Descoberta nova mosca sem dentes
21 de julho de 2003

Exemplares encontrados em cavernas do Piauí apresentam características morfológicas primitivas, fato pouco comum entre os insetos existentes nas Américas

Descoberta nova mosca sem dentes

Exemplares encontrados em cavernas do Piauí apresentam características morfológicas primitivas, fato pouco comum entre os insetos existentes nas Américas

21 de julho de 2003

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - A quatro quilômetros da cidade de Picos, no Piauí, a caverna Cristovinho guardava uma surpresa para os cientistas. Depois de investigar as características de um inseto de coloração castanha-clara, o veredicto científico surgiu. Um novo gênero deste grupo, nomeado de Edentomyia , que significa mosca sem dentes, estava descoberto.

"A espécie também foi encontrada em outras localidades do Piauí", disse Eunice Aparecida Bianchi Galati, professora do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade São Paulo, à Agência FAPESP.

O novo flebotomíneo – subfamília de insetos muito pilosos, de coloração castanha-clara, que mantêm as asas eretas e entreabertas quando pousam – também está presente no Parque Nacional das Sete Cidades, na Pedra do Castelo e no Parque Nacional da Serra da Capivara. Todas os registros foram feitos em ambientes cavernícolas. "Não se pode afirmar que as ocorrências são exclusivas destas localidades. Os estudos da fauna flebotomínea de cavernas são poucos ainda", afirma Eunice.

Os flebotomíneos constituem um grupo de insetos com origem provável ainda no Período Jurássico. Eles são encontrados em todos os continentes. "Atualmente são conhecidas 880 espécies aproximadamente. São 410 descritas no Velho Mundo ou Oceania e 470 na América", diz a pesquisadora da FSP-USP, que desde os anos 80 estuda os insetos. O interesse dela nos flebotomíneos é devido a algumas espécies transmitirem leishmaniose.

O trabalho com a descrição do novo gênero foi publicado na Revista Brasileira de Entomologia (volume 47, número 1). Assinam também o artigo a entomóloga Alda Lima Falcão e o biólogo José Dilermano Andrade Filho. Ambos são do centro de Referência Nacional e Internacional para Flebotomíneos do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR/Fiocruz).

Os cientistas que analisaram os exemplares do novo gênero de inseto descoberto no Nordeste identificaram várias características morfológicas primitivas na espécie, que recebeu o nome de Edentomyia piauiensis . "Foram assinalados a ausência de dentes no aparelho bucal, além de outras estruturas na cabeça, tórax e genitália. Todas são muito pouco freqüentes nas espécies da América", diz Eunice.

Do ponto de vista filogenético, a identificação dessas estruturas primitivas pode aproximar a nova espécie do Piauí às espécies já registradas na Europa. Os insetos do Velho Mundo, normalmente, são os que apresentam o mesmo grau de primitividade da nova espécie brasileira. Segundo Eunice, era esperado encontrar espécies mais primitivas em cavernas. "Talvez pelo fato de as condições ambientais das cavernas serem mais constantes, pode haver uma pressão seletiva maior em eliminar mutações."

Apesar desta tendência, em vários estudos realizadas pela própria pesquisadora em cavernas do Centro-Oeste e do Sudeste brasileiro não haviam sido encontradas tais características primitivas nos flebotomíneos. Pela classificação filogenética proposta pela própria cientista, e ainda não aceita de forma global, o gênero encontrado no Piauí é o 22º existente no Brasil.

"Esta proposta de classificação baseada em abordagem filogenética implica em mudança no nome das espécies. Existem muitas resistências por parte dos estudiosos. Espero que, com o tempo e melhor divulgação dela, esse comportamento mude", disse.


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