Fungo patogênico Aspergillus fumigatus (primeiro à esq.) cresce mais em meio que simula organismo humano do que outras espécies. Uma das razões é presença de proteína que inibe sistema imune (foto: Rafael Sanchez Luperini/FCFRP-USP)

Saúde
Enzima produzida por fungo ajuda a driblar o sistema imune e facilita infecção
22 de janeiro de 2025

Pesquisadores da USP encontraram 62 proteínas específicas dos esporos de uma espécie que causa doença pulmonar, a Aspergillus fumigatus. Resultados publicados em Nature Microbiology mostram que ao menos uma delas tem a função de inibir mecanismos de defesa humanos

Saúde
Enzima produzida por fungo ajuda a driblar o sistema imune e facilita infecção

Pesquisadores da USP encontraram 62 proteínas específicas dos esporos de uma espécie que causa doença pulmonar, a Aspergillus fumigatus. Resultados publicados em Nature Microbiology mostram que ao menos uma delas tem a função de inibir mecanismos de defesa humanos

22 de janeiro de 2025

Fungo patogênico Aspergillus fumigatus (primeiro à esq.) cresce mais em meio que simula organismo humano do que outras espécies. Uma das razões é presença de proteína que inibe sistema imune (foto: Rafael Sanchez Luperini/FCFRP-USP)

 

André Julião | Agência FAPESP – A aspergilose pulmonar invasiva se dá quando os esporos ou conídios lançados no ar por fungos do gênero Aspergilus chegam às vias respiratórias de pessoas com o sistema imune debilitado. A partir daí, a infecção se instala e são poucas as opções de tratamento. Quando a espécie causadora é a Aspergillus fumigatus, a mortalidade pode chegar a 90%.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) compararam o conjunto de proteínas presentes na superfície dos conídios de A. fumigatus com de outras espécies próximas, mas que não necessariamente provocam infecções. Com a abordagem, o grupo descobriu 62 proteínas detectadas exclusivamente em A. fumigatus.

O estudo publicado na revista Nature Microbiology foi liderado por pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP.

Uma das proteínas encontradas, a glicosilasparaginase, chamou a atenção pela capacidade de inibir a produção de defesas por células do sistema imune. Quando em contato com células de camundongos, mutantes do fungo que não produziam a enzima causaram um aumento da secreção das chamadas citocinas inflamatórias, responsáveis por realizar a sinalização inicial para o hospedeiro de que há um invasor.

Por sua vez, as células de camundongos infectadas pela versão selvagem do fungo, em que todos os genes têm seu funcionamento intacto, não secretaram altas concentrações dessas citocinas, sugerindo que a glicosilasparaginase é importante para modular e reduzir a produção das citocinas, dando tempo ao fungo para iniciar e consolidar a infecção.

“Até agora, o papel da glicosilasparaginase não havia sido caracterizado em fungos. Em humanos, a mutação do gene que produz essa enzima causa uma rara doença neurodegenerativa [aspartilglicosaminúria], que se caracteriza pelo acúmulo de glicoasparaginas em vários tecidos do corpo humano, incluindo o sistema nervoso central. Esse acúmulo gera atraso no desenvolvimento, problemas psicomotores, deficiência intelectual e, finalmente, morte prematura. Infelizmente, ainda não há tratamentos disponíveis”, explica Camila Figueiredo Pinzan, primeira autora do estudo e pesquisadora na FCFRP-USP.

Quando os pesquisadores infectaram separadamente camundongos com o fungo na versão selvagem e na mutante (que não produzia glicosilasparaginase), observaram que o segundo grupo apresentou menor carga fúngica nos pulmões em comparação aos animais infectados com a cepa selvagem.

“Isso pode indicar que a falta da enzima glicosilasparaginase faz com que o fungo fique mais propenso à eliminação pelo sistema imune”, completa Pinzan.

Potencial

O trabalho integra projeto apoiado pela FAPESP e coordenado por Gustavo Henrique Goldman, professor da FCFRP-USP.

“Estudos como esse são fundamentais para compreender como os fungos causam infecção e possibilitam identificar novos potenciais alvos para o desenvolvimento de medicamentos. Os conídios representam a célula do fungo que faz o primeiro contato com o sistema respiratório humano e inicia a infecção. Esse trabalho pode representar os primeiros passos para, no futuro, quem sabe, sermos capazes de combater a invasão ainda numa fase inicial”, comenta Goldman.

O pesquisador ressalta ainda que essa é apenas uma de 62 proteínas identificadas no estudo. Outras já estão sendo analisadas em seu laboratório e apresentam potenciais variados como alvos de intervenções futuras.

Não patogênicos

Para descobrir as proteínas presentes nos conídios de A. fumigatus, mas não em outras espécies do mesmo gênero, os pesquisadores estudaram quatro espécies de Aspergillus.

Além de A. fumigatus, foram analisados por técnicas de proteômica os conídios de A. fischeri e A. oerlinghausenensis, conhecidos por não provocarem infecção em humanos, e A. lentulus, que pode causar doença, mas é bem menos virulento do que o A. fumigatus.

“Embora a semelhança entre as espécies possa chegar a 95%, a A. fumigatus pode matar até 90% dos indivíduos infectados, enquanto para as demais não há relatos de quadros de infecções humanas ou raramente ocorrem, no caso de A. lentulus”, conta Thaila Reis https://bv.fapesp.br/pt/pesquisador/75349/, pesquisadora colaboradora da FCFRP-USP, coordenadora do estudo junto com Goldman.

Compreender como os fungos causam infecção e se tornam mais virulentos é essencial para combater os patógenos conhecidos e outros que possam vir a surgir. Pensando nisso, outro trabalho do grupo, publicado na revista Communications Biology, analisa uma espécie que, em tese, não causa doença.

Nele, os autores analisaram o potencial patogênico de 16 cepas da espécie A. fischeri, uma das quatro analisadas no trabalho anterior. Por meio de experimentos em diferentes modelos de células e em animais, os pesquisadores observaram que algumas são, sim, capazes de causar infecção.

“O estudo demonstra que a patogenicidade dos fungos não é obrigatória, mas oportunística. Portanto, o potencial para novos patógenos fazerem o ‘salto’ para humanos e desencadear quadros clínicos pode ser maior do que prevíamos”, nota David Rinker, professor da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, e primeiro autor do estudo, em comunicado à imprensa.

Para Rinker, buscar novos mecanismos compartilhados de virulência também em espécies consideradas não patogênicas pode ajudar a esclarecer como patógenos se originam ou mesmo a prever a emergência de novas doenças.

“Ambos os estudos apontam a necessidade de uma perspectiva mais ampla da virulência fúngica, que inclui até espécies tidas como não patogênicas. Elas podem conter um potencial secreto de causar doença que poderia emergir sob certas condições ambientais ou em pessoas imunossuprimidas”, encerra Goldman.

O trabalho da Nature Microbiology também teve apoio da FAPESP por meio de outros cinco projetos (18/18257-1, 18/15549-1, 20/04923-0, 22/08796-8 e 22/13603-4).

Além do auxílio concedido a Goldman, o trabalho da Communications Biology contou ainda com bolsa da Fundação. Ambos os trabalhos tiveram ainda apoio dos National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos.

O artigo Aspergillus fumigatus conidial surface-associated proteome reveals factors for fungal evasion and host immunity modulation pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41564-024-01782-y.

Já o trabalho Strain heterogeneity in a non-pathogenic Aspergillus fungus highlights factors associated with virulence está acessível em: www.nature.com/articles/s42003-024-06756-8.
 

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