Cascata de eventos provocada pela colisão de íons de chumbo, registrada pelo detector CMS do LHC em novembro de 2018 (imagem: CMS/Cern)

Estudo fornece ferramenta matemática para a compreensão do padrão fractal do plasma de quarks e glúons
04 de maio de 2022
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Formado nas colisões de alta energia, como as que ocorrem no LHC, o grande colisor de hádrons, o plasma dura apenas uma fração de segundo. E decai dando origem a uma cascata de partículas, que apresentam uma autossemelhança por escala típica dos fractais

Estudo fornece ferramenta matemática para a compreensão do padrão fractal do plasma de quarks e glúons

Formado nas colisões de alta energia, como as que ocorrem no LHC, o grande colisor de hádrons, o plasma dura apenas uma fração de segundo. E decai dando origem a uma cascata de partículas, que apresentam uma autossemelhança por escala típica dos fractais

04 de maio de 2022
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Cascata de eventos provocada pela colisão de íons de chumbo, registrada pelo detector CMS do LHC em novembro de 2018 (imagem: CMS/Cern)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – O plasma de quarks e glúons (QGP, do inglês quark-gluon plasma) é um estado da matéria que se manifesta em temperaturas e densidades muito altas, como aquelas que ocorrem nas colisões de hádrons (prótons, nêutrons e mésons). Em condições ditas “normais”, os quarks e glúons estão sempre confinados nas estruturas que constituem os hádrons. Porém, quando os hádrons são acelerados até velocidades relativísticas e levados a se colidir uns com os outros, como ocorre nos experimentos realizados no LHC (Large Hadron Collider, o Grande Colisor de Hádrons do Cern, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), o confinamento é interrompido e os quarks e glúons se espalham, formando um plasma. O fenômeno dura apenas uma ínfima fração de segundo, mas sua observação tem proporcionado descobertas extremamente importantes sobre a natureza da realidade material.

Uma dessas descobertas, a respeito da qual se acumulam evidências cada vez maiores, é a de que o plasma de quarks e glúons possui uma estrutura fractal. Quando ele se desintegra, formando um jorro de partículas que se propagam em várias direções, o comportamento das partículas que compõem os jatos é similar ao comportamento dos quarks e glúons que constituem o plasma. E o decaimento prossegue, por meio de uma cascata de reações, que revela um padrão de autossemelhança por escala típico dos fractais.

Um novo estudo, publicado no The European Physical Journal Plus, fornece uma ferramenta matemática para a compreensão do fenômeno. O artigo aborda um aspecto técnico da solução da Equação de Klein-Gordon, que descreve a dinâmica dos bósons – partículas relativísticas com spin inteiro que compartilham os mesmos estados quânticos, tornando-se, portanto, indistinguíveis. Na chamada “condensação de Bose-Einstein”, as partículas comportam-se coletivamente como se fossem uma única partícula.

“A teoria fractal explica a formação da condensação”, diz o físico Airton Deppman, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e coordenador do estudo. “Este novo trabalho faz parte de um programa de pesquisa mais amplo, que já havia resultado, em 2020, no artigo Fractals, nonextensive statistics, and QCD, publicado no periódico Physical Review D. Nesse trabalho anterior demonstramos que os chamados campos de Yang-Mills apresentam estruturas fractais. E explicamos alguns fenômenos observados nas colisões de altas energias, nas quais o plasma de quarks e glúons é formado”, acrescenta o pesquisador.

Formulada na década de 1950 pelo físico chinês Chen Ning Yang (vencedor do Nobel de Física em 1957) e pelo norte-americano Robert Mills, a teoria de Yang-Mills tem enorme importância para o chamado Modelo Padrão da Física de Partículas, pois consegue abarcar três das quatro forças ou interações conhecidas do Universo: a eletromagnética, a fraca e a forte, ficando de fora apenas a interação gravitacional.

“Nas colisões de altas energias, o resultado mais expressivo são as distribuições dos momentos das partículas produzidas, que seguem a estatística Tsallis [Constantino Tsallis, físico nascido na Grécia em 1943 e naturalizado brasileiro em 1984] e não a tradicional estatística de Boltzmann [o físico austríaco Ludwig Boltzmann, 1844-1906]. Nós mostramos que a estrutura fractal é responsável por isso. Ela leva à estatística de Tsallis e não à de Boltzmann”, afirma Deppman.

