Área de desmatamento de floresta próxima ao rio Negro (2016): cientistas alertam que, se o desmatamento continuar sem controle, a extrapolação dos resultados sugere um declínio adicional na precipitação total durante a estação seca e maior elevação da temperatura (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)

Mudanças climáticas
Desmatamento reduz 74% das chuvas e aumenta em 16% a temperatura na Amazônia em época de seca
02 de setembro de 2025
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Pesquisa liderada por cientistas da USP quantifica, pela primeira vez, impactos da perda da floresta e das mudanças climáticas globais no bioma

Mudanças climáticas
Desmatamento reduz 74% das chuvas e aumenta em 16% a temperatura na Amazônia em época de seca

Pesquisa liderada por cientistas da USP quantifica, pela primeira vez, impactos da perda da floresta e das mudanças climáticas globais no bioma

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Área de desmatamento de floresta próxima ao rio Negro (2016): cientistas alertam que, se o desmatamento continuar sem controle, a extrapolação dos resultados sugere um declínio adicional na precipitação total durante a estação seca e maior elevação da temperatura (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)

 

COP30

Luciana Constantino | Agência FAPESP – O desmatamento da Amazônia brasileira é responsável por cerca de 74,5% da redução de chuvas e por 16,5% do aumento da temperatura do bioma nos meses de seca. Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram quantificar os impactos da perda de vegetação e das mudanças climáticas globais sobre a floresta.

Liderado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), o estudo traz resultados fundamentais para orientar estratégias eficazes de mitigação e adaptação, temas-alvo da Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30, marcada para novembro em Belém (PA). Os resultados do trabalho estão publicados na última edição da Nature Communications e são destaque da capa da revista.

Os cientistas analisaram dados ambientais, de mudanças atmosféricas e de cobertura da terra de aproximadamente 2,6 milhões de quilômetros quadrados (km2) – 29 blocos com área de cerca de 300 km por 300 km cada um – na Amazônia Legal brasileira em um período de 35 anos (1985 a 2020). Utilizando modelos estatísticos paramétricos, destrincharam os efeitos da perda florestal e das alterações na temperatura, na precipitação e nas taxas de mistura de gases de efeito estufa.

As chuvas apresentaram uma redução de cerca de 21 milímetros (mm) na estação seca por ano, com o desmatamento contribuindo para uma diminuição de 15,8 mm. Já a temperatura máxima aumentou cerca de 2 °C, sendo 16,5% atribuídos ao efeito da perda florestal e o restante às mudanças climáticas globais.

“Vários artigos científicos sobre a Amazônia já vêm mostrando que a temperatura está mais alta, que a chuva tem diminuído e a estação seca aumentou, mas ainda não havia a separação do efeito das mudanças climáticas, causadas principalmente pela poluição de países do hemisfério Norte, e do desmatamento provocado pelo próprio Brasil. Por meio desse estudo, conseguimos separar e dar peso para cada um desses componentes, praticamente mostrando uma espécie de ‘conta a pagar’”, resume o professor Luiz Augusto Toledo Machado.

Pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e colaborador do Departamento de Química do Instituto Max Planck, na Alemanha, Machado diz à Agência FAPESP que os resultados reforçam a importância da conservação da floresta em pé para manter a resiliência climática.

Isso porque a pesquisa mostrou que o impacto do desmatamento é mais intenso nos estágios iniciais. As maiores mudanças no clima local ocorrem já nos primeiros 10% a 40% de perda da cobertura florestal.

“Os efeitos das transformações, principalmente na temperatura e precipitação, são muito mais importantes nas primeiras porcentagens de desmatamento. Ou seja, temos que preservar a floresta, isso fica muito claro. Não podemos transformá-la em outra coisa, como áreas de pastagem. Se houver algum tipo de exploração, precisa ser de forma sustentável”, complementa o professor Marco Aurélio Franco, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.

Franco é primeiro autor do artigo e recebeu bolsa de pós-doutorado da FAPESP, que também apoiou o trabalho por meio de outra bolsa, do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) e de um projeto vinculado ao Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.

O programa é desenvolvido em parceria com a Academia Chinesa de Ciências e tem a pesquisadora Xiyan Xu como uma das responsáveis no exterior e autora do trabalho.

