Grupo que envolve cientistas da UFSCar, da Embrapa e colaboradores internacionais mostra que a biomassa descartada de baixo custo pode ser convertida em bioplásticos, produtos eletrônicos, equipamentos para geração, armazenamento e transmissão de energia e outros dispositivos de alto valor agregado (fotos: acervo dos pesquisadores)

Estudo indica caminhos para transformar lixo em materiais para a indústria avançada
07 de dezembro de 2021
EN ES

Grupo que envolve cientistas da UFSCar, da Embrapa e colaboradores internacionais mostra que a biomassa descartada de baixo custo pode ser convertida em bioplásticos, produtos eletrônicos, equipamentos para geração, armazenamento e transmissão de energia e outros dispositivos de alto valor agregado

Estudo indica caminhos para transformar lixo em materiais para a indústria avançada

Grupo que envolve cientistas da UFSCar, da Embrapa e colaboradores internacionais mostra que a biomassa descartada de baixo custo pode ser convertida em bioplásticos, produtos eletrônicos, equipamentos para geração, armazenamento e transmissão de energia e outros dispositivos de alto valor agregado

07 de dezembro de 2021
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Grupo que envolve cientistas da UFSCar, da Embrapa e colaboradores internacionais mostra que a biomassa descartada de baixo custo pode ser convertida em bioplásticos, produtos eletrônicos, equipamentos para geração, armazenamento e transmissão de energia e outros dispositivos de alto valor agregado (fotos: acervo dos pesquisadores)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Entre 118 e 138 milhões de toneladas de lixo orgânico são geradas anualmente em todo o mundo. Dessas, cerca de 100 milhões de toneladas correspondem a resíduos da cadeia de produção e distribuição de alimentos. Apenas 25% do montante é reaproveitado. Os outros 75% são simplesmente “jogados fora”, configurando um grande desperdício de recursos potenciais e um enorme impacto para o meio ambiente.

Esses números foram apresentados num relatório publicado em 2018 pela European Environment Agency. Embora constituam a mais recente tentativa de totalização disponível, estão provavelmente subestimados, pois correspondem a uma base de dados de 2011.

Transformar resíduos em recursos – ou, como dizem os norte-americanos, transitar from trash to cash (do lixo ao dinheiro) – é um dos vetores da chamada economia circular. Quando esses resíduos são advindos da biomassa, caracteriza-se a bioeconomia circular. O tema foi explorado em estudo recente publicado na revista Advanced Materials, no artigo The Food–Materials Nexus: Next Generation Bioplastics and Advanced Materials from Agri-Food Residues, tendo sido inclusive destacado na contracapa da revista – uma das de maior impacto na área.

“Nós, que já enxergamos diferentes tipos de resíduos como matéria-prima há mais de uma década, fizemos uma revisão crítica de toda a literatura e reposicionamos o estado da arte nas estratégias para transformar perdas e desperdícios agroalimentares em bioplásticos e materiais avançados. Procuramos, mas não encontramos argumentos para não fazê-lo. É um ganha-ganha”, diz Caio Gomide Otoni, professor do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (DEMa-UFSCar), idealizador do grupo maTREErials e primeiro autor do artigo.

Como alternativa às modalidades mais rústicas e ambientalmente duvidosas de aproveitamento dos resíduos agroindustriais, como, por exemplo, seu emprego na alimentação do gado, o estudo mostra que a biomassa descartada ou subutilizada, de baixo custo, pode ser convertida em bioplásticos e materiais avançados, utilizáveis em uma ampla gama de dispositivos de alto valor agregado.

As aplicações englobam embalagens multifuncionais, inclusive embalagens antivirais, antimicrobianas e antioxidantes; equipamentos eletrônicos flexíveis; dispositivos biomédicos; equipamentos para geração, armazenamento e transmissão de energia; sensores; materiais para isolamento termoacústico; cosméticos etc.

“O nexo alimentos-materiais-energia é muito relevante para a bioeconomia circular. Nosso objetivo foi apresentar as estratégias mais avançadas para desconstruir resíduos agroalimentares; converter o resultado em blocos de construção monoméricos, poliméricos e coloidais; e, com base neles, sintetizar materiais avançados”, afirma Daniel Souza Corrêa, pesquisador do Laboratório de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em São Carlos, professor orientador nos programas de pós-graduação em Química e Biotecnologia da UFSCar e outro autor do artigo.

A conversão de perdas e desperdícios na cadeia de produção e distribuição de alimentos em “materiais verdes” para a indústria avançada é uma opção emergente nas políticas dos países mais desenvolvidos, como o European Green Deal (Pacto Ecológico Europeu). Diz a página oficial da Comissão Europeia: “A bioeconomia circular maximiza o uso de fluxos laterais e residuais da agricultura, processamento de alimentos e indústrias de base florestal, reduzindo assim a quantidade de resíduos depositados em aterros”.

