Cientistas fizeram ensaios em laboratório com ostras-do-mangue (Crassostrea gasar) para avaliar os efeitos toxicológicos de compostos da droga sintética derivada da anfetamina (foto: Andressa Ortega/Campus Experimental do Litoral Paulista, Instituto de Biociências-Unesp)

Poluição
Ecstasy tem potencial de se tornar poluente emergente na baía de Santos
12 de setembro de 2025

Efeitos toxicológicos da droga em animais marinhos podem ser maiores do que os da cocaína, constataram pesquisadores da Unifesp; resultados preliminares do estudo foram apresentados durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada sobre Poluentes Emergentes

Poluição
Ecstasy tem potencial de se tornar poluente emergente na baía de Santos

Efeitos toxicológicos da droga em animais marinhos podem ser maiores do que os da cocaína, constataram pesquisadores da Unifesp; resultados preliminares do estudo foram apresentados durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada sobre Poluentes Emergentes

12 de setembro de 2025

Cientistas fizeram ensaios em laboratório com ostras-do-mangue (Crassostrea gasar) para avaliar os efeitos toxicológicos de compostos da droga sintética derivada da anfetamina (foto: Andressa Ortega/Campus Experimental do Litoral Paulista, Instituto de Biociências-Unesp)

 

Elton Alisson | Agência FAPESP – Após constatar a presença de cocaína não só na água da baía de Santos como também em sedimentos e organismos marinhos, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaboradores estão avaliando eventuais riscos de outro potencial poluente emergente: a MDMA (3,4 metilenodioximetanfetamina), conhecida popularmente como ectasy ou “bala do amor”. Embora a presença da substância ainda não tenha sido detectada no litoral  paulista, teme-se que isso possa acontecer em função do aumento do consumo no Brasil

A fim de avaliar os possíveis efeitos toxicológicos em animais marinhos de compostos originais e metabóticos dessa droga sintética derivada da anfetamina, que após serem excretados podem chegar à água de lagos e mares devido à ineficácia de remoção em estações de tratamento de esgoto, os pesquisadores realizaram ensaios em laboratório com ostras-do-mangue (Crassostrea gasar).

Os resultados dos testes com essa espécie de ostra nativa do Brasil, que em razão de sua capacidade de bioacumulação é reconhecida como um excelente organismo sentinela para avaliar impactos ambientais de poluentes, indicaram que os efeitos toxicológicos do ecstasy em animais marinhos podem ser maiores do que os da cocaína.

Algumas das principais conclusões do estudo, apoiado pela FAPESP, foram apresentados durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada sobre Poluentes Emergentes, que acontece até sábado (13/09), em Santos.

“O consumo de ecstasy está começando a crescer no Brasil e, principalmente, no Estado de São Paulo. Apesar de a concentração teoricamente ser menor no mar, sua toxicidade pode ser maior. Portanto, os efeitos tóxicos em animais marinhos são mais graves”, disse à Agência FAPESP Camilo Dias Seabra, professor da Unifesp e coordenador do projeto.

Os pesquisadores constataram que a exposição das ostras-do-mangue ao MDMA causou efeitos significativos tanto letais (5.000 nanogramas por litro, ng.L-1) quanto subletais (5 a 50 ng.L-1), especialmente em concentrações ambientais, o que indica a sensibilidade das ostras a esse contaminante.

Em ensaios anteriores voltados a avaliar os efeitos de exposição à cocaína em mexilhões-marrons e enguias, os pesquisadores constataram que os impactos nesses animais foram observados com menores concentrações da droga em comparação com o ecstasy. “Os efeitos do ecstasy nesses animais marinhos podem ser exacerbados em comparação com os da cocaína”, ressaltou Seabra.


Exposição das ostras-do-mangue ao MDMA causou efeitos letais e subletais (foto: Andressa Ortega/CLP-IB-Unesp)

Parceria

Nos últimos dez anos, o grupo da Unifesp em colaboração com colegas e estudantes das universidades Estadual Paulista (Unesp), campus do litoral paulista, e Santa Cecília (Unisanta) têm realizado estudos ecotoxicológicos sobre poluentes emergentes encontrados em zonas costeiras no Brasil, como na baía de Santos.

