesidade
Inflamação no cérebro induzida por dieta rica em gordura atrai células imunes de todo o corpo

Em testes com roedores, pesquisadores observaram que o sistema imunológico tenta amenizar os danos da alimentação ao hipotálamo – que no longo prazo podem levar ao desenvolvimento de obesidade. Os animais em que a migração dessas células foi inibida tiveram maior ganho de peso, mais acúmulo de gordura e piora de marcadores metabólicos

08 de maio de 2025

A inflamação no hipotálamo ocorre poucos dias após a ingestão excessiva de gordura e está associada ao desenvolvimento de doenças metabólicas (imagem: NIA/NIH)

 

Ricardo Muniz | Agência FAPESP – Diversos estudos já mostraram que o consumo de dieta rica em gordura induz uma resposta inflamatória no hipotálamo, umas das regiões do cérebro. A inflamação ocorre poucos dias após a ingestão excessiva de lipídeos e está associada ao desenvolvimento de doenças metabólicas, como a obesidade. É então que um tipo de célula imunes residente no cérebro, chamada micróglia, desempenha um papel importante na resposta inflamatória.

Em estudo publicado na revista eLife, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colaboradores detalharam como as células de defesa são atraídas para o cérebro no contexto de inflamação induzida por dieta hiperlipídica.

A investigação ocorreu no âmbito do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP. Também contou com apoio da Fundação por meio de outros dois projetos (17/22511-8 e 21/00443-6).

“Neste trabalho, estudamos como o cérebro responde a uma alimentação rica em gorduras, típica das dietas modernas ocidentais, nas quais o consumo de fast-foods e ultraprocessados é bastante frequente”, diz Natália Ferreira Mendes, pesquisadora do Departamento de Medicina Translacional da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.

No estudo, o grupo descobriu que as micróglias não são as únicas células de defesa envolvidas no processo: outras células imunes, que vêm de fora do cérebro e expressam um receptor chamado CXCR3, também são recrutadas para o cérebro quando consumida uma dieta rica em gorduras. O “reforço” parece ter um papel benéfico, ajudando as micróglias a atenuar o processo inflamatório e prevenindo o desenvolvimento da obesidade.

“Descobrimos esse potencial papel anti-inflamatório dessas células por meio de um experimento em que bloqueamos o recrutamento”, explica Mendes. “As células imunes são atraídas por substâncias secretadas em locais distantes do corpo, onde ocorre a inflamação, e se dirigem rapidamente para lá. Em termos simples, é como se alguém acionasse um spray de perfume em um cômodo distante da sua casa e você fosse direcionado para lá pelo cheiro. O que fizemos foi impedir que esse ‘cheiro’ fosse percebido e, com isso, muitas células não conseguiram chegar ao local inflamado.”

Verificou-se então que os animais em que as células de defesa não conseguiram chegar ao hipotálamo ganharam mais peso, acumularam mais gordura e apresentaram piora de vários marcadores metabólicos e bioquímicos. O grupo também conseguiu identificar que as células imunes recrutadas são muito diferentes quando comparados machos e fêmeas, o que pode influenciar como indivíduos de sexos distintos reagem à qualidade da dieta e como o sistema imunológico contribui para o ganho de peso e o desenvolvimento de doenças relacionadas.

O estudo, assim, ajudou a compreender melhor o papel das células de defesa, a importância do receptor CXCR3 como um sinalizador para que possam chegar até o hipotálamo durante a inflamação e como podem impactar o metabolismo em um contexto de inflamação induzida por dieta.

A dieta utilizada no estudo é rica em gordura, principalmente a saturada, encontrada em alimentos de origem animal, como carnes vermelhas e laticínios, e em alguns alimentos de origem vegetal, como o óleo de coco. Ela tem consistência sólida ou pastosa em temperatura ambiente, o que a torna uma escolha atrativa para a indústria alimentícia, que a utiliza para melhorar a textura, a consistência e a palatabilidade dos produtos.

