Modelo feito a partir de mais de 120 ensaios com dunas de até 10 centímetros também vale para as dunas quilométricas da superfície marciana, que levam mais de mil anos para interagir (imagem: arquivo do pesquisador)

Estudo sobre a dinâmica de dunas ajudará a compreender a formação do relevo de Marte
16 de dezembro de 2020
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Modelo feito a partir de mais de 120 ensaios com dunas de até 10 centímetros também vale para as dunas quilométricas da superfície marciana, que levam mais de mil anos para interagir

Estudo sobre a dinâmica de dunas ajudará a compreender a formação do relevo de Marte

Modelo feito a partir de mais de 120 ensaios com dunas de até 10 centímetros também vale para as dunas quilométricas da superfície marciana, que levam mais de mil anos para interagir

16 de dezembro de 2020
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Modelo feito a partir de mais de 120 ensaios com dunas de até 10 centímetros também vale para as dunas quilométricas da superfície marciana, que levam mais de mil anos para interagir (imagem: arquivo do pesquisador)

 

José Tadeu Arantes  |  Agência FAPESP – Barcanas são dunas de areia em forma de lua crescente ou de croissant, cujas extremidades apontam no sentido do escoamento do fluido. Podem aparecer em diversos ambientes, do interior de tubulações de água e fundos de rio, onde apresentam tamanhos de até 10 centímetros, nos desertos terrestres, onde excedem 100 metros, na superfície de Marte, onde alcançam extensões de um quilômetro ou mais.

Acompanhando a escala de tamanho, há também uma escala de tempo para formação e interação dessas dunas. As ordens de grandeza vão do minuto, para as barcanas pequenas do meio aquático; ao ano, para as de porte médio dos desertos terrestres; e ao milênio, para as gigantes do relevo marciano.

Elas são formadas pela interação entre o escoamento de um fluido (gás ou líquido) e um material granular (normalmente areia), em condições de escoamento predominantemente unidirecional (leia mais em https://agencia.fapesp.br/28994/).

“Apesar das diferenças de escala, as barcanas apresentam dinâmicas de formação e interação muito parecidas. Isso possibilita que, estudando as barcanas de meio aquático em laboratório, possamos fazer previsões sobre a evolução das dunas dos Lençóis Maranhenses ou saber como se constituiu o relevo da região Hellespontus, em Marte”, diz o pesquisador Erick Franklin, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (FEM-Unicamp).

Junto com seu aluno de doutorado Willian Righi Assis, Franklin fez mais de 120 ensaios e identificou cinco tipos básicos de interação entre dunas barcanas.

O estudo foi realizado na Unicamp e publicado no periódico Geophysical Research Letters. A pesquisa recebeu financiamento da FAPESP por meio de auxílio Jovem Pesquisador, concedido a Franklin, e de Bolsa de Doutorado Direto, concedida a Assis.

Além de terem uma forma robusta que aparece em ambientes muito distintos, as barcanas geralmente se organizam em corredores, nos quais seus tamanhos são aproximadamente os mesmos. As análises de dunas individuais apontam que elas deveriam crescer indefinidamente, tornando-se cada vez maiores, mas isso não acontece. Uma das explicações para que tenham um tamanho característico em dado ambiente é que as interações binárias, principalmente as colisões, redistribuem a massa de areia e as dunas que tendiam a crescer se subdividem em dunas menores.

“Embora tal processo tenha sido proposto no passado, ninguém havia testado extensivamente e mapeado essas interações, uma vez que colisões de dunas levam décadas para ocorrer em desertos terrestres. Aproveitando que as barcanas subaquáticas são pequenas e muito mais rápidas, realizamos ensaios em um canal hidrodinâmico, feito de material transparente, onde pares de dunas foram formados e transportados por um escoamento turbulento de água, enquanto uma câmera filmadora captava imagens. E identificamos, pela primeira vez, os cinco tipos básicos de interação binária”, afirma Franklin.