Entre as substâncias que já identificaram – não só na água, mas também em sedimentos e organismos marinhos em toda a região do litoral paulista em concentrações ambientalmente relevantes – estão o ibuprofeno, paracetamol e diclofenaco, entre outros medicamentos, além de cafeína, cocaína e de seu metabólito benzoilecgonina (leia mais em: agencia.fapesp.br/51489).

Para este estudo recente, os pesquisadores obtiveram amostras de MDMA provenientes da Europa e apreendidas no Porto de Santos por agentes da Polícia Civil de São Paulo, doadas ao laboratório da Unifesp de Santos mediante autorização da Justiça.

Essa parceria com a polícia e o poder judiciário tem sido fundamental para a continuidade dos estudos e avanço no conhecimento sobre os riscos ambientais e à saúde humana das drogas ilícitas e seus metabólitos, que são considerados poluentes de preocupação emergente e não estão incluídos em legislação sobre monitoramento ambiental, sublinha Seabra.

“Como temos amostras dessas drogas superpuras no laboratório, com a autorização da Justiça, podemos entender os impactos ambientais e nos organismos marinhos. Isso possibilita a realização de experimentos maiores, em altas concentrações”, afirmou.

O envolvimento da polícia e da justiça para viabilização dos projetos também proporciona aos pesquisadores brasileiros uma vantagem em comparação com outros laboratórios internacionais que realizam estudos nessa área e que, muitas vezes, não têm acesso a quantidades necessárias de amostras de drogas para a realização de ensaios, apontou Seabra.

Um dos maiores especialistas internacionais em estudos sobre efeitos ecotoxicológicos de drogas ilícitas, Marco Parolini, professor da Universidade de Milão e um dos convidados estrangeiros da ESPCA sobre contaminantes emergentes, contou durante o evento que não tem o mesmo nível de acesso dos pesquisadores brasileiros a amostras de drogas superpuras. “O acesso a essas drogas na Itália, ainda que para fins científicos, é altamente restrito”, comparou.

Em contrapartida, a polícia também tem se beneficiado dos resultados dos estudos realizados pelos pesquisadores brasileiros. Com base nos registros de drogas ilícitas de cocaína e de seu metabólito benzoilecgonina encontrados pelos pesquisadores na água e em sedimentos e organismos marinhos em canais urbanos, rios costeiros, praias, emissários submarinos e estuários, tem sido possível compreender melhor a presença das drogas nas vias aquáticas no litoral paulista.

“O monitoramento sazonal de drogas ilícitas como a cocaína em ambientes costeiros é fundamental no Brasil, pois se transformaram em um problema ambiental na costa brasileira”, afirmou Seabra.

As concentrações de cocaína registradas pelos pesquisadores na baía de Santos, por exemplo, são mil vezes maiores do que as encontradas na baía de São Francisco nos Estados Unidos. Mas, além de Santos, tem sido registrada a presença da droga e da benzoilecgonina em animais marinhos em outras cidades litorâneas brasileiras.

Em julho de 2024, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz publicaram os resultados da dissecação de 13 pequenos tubarões nativos das águas do Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Os animais da espécie Rhizoprionodon lalandii, capturados acidentalmente por pescadores, estavam contaminados com cocaína e benzoilecgonina. “Isso está se tornando um problema no ambiente marinho na costa brasileira”, ressaltou o pesquisador.

Tema emergente

Promovido pelo Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Unifesp, com apoio da FAPESP por meio do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), o objetivo do evento sobre contaminantes emergentes é contribuir para a formação de profissionais capazes de lidar com essa e outras questões, desenvolvendo e aprofundando conhecimentos técnicos e ampliando a visão para aplicar abordagens multi e interdisciplinares. Além disso, espera-se que seja uma plataforma multidisciplinar para aumentar a conscientização sobre o tema, sua natureza diversa, riscos potenciais e possíveis soluções.

Durante os 12 dias da programação, os selecionados participam de atividades como aulas teóricas e práticas sobre métodos de amostragem e análises, estudos ecotoxicológicos e métodos de remediação, além de saída a campo, estudos de caso, mesas-redondas, palestras técnicas e um hackathon para fomentar o exercício intelectual e colaborativo, que será aprofundado em pequenos grupos tutorados pelos professores.

O público-alvo é formado por estudantes de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado de diferentes Estados brasileiros e de diversos países.
 

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