“O consumo dessa dieta aumenta a concentração de ácidos graxos livres no sangue, uma das formas pelas quais a gordura é transportada pelo corpo. Esses ácidos graxos chegam ao hipotálamo, uma área do cérebro que é particularmente vulnerável”, detalha Mendes.

Diferentemente de outras regiões cerebrais, o hipotálamo faz contato com uma área chamada eminência mediana, que não apresenta barreira hematoencefálica. Tal barreira age como uma “muralha”, protegendo o cérebro de substâncias nocivas presentes no sangue. Na eminência mediana, os vasos sanguíneos possuem "fenestras" – grandes poros ou buracos na estrutura dessa muralha – que permitem a entrada de várias moléculas, como os ácidos graxos livres, que rapidamente alcançam o hipotálamo. Além disso, o hipotálamo está localizado ao redor do terceiro ventrículo, uma área por onde circula o líquido cefalorraquidiano. Isso o torna ainda mais vulnerável a oscilações nas concentrações de substâncias desse líquido. Por isso, a ingestão excessiva de gordura é rapidamente detectada pelo hipotálamo e resulta na ativação das micróglias para tentar controlar os danos causados pelos ácidos graxos.

Quando a ingestão elevada de gordura é mantida ao longo do tempo, porém, as micróglias não conseguem manter o controle da situação sozinhas. É aí que entram as células imunes convocadas de outras partes do corpo.

Desdobramentos

A partir dos resultados obtidos, várias questões surgem para futuras investigações. Uma das abordagens do estudo foi um mapeamento abrangente do material genético tanto das micróglias quanto das células recrutadas para o cérebro. “Esse tipo de análise gera um banco de dados valioso, que pode ser acessado por pesquisadores de todo o mundo para investigar genes-alvo envolvidos em diferentes condições fisiológicas e patológicas”, afirma a pesquisadora.

“Com isso, fornecemos a base para que muitos projetos de pesquisa possam ser desenvolvidos, não apenas para entender melhor o papel das micróglias e demais células imunes recrutadas no contexto da obesidade e da inflamação no hipotálamo, mas também para explorar as diferenças observadas entre fêmeas e machos. Estudar a origem dessas diferenças no material genético – considerando aspectos como programação metabólica, alterações hormonais, efeito dos nutrientes da dieta, entre outros – é um campo que ainda precisa ser explorado em mais detalhes.”

Mendes ressalva que, embora os achados do grupo sejam pioneiros ao mostrar como as células imunes periféricas que expressam o receptor CXCR3 são atraídas para o cérebro no contexto da inflamação induzida por dieta rica em gordura, ainda existem muitas questões em aberto. “Por exemplo: como essas células recrutadas se comunicam com as células residentes, como micróglias e neurônios, entre outras? Quais são os efeitos de longo prazo do recrutamento dessas células no cérebro? Qual o destino dessas células após atenuar o processo inflamatório? Existem estímulos hormonais/neurais periféricos que ajudam a direcioná-las para o cérebro? Essas questões precisam ser exploradas para que possamos entender completamente os mecanismos envolvidos e desenvolver abordagens terapêuticas mais eficazes”, avalia.

De todo modo, a descoberta de uma via específica de recrutamento dessas células para o cérebro abre uma nova possibilidade terapêutica, com o potencial de desenvolver fármacos para tratar a obesidade e comorbidades associadas, como diabetes tipo 2.

Além de Mendes, assinam o paper Licio Augusto Velloso e Eliana Pereira de Araújo, do Laboratório de Sinalização Celular (LabSinCel) do OCRC e supervisores do estudo; Ariane Zanesco, Dayana C. da Silva e Jonathan F. Campos (LabSinCel); Cristhiane Aguiar e Pedro de Moraes-Vieira (Laboratório de Imunometabolismo do Instituto de Biologia da Unicamp); Gabriela Rodrigues-Luiz (Universidade Federal de Santa Catarina); e Niels Olsen Saraiva Câmara (Universidade de São Paulo).

O artigo CXCR3-expressing myeloid cells recruited to the hypothalamus protect against diet-induced body mass gain and metabolic dysfunction pode ser lido em: https://elifesciences.org/articles/95044.
 

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