Estudo brasileiro que reconstruiu a história evolutiva dos mamíferos voadores sugere que gasto de recursos para gerar duas crias simultaneamente resulta em diminuição do tempo de vida (morcego da espécie Eptesicus furinalis; foto: Guilherme Siniciato Terra Garbino)

Entre morcegos, capacidade de ter gêmeos está associada a menor longevidade
27 de abril de 2021
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Estudo brasileiro que reconstruiu a história evolutiva dos mamíferos voadores sugere que gasto de recursos para gerar duas crias simultaneamente resulta em diminuição do tempo de vida

Entre morcegos, capacidade de ter gêmeos está associada a menor longevidade

Estudo brasileiro que reconstruiu a história evolutiva dos mamíferos voadores sugere que gasto de recursos para gerar duas crias simultaneamente resulta em diminuição do tempo de vida

27 de abril de 2021
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Estudo brasileiro que reconstruiu a história evolutiva dos mamíferos voadores sugere que gasto de recursos para gerar duas crias simultaneamente resulta em diminuição do tempo de vida (morcego da espécie Eptesicus furinalis; foto: Guilherme Siniciato Terra Garbino)

 

André Julião | Agência FAPESP – Enquanto ratos podem ter meia dúzia de filhotes em uma mesma ninhada e os gambás, algumas dezenas, os morcegos são conhecidos por ter apenas um descendente por vez. Na única família capaz de ter gêmeos – conhecida como Vespertilionidae –, essa característica vem acompanhada de menor longevidade. Estudo brasileiro publicado no Biological Journal of the Linnean Society sugere que a grande alocação de recursos na geração de gêmeos acaba diminuindo o tempo de vida desses pequenos mamíferos.

Assinado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Academia Chinesa de Ciências e das universidades federais de Viçosa (UFV), Sergipe (UFS) e da Paraíba (UFPB), o estudo reconstruiu a história evolutiva dos morcegos e mostrou como a característica de ter gêmeos está diretamente relacionada com a menor longevidade e com o comportamento de se abrigar em folhagens. Os morcegos que dão à luz dois filhotes de uma só vez vivem, em média, nove anos a menos do que os que têm apenas um.

“Mostramos ainda que não há relação entre o tamanho do grupo e a capacidade de ter gêmeos. Essa característica pode ocorrer em espécies que cuidam dos filhotes de forma solitária ou em grandes grupos de mães. Ao que parece, os benefícios da cooperação superam os custos de uma possível competição dentro do grupo”, explica Guilherme Siniciato Terra Garbino, primeiro autor do estudo realizado durante estágio de pós-doutorado na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da USP, com bolsa da FAPESP.

A análise filogenética, uma reconstrução da história evolutiva de um grupo a partir dos membros viventes, mostrou que a capacidade de ter gêmeos foi adquirida pelo menos duas vezes ao longo da evolução dos morcegos. No entanto, foi perdida em cerca de 18 ocasiões. O processo culminou com apenas a família Vespertilionidae, que tem aproximadamente 490 espécies distribuídas no mundo todo, mantendo essa característica.

“Entre aproximadamente 1.400 espécies de morcego existentes, um evento como esse ter acontecido apenas duas vezes mostra que foi algo muito raro na história dos morcegos. E aconteceu justamente nessa família extremamente rica em espécies, amplamente distribuída e que, portanto, teve um grande sucesso evolutivo. Provavelmente, o ancestral comum dessa família era um animal que tinha gêmeos e isso foi perdido pelo menos 18 vezes. Então é uma característica que apareceu pouco e se perdeu muitas vezes, provavelmente porque tem um grande custo na vida desses animais”, diz Garbino, que atualmente é professor do Departamento de Biologia Animal da UFV.

Berçário sob as folhas

O trabalho mostrou ainda uma correlação entre o tipo de abrigo e a prevalência de gêmeos. As espécies que se abrigam em folhagens de árvores têm mais chances de terem dois filhotes numa mesma gestação do que as que vivem em cavernas ou fendas.

Os pesquisadores acreditam que, por serem mais efêmeras e expostas a intempéries, as folhagens causariam uma perda maior de filhotes. A gravidez de gêmeos nas espécies que vivem sob esses abrigos seria uma forma de mitigar o problema.

No estudo, porém, o tamanho dos grupos não teve influência sobre a prevalência de gêmeos. Os pesquisadores tinham uma hipótese segundo a qual a vida em grandes grupos não seria a regra entre os morcegos que têm gêmeos, uma vez que a aglomeração poderia favorecer uma competição por recursos, como alimento, para os filhotes.

No entanto, as análises estatísticas não mostraram diferenças significativas entre o tamanho dos grupos. As vantagens de viver em grandes aglomerações, como a manutenção da temperatura, aparentemente superam as desvantagens.

“Os morcegos são endotérmicos como nós e, ao se agregarem, elevam a temperatura local. Isso é muito importante para a termorregulação dos filhotes. Na fase de crescimento, quando ainda estão mamando, é bom que eles estejam em uma temperatura quente, pois assim conseguem ter uma taxa de crescimento maior”, afirma o pesquisador.

Ainda que existam cerca de 1.400 espécies de morcego no mundo, os pesquisadores encontraram dados de apenas 550. Num momento em que há uma pandemia causada por um coronavírus, aparentemente originado em morcegos, a falta de conhecimento sobre esses animais deveria ser um incentivo para a realização de mais pesquisas sobre eles.

“Talvez se dividirmos o número de doenças causadas por morcegos pelo número de espécies existentes, não haja tantas moléstias causadas por eles. O que precisamos é estudar mais esse grupo e reforçar a sua conservação, para que saltos de patógenos para outras espécies sejam cada vez mais raros”, encerra.

O artigo Evolution of litter size in bats and its influence on longevity and roosting ecology, de Guilherme Siniciato Terra Garbino, Anderson Feijó, Raone Beltrão-Mendes e Patrício Adriano Da Rocha, pode ser lido em: https://academic.oup.com/biolinnean/article/132/3/676/6090169.
 

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