Como acrescenta o artigo em pauta, se a estratosfera for tomada como um limite, não há descarte. Não existe a opção de “jogar o lixo fora” porque não há um “fora” para onde seja viável descartar o lixo. Então, entre cobrir o planeta de lixo, como ainda vem sendo feito, ou transformar o lixo em uma formidável fonte de recursos, como é possível fazer, a escolha racional parece bem clara.

“A composição complexa e heterogênea da biomassa derivada de FLW [food loss and waste, termo em inglês para perda e desperdício de comida] representa um desafio tecnológico e econômico. Temos de enfrentar o que chamamos de ‘recalcitrância da biomassa em se desconstruir’. Outro fator adverso é a sazonalidade da produção agroindustrial. Determinados resíduos são abundantes em certas épocas do ano e escassos em outras. Quando disponíveis, a própria composição é, geralmente, variável. Mas o principal obstáculo a um upcycling [reutilização] em larga escala é de natureza política. A esperança é que startups e empresas altamente inovadoras rompam essas barreiras e conduzam o processo adiante”, pondera Otoni.

As vias tecnológicas para isso existem, como mostra o artigo. E seus autores já as dominam, em escala de bancada, ou, dependendo do caso, em escalas semipiloto ou piloto. “Há vários exemplos a mencionar, incluindo trabalhos com produção de materiais a partir de resíduos de manga, banana, trigo, caju etc.”, descreve Henriette Monteiro Cordeiro de Azeredo, outra autora do artigo e pesquisadora do LNNA da Embrapa.

Nas imagens que acompanham esta reportagem, materiais resultantes do processamento mínimo da cenoura exemplificam potencial para conversão em bioplásticos mediante processo, em escala semipiloto, realizado no LNNA.

Além disso, os pesquisadores produzem espumas antimicrobianas a partir de bagaço de cana-de-açúcar; embalagens derivadas de quitina extraída das carapaças de crustáceos e insetos; e partículas para estabilizar emulsões, com potencial de aplicação nas indústrias de fármacos, cosméticos e tintas.

Como se percebe, essas pesquisas estão fortemente afinadas com a economia do país, que se destaca como o maior produtor mundial de cana-de-açúcar e de cítricos, além de ocupar também posição de destaque mundial na produção de muitos outros alimentos. Ademais, deve-se considerar que uma fonte altamente significativa de perdas e desperdício de alimentos está associada a frutas e hortaliças, das quais cerca de um terço da produção é perdida ao longo da cadeia.

“Muitos desses FLW contêm elevados níveis de vitaminas, minerais, fibras e proteínas que, idealmente, poderiam ser convertidos de volta em alimentos. No entanto, devido aos padrões alimentares, a maioria dos FLW são microbiologicamente e sensorialmente inadequados e, assim, preteridos. Daí a alternativa de converter os resíduos em plataformas químicas e materiais úteis, potencialmente em dispositivos com alto valor agregado. Devido ao grande e crescente volume de FLW, existe um interesse genuíno por parte dos produtores de alimentos em valorizar tais fluxos”, sublinha Otoni.

Um exemplo é a produção de bioplásticos comestíveis desenvolvida por Luiz Henrique Capparelli Mattoso, um dos líderes dessa linha de pesquisa no LNNA da Embrapa.

A pesquisa é conduzida em rede, com contribuições de dezenas de pesquisadores engajados no tema. O artigo em pauta é também assinado por Bruno Mattos, pesquisador da Aalto-yliopisto (Finlândia); Marco Beaumont, pesquisador na BOKU Wien (Áustria); e Orlando Rojas, diretor do BioProducts Institute da University of British Columbia (Canadá).

Segundo Mattos, “a qualidade dos building blocks [blocos de montar] obtidos de biomassa residual é a mesma quando comparada a fontes mais puras e menos processadas, como algodão ou polpa celulósica. Os resíduos, no entanto, por conterem diversas outras moléculas residuais, como pectinas ou lignina, oferecem uma paleta maior de propriedades que podem ser exploradas para a introdução de funcionalidades nos bioplásticos”.

O financiamento concedido pela FAPESP a essa linha de pesquisa inclui os seguintes apoios: 14/23098-9; 17/12174-4; 17/22401-8; 18/22214-6; 20/11104-5.

O artigo The Food–Materials Nexus: Next Generation Bioplastics and Advanced Materials from Agri-Food Residues pode ser acessado na íntegra e de forma gratuita em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/adma.202102520.
 

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