Cascas das amêndoas do cacau possuem teobromina e cafeína, compostos que podem ser transferidos para o mel de abelhas sem ferrão usando extração assistida por ultrassom (Felipe Bragagnolo/FCA-Unicamp)
Pesquisadores da Unicamp usaram produto de abelhas nativas sem ferrão para extrair compostos bioativos, como cafeína, do resíduo da fabricação de chocolate; resultado confere valor nutricional e comercial a ingrediente usualmente descartado
Pesquisadores da Unicamp usaram produto de abelhas nativas sem ferrão para extrair compostos bioativos, como cafeína, do resíduo da fabricação de chocolate; resultado confere valor nutricional e comercial a ingrediente usualmente descartado
Cascas das amêndoas do cacau possuem teobromina e cafeína, compostos que podem ser transferidos para o mel de abelhas sem ferrão usando extração assistida por ultrassom (Felipe Bragagnolo/FCA-Unicamp)
André Julião | Agência FAPESP – Um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu um produto a partir de mel de abelhas nativas e cascas de amêndoa de cacau que pode tanto ser consumido diretamente quanto como ingrediente para as indústrias alimentícia e cosmética. Os resultados foram publicados na revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering, tema da capa da publicação.
O mel de abelhas nativas foi usado como solvente comestível para extrair das cascas da amêndoa do cacau, normalmente descartadas na fabricação de derivados como o chocolate, compostos como teobromina e cafeína, conhecidos estimulantes associados à saúde cardíaca. O processo, que usou extração assistida por ultrassom, enriqueceu ainda o mel com compostos fenólicos, que têm atividades antioxidante e anti-inflamatória.
Embora ainda estejam planejando testes quanto ao sabor do produto e outras propriedades sensoriais, os pesquisadores que o provaram afirmam que, a depender da proporção de mel e cascas, ele tem bastante sabor de chocolate.
“Claro que o apelo maior para o público é o sabor, mas nossas análises mostraram que ele tem uma quantidade de compostos bioativos que o tornam bastante interessante do ponto de vista nutricional e cosmético”, conta Felipe Sanchez Bragagnolo, primeiro autor do estudo, realizado durante pós-doutorado na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira, com bolsa da FAPESP.
Em parceria com a Inova Unicamp, agência de inovação da universidade, os autores buscam agora algum parceiro interessado em licenciar o processo, que teve uma patente depositada, e colocar o produto no mercado (leia mais em: agencia.fapesp.br/51861).
Biodiversidade
Os méis de abelhas nativas, além de terem um apelo para o uso sustentável da biodiversidade local, foram escolhidos pelo maior potencial como solvente, dado que, de modo geral, possuem maiores teores de água e menor viscosidade do que o mel da abelha-europeia (Apis mellifera).
Foram testados méis de cinco espécies que ocorrem no Brasil: borá (Tetragona clavipes), jataí (Tetragonisca angustula), mandaçaia (Melipona quadrifasciata), mandaguari (Scaptotrigona postica) e moça-branca (Frieseomelitta varia). As cascas de cacau foram cedidas pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) de São José do Rio Preto.
Um dos méis testados foi o da mandaçaia (Melipona quadrifasciata) (foto: Lucas Rubio/iNaturalist)
O mel da mandaguari foi escolhido inicialmente para a otimização do processo por conta dos valores intermediários de água e viscosidade encontrados, embora posteriormente o processo otimizado tenha sido empregado para os outros méis analisados.
Bragagnolo lembra que o mel é um alimento bastante sujeito a influências externas, como condições climáticas, de armazenamento e temperatura. “Portanto, é possível adaptar o processo ao mel que estiver disponível localmente, não necessariamente o da mandaguari”, diz.
Química verde
A extração assistida por ultrassom consiste no uso de uma sonda, visualmente parecida com uma caneta metálica, colocada dentro de um pote com o mel e as cascas. A sonda utiliza ondas sonoras para melhorar a extração dos compostos das cascas da amêndoa do cacau, que migram para o solvente, que no caso é o mel.
O método é eficiente, entre outras razões, por formar microbolhas que implodem, aumentam pontualmente a temperatura e rompem o material vegetal. A técnica é considerada ambientalmente amigável para a indústria de alimentos, pois é mais rápida e eficiente do que outras.
Por isso, foi um dos pontos positivos em outra avaliação presente no estudo, que mediu a sustentabilidade do produto. Foi utilizado o software Path2Green, desenvolvido pelo grupo do professor Mauricio Ariel Rostagno, da FCA-Unicamp, que também é supervisor do pós-doutorado de Bragagnolo e coordenador do estudo.
A ferramenta verificou a concordância com 12 princípios da chamada química verde, como transporte, pós-tratamento, purificação e aplicação. O uso de um solvente comestível, local e pronto para uso foi um dos fatores de maior peso. Numa escala de - 1 a + 1, o produto alcançou + 0.118.
“Acreditamos que com um aparelho desses, numa cooperativa ou pequena indústria que já trabalhe tanto com o cacau quanto com o mel de abelhas nativas, seria possível aumentar o portfólio com um produto de valor agregado inclusive para a alta gastronomia”, sugere Rostagno.
Os pesquisadores preparam ainda novos estudos para avaliar a ação do ultrassom na microbiologia do mel. Assim como faz com o material vegetal, o método rompe a parede celular de microrganismos como bactérias, que podem degradar o produto.
“O mel de abelhas nativas, normalmente, precisa ser conservado em geladeira, maturado, desumidificado ou pasteurizado, diferentemente do que provém da abelha-europeia, que pode ser armazenado em temperatura ambiente. Suspeitamos que, apenas por terem passado pelo ultrassom, os microrganismos contidos sejam eliminados, aumentando a estabilidade e o tempo de prateleira do produto”, explica.
Futuramente, serão testadas outras aplicações utilizando o mel de abelhas nativas como solvente para extração assistida por ultrassom, como o processamento de outros resíduos vegetais.
Além das bolsas de pós-doutorado e estágio no exterior para Bragagnolo, o trabalho contou com uma série de bolsas e auxílios da FAPESP (23/02064-8, 23/16744-0, 21/12264-9, 20/08421-9, 19/13496-0 e 18/14582-5).
O artigo Stingless bee honeys as natural and edible extraction solvents: an intensified approach to cocoa bean shell valorization pode ser lido em: pubs.acs.org/doi/10.1021/acssuschemeng.5c04842.
A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.