E continua: “Com essa abordagem fractal, conseguimos determinar o índice entrópico, ‘q’, da estatística de Tsallis. Ele é calculado a partir de uma fórmula simples, que relaciona ‘q’ aos parâmetros fundamentais da teoria de Yang-Mills. No caso da cromodinâmica quântica [QCD, do inglês quantum chromodynamics, a teoria da interação forte entre os quarks, mediada pelos glúons], esses parâmetros são o número de cores e o número de sabores das partículas. Com esses parâmetros encontramos q = 8/7, em muito bom acordo com os resultados experimentais, que resultam em q = 1,14”.

Vale lembrar que o termo “cores” não corresponde, nesse caso, ao conceito usual de cor. Refere-se às “cargas de cor” dos quarks, relacionadas com a interação forte existente entre eles. Há três possibilidades, representadas simbolicamente pelas cores vermelha, verde e azul. Os quarks também possuem cargas elétricas, relacionadas com a interação eletromagnética, mas as cargas de cores são outras coisas. Já o termo “sabores” diz respeito aos seis tipos de quarks: up, down, charm, strange, top e bottom. Essa nomenclatura pitoresca deve-se ao senso de humor do físico Murray Gell-Mann (1929-2019, Prêmio Nobel de Física de 1969) e de outros que o sucederam na criação da cromodinâmica quântica.

“Um aspecto interessante da evolução de nosso conhecimento é que, antes de as colisões de altas energias serem realizadas experimentalmente por meio dos grandes colisores atuais, antes mesmo que a existência dos quarks fosse proposta, o físico alemão Rolf Hagedorn, que trabalhou no Cern, procurou prever a produção de partículas nessas colisões. Apoiado apenas nos estudos de raios cósmicos, ele formulou o conceito de fireballs [bolas de fogo] para explicar a cascata de partículas formadas. Com essa hipótese, previu a temperatura-limite correspondente à transição de fase entre os regimes confinado e desconfinado. O aspecto central de sua teoria é a autossemelhança das fireballs. Hagedorn não usou a palavra ‘fractal’ porque esse conceito nem existia. Mas, depois que Mandelbrot [o matemático polonês, naturalizado francês, Benoît Mandelbrot (1924-2010)] cunhou o termo ‘fractal’, vemos que as fireballs são fractais”, informa Deppman.

Segundo o pesquisador, é possível generalizar a teoria de Hagedorn com a inclusão da estatística de Tsallis. Isso foi feito, aliás, em trabalho publicado por ele na revista Physica A em 2012.

“Com essa generalização, obtemos uma termodinâmica autoconsistente que prevê a temperatura crítica da transição para o plasma de quarks e glúons e também fornece uma fórmula para o espectro de massas dos hádrons, dos mais leves aos mais pesados. Há uma forte indicação de que exista uma continuidade conceitual na descrição dos sistemas hadrônicos, desde o plasma de quarks e glúons até os hádrons, e de que a estrutura fractal da cromodinâmica quântica permaneça válida nos dois regimes”, diz.

Deppman pergunta se estruturas fractais não estariam presentes também no eletromagnetismo. Isso explicaria o motivo de tantos fenômenos da natureza, dos relâmpagos aos flocos de neve, exibirem padrões fractais, uma vez que todos eles são governados por forças eletromagnéticas. Também poderia ser uma explicação para o fato de a estatística de Tsallis estar presente em tantos fenômenos. “A estatística de Tsallis tem sido usada para descrever a invariância por transformação de escala, que é um ingrediente fundamental dos fractais”, pontua.

O pesquisador vai ainda mais longe, cogitando se as estruturas fractais não poderiam ser estendidas também aos fenômenos gravitacionais. “A gravitação está fora do alcance de nossa abordagem, porque não se encaixa na teoria de Yang-Mills. Mas nada nos impede de especular de que os fractais possam expressar um padrão subjacente a toda realidade material”, conclui.

O estudo Nonlinear Klein-Gordon equation and the Bose-Einstein condensation teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (21/12954-5, 19/10889-1 e 16/17612-7) e pode ser acessado em https://link.springer.com/article/10.1140/epjp/s13360-022-02511-2.
 

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