Iceberg na área de trabalho ao largo de Newfoundland, no Canadá, tendo ao fundo o navio de pesquisa (Crédito: Lars Max)

Descoberto o mecanismo que pode provocar o colapso da grande circulação do Atlântico
26 de julho de 2022
EN ES

Processo está ligado ao aquecimento da subsuperfície oceânica, que faz com que as geleiras liberem quantidades colossais de icebergs, diminuindo a salinidade superficial dos oceanos

Descoberto o mecanismo que pode provocar o colapso da grande circulação do Atlântico

Processo está ligado ao aquecimento da subsuperfície oceânica, que faz com que as geleiras liberem quantidades colossais de icebergs, diminuindo a salinidade superficial dos oceanos

26 de julho de 2022
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Iceberg na área de trabalho ao largo de Newfoundland, no Canadá, tendo ao fundo o navio de pesquisa (Crédito: Lars Max)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico – que leva águas quentes do hemisfério Sul para o hemisfério Norte, e traz águas frias do hemisfério Norte para o hemisfério Sul – é um mecanismo fundamental para a regulação do clima do planeta. Essa célula já colapsou no passado, devido a fatores naturais, e seu último colapso teve papel crucial no processo de deglaciação. Agora, a célula está outra vez ameaçada, por causa do aquecimento global. E uma pesquisa recentíssima descobriu a sequência de eventos que provoca o colapso.

O estudo foi realizado por pesquisadores alemães e brasileiros e teve como um dos autores principais o paleoclimatologista Cristiano Mazur Chiessi, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Artigo a respeito foi publicado em Nature Communications: “Subsurface ocean warming preceded Heinrich Events”.

“Investigando sedimentos marinhos coletados entre o Canadá e a Groenlândia, descobrimos que, no passado, o aquecimento da subsuperfície oceânica daquela região fez com que as grandes geleiras que um dia cobriram os territórios que correspondem ao Canadá e ao norte dos Estados Unidos liberassem quantidades colossais de icebergs no Atlântico”, diz Chiessi à Agência FAPESP.

Uma vez no oceano, estes icebergs sofreram derretimento e depositaram sedimentos continentais no fundo. “Foi exatamente a identificação desses sedimentos que, em conjunto com a reconstituição da temperatura da subsuperfície da região, permitiu, pela primeira vez, estabelecer que o aquecimento da subsuperfície precedeu a liberação maciça de icebergs.”

O enorme volume de água doce produzido pelo derretimento dos icebergs modificou a composição do oceano nas altas latitudes do hemisfério Norte. E isso exerceu um tremendo impacto sobre o clima global, porque a região compreendida entre o Canadá e a Groenlândia é um sítio particularmente sensível da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico.

“Essa gigantesca circulação transporta, na superfície, águas quentes e de baixa densidade do Atlântico Sul para o Atlântico Norte. Nas altas latitudes do Atlântico Norte, essas águas superficiais liberam calor para a fria atmosfera. Com isso, ganham densidade e afundam na coluna de água. Uma vez nas profundezas, as águas agora frias e de alta densidade retornam para o sul, até os arredores da Antártica, onde voltam à superfície forçadas por um intenso processo de ressurgência. Ao chegarem à superfície, as águas são aquecidas, perdem densidade e fecham a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico”, descreve Chiessi.

O destaque é que essa circulação não transporta apenas uma enorme quantidade de água, de aproximadamente 18 milhões de metros cúbicos por segundo. Ela também transporta uma quantidade exorbitante de energia: cerca de 100 mil vezes a energia produzida pela usina hidrelétrica de Itaipu. A distribuição espacial desta energia influencia decisivamente o clima em diversas regiões do planeta, incluindo o Brasil. Enquanto uma circulação vigorosa mantém o clima que conhecemos, seu colapso causa uma marcante redistribuição de energia, alterando o clima.

A pesquisa recebeu apoio da FAPESP por meio do projeto “Perspectivas pretéritas sobre limiares críticos do sistema climático: a Floresta Amazônica e a célula de revolvimento meridional do Atlântico”, coordenado por Chiessi.

A Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico colapsou diversas vezes durante o último período glacial, compreendido entre aproximadamente 71 mil e 12 mil anos antes do presente. Outros estudos coordenados por Chiessi, baseados em sedimentos marinhos coletados entre a costa da Venezuela e o Nordeste do Brasil, mostraram que esses colapsos provocaram aumento torrencial de chuvas no Nordeste e forte diminuição da precipitação sobre a Venezuela e o extremo norte da Amazônia. Diminuições de precipitação também foram descritas nas regiões tropicais do norte da África e da Ásia.

Ao descobrir que o aquecimento subsuperficial das altas latitudes do Atlântico Norte precedeu a liberação maciça de icebergs do Canadá e dos Estados Unidos para o oceano Atlântico, os pesquisadores conseguiram estabelecer a sequência de eventos responsável pelo colapso da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico.

“O processo se inicia com um enfraquecimento aparentemente de menor relevância da Célula, que causa o aquecimento subsuperficial nas altas latitudes do Atlântico Norte. Este aquecimento derrete a base das geleiras com terminações oceânicas e faz com que elas se movimentem rapidamente em direção ao oceano, liberando quantidades colossais de icebergs. O derretimento dos icebergs diminui a salinidade das águas superficiais da região, que não atingem mais a densidade necessária para afundarem. E isso faz a Célula colapsar”, informa Chiessi.

O monitoramento da intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico durante as últimas décadas mostra que ela está enfraquecendo. As três principais causas para o enfraquecimento são a intensificação das chuvas nas altas latitudes do Atlântico Norte, o derretimento da calota de gelo existente sobre a Groenlândia e o aquecimento da superfície do planeta. As três causas estão associadas ao aumento da concentração dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera terrestre, devido à ação humana (veja reportagem a respeito publicada na Agência FAPESP  em https://agencia.fapesp.br/23015/).

A descoberta realizada agora indica que o enfraquecimento em curso deve causar um aquecimento subsuperficial anômalo nas altas latitudes do Atlântico Norte, derretendo a base das geleiras com terminações oceânicas existentes hoje sobre a Groenlândia. E isso, em última instância, pode colapsar a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico, agravando ainda mais, e com grande repercussão, a crise climática.

O artigo “Subsurface ocean warming preceded Heinrich Events” pode ser acessado em https://www.nature.com/articles/s41467-022-31754-x.

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