Sensível equilíbrio do ecossistema

A Amazônia, como a maior e mais biodiversa floresta tropical do mundo, tem um importante papel na regulação do clima global. É responsável, por exemplo, pelos chamados “rios voadores” – cursos de água invisíveis que circulam pela atmosfera e abastecem outros biomas, como o Cerrado. As árvores retiram água do solo por meio das raízes, transportam até as folhas e a liberam para a atmosfera em forma de vapor.

No final do ano passado, um grupo internacional de pesquisadores, com a participação de Machado e do professor Paulo Artaxo, também do IF-USP, publicou um estudo na Nature mostrando, pela primeira vez, o mecanismo físico-químico que explica o complexo sistema de formação de chuvas no bioma. Envolve a produção de nanopartículas de aerossóis, descargas elétricas e reações químicas em altitudes elevadas, ocorridas entre a noite e o dia, resultando em uma espécie de “máquina” de aerossóis que vão produzir nuvens (leia mais em: agencia.fapesp.br/53490).

No entanto, o desmatamento e os processos de degradação da floresta contribuem com a alteração desse ciclo de chuvas, provocando a intensificação da estação seca em escala local e aumentando os períodos de incêndios florestais. A Amazônia brasileira perdeu 14% da vegetação nativa entre 1985 e 2023, de acordo com dados do MapBiomas, atingindo uma área de 553 mil km2, o equivalente ao território da França. A pastagem foi a principal causa no período. Mesmo chegando ao segundo menor nível de desmate entre agosto de 2024 e julho de 2025 – uma área de 4.495 km² –, o desafio tem sido conter a degradação, especialmente provocada pelo fogo.

A estação seca – entre junho e novembro – é o período em que os impactos do desmatamento são mais pronunciados, principalmente sobre a chuva. Os efeitos cumulativos intensificam mais a sazonalidade.

Destrinchando os dados

Para chegar aos resultados, os cientistas trabalharam com equações paramétricas de superfície considerando tanto as variações anuais quanto do desmatamento. Elas permitiram separar as contribuições específicas das mudanças climáticas globais e da perda de vegetação. Usaram ainda conjuntos de dados de sensoriamento remoto e de reanálises de longo prazo, incluindo as classificações de uso da terra produzidas pelo MapBiomas.

Além dos achados relacionados à chuva e à temperatura, o grupo analisou dados de gases de efeito estufa. Concluiu que, ao longo do período de 35 anos, o aumento nas taxas de dióxido de carbono (CO) e de metano (CH) foi impulsionado praticamente pelas emissões globais (mais de 99%). Foi observada uma alta de cerca de 87 partes por milhão (ppm) para CO e cerca de 167 partes por bilhão (ppb) para CH.


Foram analisados dados ambientais, de mudanças atmosféricas e de cobertura da terra de aproximadamente 2,6 milhões de km2 na Amazônia Legal brasileira em um período de 35 anos (1985 a 2020) (gráfico: Marco Aurélio Franco et al./Nature Comm., versão)

“Em um primeiro momento, esse resultado parecia antagônico com outros artigos que mostram o impacto do desmatamento na redução da capacidade de a floresta retirar CO2 da atmosfera. Mas não é porque a concentração de CO2 é algo em grande escala. Naqueles eram medições locais de fluxo de CO2. Quando se trata de concentração, o aumento é predominantemente devido às emissões globais”, explica Machado.

No artigo, os pesquisadores alertam que, se o desmatamento continuar sem controle, a extrapolação dos resultados sugere um declínio adicional na precipitação total durante a estação seca e maior elevação da temperatura.

Estudos recentes indicam que o desmatamento na Amazônia já está alterando os padrões da monção sul-americana (fenômeno climático que leva chuvas abundantes para o centro e Sudeste do Brasil durante o verão), resultando em condições mais secas que podem comprometer a resiliência de longo prazo da floresta. Eventos extremos, como as secas de 2023 e 2024, só agravam a situação.

O artigo How climate change and deforestation interact in the transformation of the Amazon rainforest pode ser lido em www.nature.com/articles/s41467-025-63156-0.
 

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