Estudo, realizado em cooperação entre pesquisadores brasileiros e portugueses, demonstrou que alteração no gene que produz a proteína IL-7R origina esse tipo de leucemia. Achado abre caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos para a doença (foto: J. Andres Yunes)

Descoberta mutação genética que desencadeia leucemia aguda grave
15 de dezembro de 2021

Estudo, realizado em cooperação entre pesquisadores brasileiros e portugueses, demonstrou que alteração no gene que produz a proteína IL-7R origina esse tipo de leucemia. Achado abre caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos para a doença

Descoberta mutação genética que desencadeia leucemia aguda grave

Estudo, realizado em cooperação entre pesquisadores brasileiros e portugueses, demonstrou que alteração no gene que produz a proteína IL-7R origina esse tipo de leucemia. Achado abre caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos para a doença

15 de dezembro de 2021

Estudo, realizado em cooperação entre pesquisadores brasileiros e portugueses, demonstrou que alteração no gene que produz a proteína IL-7R origina esse tipo de leucemia. Achado abre caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos para a doença (foto: J. Andres Yunes)

 

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Pesquisadores brasileiros e portugueses descobriram que um tipo agressivo de leucemia linfoide aguda (LLA), câncer mais comum em crianças, é provocado por uma mutação no gene que produz uma proteína envolvida com a imunidade (IL-7R).

“A partir de modelo animal desenvolvido no Brasil, observamos que a ativação contínua da função da proteína IL-7R, mesmo que em níveis fisiológicos de sua expressão, desencadeia a proliferação exagerada de leucócitos (glóbulos brancos) da família dos linfócitos, originando a leucemia aguda grave. O achado é importante, pois, tendo um maior entendimento no nível molecular da doença e suas causas genéticas, é possível propor novos tratamentos, principalmente para os casos de recidiva ou em que o tratamento convencional não funciona”, afirma José Andrés Yunes, pesquisador do Centro Infantil Boldrini e autor do estudo.

O estudo, publicado na revista Nature Communications, foi realizado por pesquisadores do Centro Infantil Boldrini (Brasil) e do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM), de Portugal. A descoberta é resultado de um auxílio de pesquisa concedido pela FAPESP em parceria com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), de Portugal.

De acordo com a pesquisa, a mutação no gene produtor da IL-7R, além de desencadear a leucemia, também estimula novas mutações em outros genes – como o PAX5 e KRAS – que fazem com que a doença progrida.

“A mutação do IL-7R não é suficiente para originar a leucemia. Existem outros genes que também estão envolvidos na doença. Para que a leucemia ocorra são necessárias outras mutações, que colaborem com o IL-7R para interromper o programa de diferenciação celular e fazer com que as células continuem proliferando de maneira exagerada e sobrevivendo”, explica.

A leucemia linfoide aguda (LLA) consiste na proliferação exagerada de células B – progenitoras dos linfócitos. Atualmente terapias convencionais, como a quimioterapia, são eficazes em até 90% dos casos. No entanto, por serem tratamentos difíceis, a média de cura no Brasil está entre 40% e 50%. Nos adultos o sucesso terapêutico é pior que nas crianças, com 30% a 40% de sobrevida.

“A leucemia desenvolvida nos camundongos se assemelha a um subtipo da doença denominado “ph-like”, que é um tipo mais agressivo de leucemia aguda grave e acomete tanto crianças quanto adultos, mas é mais frequente nos adolescentes e adultos jovens”, conta Yunes.

O pesquisador explica que o nome é “ph-like” porque esse tipo de leucemia apresenta um padrão de expressão gênica típico da chamada LLA ph+, que é uma leucemia caracterizada pela presença do cromossomo Philadelphia (ph) resultante da translocação t(9;22). Assim como a LLA ph+, as LLA ph-like apresentam hiperativação de proteína tirosina quinase, que é o que o IL-7R acaba ativando também.

No estudo, os pesquisadores produziram dois modelos de camundongo transgênico, mas o desenvolvido no Brasil foi o que se mostrou mais eficiente para a realização da pesquisa e o entendimento da oncogênese. “Esse modelo experimental poderá agora ser utilizado em novos estudos sobre a doença”, afirma Yunes.

O pesquisador explica que, geralmente, as células costumam controlar a produção do IL-7R para assim evitar a ativação descontrolada da proteína. “Isso se dá principalmente pelo controle no nível da transcrição, que é quando o gene é transcrito em um RNA mensageiro”, diz.

Diferentemente de outros estudos sobre genes relacionados com o aparecimento e crescimento de tumores, os pesquisadores desenvolveram modelo de camundongo transgênico que simulava a mutação no gene IL-7R sem, no entanto, alterar seu controle de transcrição. “Com isso, conseguimos que a proteína IL-7R mutante continuasse sendo produzida nos mesmos estágios da maturação do linfócito e com a mesma intensidade. Assim, o efeito da mutação pode ser avaliado em níveis fisiológicos normais. Era um modelo que poderia não funcionar tão bem como de fato funcionou, mas optamos por ele espelhar melhor aquilo que ocorre em humanos”, explica.

Depois de analisar como a doença era ativada nos animais, as duas equipes realizaram estudos do sequenciamento genômico nas células leucêmicas para identificar quais outros genes estavam alterados. Em Portugal, os pesquisadores realizaram o sequenciamento das células pré-leucêmicas também.

Os pesquisadores realizaram ainda análises no exoma – parte do genoma onde ficam os genes codificadores de proteína e, portanto, onde há mais chance de ocorrerem mutações causadoras de doenças. Por último, eles analisaram todos os dados conjuntamente.

“Em Portugal foram testadas algumas drogas que inibem os efeitos moleculares do IL-7R. Foram realizados estudos com painéis de fármacos que poderão, no futuro, serem testados em animais e depois em humanos até que se comprove a sua efetividade. De qualquer forma, são achados importantes, pois permitem também propor o tratamento mais indicado para cada paciente a partir da identificação dessas alterações”, afirma.

O artigo Interleukin-7 receptor α mutational activation can initiate precursor B-cell acute lymphoblastic leukemia (doi: 10.1038/s41467-021-27197-5), de Afonso R. M. Almeida, João L. Neto, Ana Cachucho, Mayara Euzébio, Xiangyu Meng, Rathana Kim, Marta B. Fernandes, Beatriz Raposo, Mariana L. Oliveira, Daniel Ribeiro, Rita Fragoso, Priscila P. Zenatti, Tiago Soares, Mafalda R. de Matos, Juliana Ronchi Corrêa, Mafalda Duque, Kathryn G. Roberts, Zhaohui Gu, Chunxu Qu, Clara Pereira, Susan Pyne, Nigel J. Pyne, Vasco M. Barreto, Isabelle Bernard-Pierrot, Emannuelle Clappier, Charles G. Mullighan, Ana R. Grosso, J. Andrés Yunes e João T. Barata, pode ser lido em https://www.nature.com/articles/s41467-021-27197-5.  

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