Nos ensaios, os pesquisadores fizeram variar, de forma independente, os diversos parâmetros envolvidos no problema: tamanho dos grãos, densidade dos grãos, esfericidade, velocidade do escoamento de água e condições iniciais. As imagens foram processadas em computador por meio de um código numérico criado por eles. Com base nisso, propuseram dois mapas que fornecem uma classificação geral das interações possíveis.

“Nossos experimentos mostraram que, quando ocorre uma colisão binária, a barcana que estava originalmente a jusante [isto é, na frente] expele uma duna de massa aproximadamente igual à da barcana que estava à montante [atrás]. A impressão que dá é que a barcana que vinha a montante teria passado sobre a outra, como uma onda, mas o uso de grãos coloridos nos ajudou a mostrar que não é isso que acontece. Na verdade, a barcana a  montante entra na barcana a jusante. Esta torna-se grande demais e libera uma quantidade de massa mais ou menos igual à que recebeu”, informa o pesquisador.

As interações entre duas barcanas envolvem basicamente dois mecanismos. O primeiro é a perturbação causada no fluido, que desvia da barcana a montante, ganha velocidade e atinge a barcana a jusante, provocando nesta última uma erosão maior. É o chamado “efeito de esteira”. O segundo é uma barcana encostar na outra, de forma que seus grãos se misturem. É a chamada “colisão”.

“Nossos dados experimentais mostraram que esses dois mecanismos provocam cinco tipos de interações barcana-barcana. Levando-se em conta que a velocidade de uma duna é inversamente proporcional ao seu tamanho, as duas mais simples são as que chamamos de chasing e merging”, diz Franklin.

A chasing ocorre quando as duas barcanas têm aproximadamente o mesmo tamanho e a erosão causada pelo efeito de esteira faz com que a duna a jusante diminua de tamanho. As duas barcanas passam então a mover-se com a mesma velocidade e mantêm uma distância constante entre elas. Ao passo que a merging acontece quando a barcana a montante é muito menor que a barcana a jusante; a erosão causada pela esteira não diminui muito o tamanho da duna a jusante, de forma que as barcanas colidem e passam a formar uma única duna.

O terceiro tipo de interação, chamado Exchange, é mais complicado. “Ele se dá quando a barcana a montante é menor, mas não tão menor, que a barcana a jusante. Neste caso também, a duna que vinha à montante alcança a outra barcana e as duas colidem; ao colidirem, a duna menor sobe e se espalha lentamente sobre a maior. Mas, durante este processo, o escoamento, que desvia da nova duna, causa uma forte erosão em sua parte frontal, e ela ejeta uma nova barcana. Como é menor e surge a jusante, a nova barcana migra mais rápido e se afasta”, descreve o pesquisador.

Os dois últimos tipos de interações acontecem quando o escoamento do fluido é muito forte. “Neste caso, temos a fragmentation-chasing, quando as dunas têm tamanhos diferentes. O efeito de esteira na duna a jusante é tão forte que ela se divide em duas menores que a duna que vinha a montante. Dessa forma, o resultado final são três, que se afastam umas das outras. O último tipo, chamado de fragmentation-exchange, é parecido com o caso anterior. A diferença é que a duna a montante encosta na duna a jusante antes de esta última completar sua divisão em duas”, detalha Franklin.

Os cinco tipos são fáceis de compreender quando visualizados por meio do vídeo. Aliás, foi o suporte visual que possibilitou a construção de toda essa tipologia. “Nossos resultados, obtidos para barcanas subaquáticas que possuem centímetros de comprimento e se desenvolvem em minutos, são um importante avanço na compreensão da dinâmica e formação deste tipo de duna. Por meio de leis de escala, eles nos permitem transpor as conclusões para outros ambientes, onde os tamanhos são maiores e os tempos muito mais demorados. A compreensão do passado de Marte ou a projeção de seu futuro distante, que agora estão no foco da ciência, podem ser bastante facilitados por meio deste recurso”, conclui o pesquisador.

O artigo A comprehensive picture for binary interactions of subaqueous barchans pode ser acessado em https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2020GL089464. O preprint (de acesso aberto com o mesmo conteúdo) está disponível em https://arxiv.org/pdf/2009.12671.pdf.

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