Em camundongos, equipe do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias mostrou que moléculas capazes de bloquear a ligação do peptídeo C5a ao seu receptor celular ajudam a prevenir lesões pulmonares e outras complicações típicas da forma grave da doença (imagem: kjpargeter/Freepik)
Em camundongos, equipe do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias mostrou que moléculas capazes de bloquear a ligação do peptídeo C5a ao seu receptor celular ajudam a prevenir lesões pulmonares e outras complicações típicas da forma grave da doença
Em camundongos, equipe do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias mostrou que moléculas capazes de bloquear a ligação do peptídeo C5a ao seu receptor celular ajudam a prevenir lesões pulmonares e outras complicações típicas da forma grave da doença
Em camundongos, equipe do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias mostrou que moléculas capazes de bloquear a ligação do peptídeo C5a ao seu receptor celular ajudam a prevenir lesões pulmonares e outras complicações típicas da forma grave da doença (imagem: kjpargeter/Freepik)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) identificaram uma nova classe de moléculas capaz de frear a inflamação exacerbada típica da forma grave de COVID-19 sem prejudicar a resposta imune contra o vírus SARS-CoV-2.
Em experimentos com camundongos, os pesquisadores demonstraram que, ao bloquear a ligação de um peptídeo chamado C5a em seu receptor celular (a proteína C5aR1), a inflamação desencadeada pela tempestade de citocina é reduzida. Os resultados foram divulgados no The Journal of Clinical Investigation.
“Estamos estudando essa via já há alguns anos para dor neuropática e doença autoimune. E, quando surgiu a pandemia, logo desconfiamos que bloquear o receptor celular desse peptídeo [C5a] também poderia ser interessante contra a inflamação associada à COVID-19 grave. Isso porque sabemos que, apesar de o C5a ter um papel pró-inflamatório importante, essa via não tem grande atuação no combate à infecção. Trata-se de um mediador que, se bloqueado, não compromete a resposta do indivíduo contra o vírus”, explica Thiago Mattar Cunha, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e integrante do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.
Durante a pandemia ficou evidente que a COVID-19 pode ter uma variação grande no que se refere à gravidade. Enquanto alguns pacientes apresentam sintomas leves ou são assintomáticos, parte dos infectados pelo SARS-CoV-2 desenvolve uma inflamação sistêmica potencialmente fatal desencadeada por uma resposta imune exacerbada – conhecida como tempestade de citocinas. Nesses casos, os pacientes geralmente passam dias internados em terapia intensiva, com necessidade de ventilação mecânica, e apresentam complicações como fibrose pulmonar e trombose.
Cunha explica que o C5 é um mediador inflamatório presente no plasma sanguíneo e integra o chamado sistema do complemento – parte da resposta imune responsável por formar a “cascata” de proteínas que induz uma série de respostas inflamatórias que visam combater a infecção.
Quando ocorre uma inflamação, o peptídeo é ativado (tornando-se a molécula C5a) e passa a ter função pró-inflamatória. “Esse aumento da produção de C5a está ligado a uma série de doenças inflamatórias, como sepse, artrite reumatoide, doença inflamatória do intestino, lúpus, psoríase e também a lesão pulmonar observada em casos graves de COVID-19”, afirma.
Estudos anteriores do CRID já haviam demonstrado que uma das principais vias relacionadas com a lesão pulmonar nos pacientes com COVID-19 era a netose – danos teciduais causados por um mecanismo imune chamado NET (sigla em inglês para rede extracelular neutrofílica), que consiste na saída do material genético contido no núcleo dos neutrófilos (um tipo de leucócito) em forma de redes, que são lançadas pelas células de defesa para o meio extracelular na tentativa de prender e matar bactérias.
Mas foi só após desenvolverem camundongos transgênicos, suscetíveis à COVID-19 e com o gene codificador da proteína C5 inativado, que os pesquisadores puderam elucidar o mecanismo pelo qual a via C5a participa da lesão pulmonar e da inflamação exacerbada observada em pacientes com a forma grave da doença.
De acordo com Cunha, foi possível observar no modelo animal que, quando os neutrófilos chegam ao pulmão do paciente, começam a liberar as NETs, que são lesivas tanto aos patógenos quanto às células do organismo. “É, portanto, uma via que está não apenas envolvida na morte de células epiteliais – o que demonstramos num dos nossos primeiros trabalhos sobre o tema –, como também possivelmente associada às inflamações por tromboembolia no pulmão dos pacientes com COVID-19”, explica o pesquisador (leia mais em: agencia.fapesp.br/33435/).
O achado confirma o papel imunopatológico da sinalização C5a/C5aR1 na COVID-19 e indica que os antagonistas de C5aR1 (moléculas que bloqueiam a ligação com o receptor) podem ser úteis para o tratamento dos casos graves.
“São várias ações acontecendo. O peptídeo C5a atua aumentando a formação das NETs. Já o neutrófilo é recrutado para o pulmão porque há uma produção intensa de citocinas nessa fase da doença. E o C5a ativa ainda mais os neutrófilos no pulmão que, quando ficam superativados, produzem mais NETs. Com tudo isso, é provável que a via esteja envolvida na amplificação da lesão e da inflamação pulmonar”, avalia o pesquisador.
Desde antes do surgimento da COVID-19, o grupo do CRID já vinha colaborando com a farmacêutica italiana Dompé no desenvolvimento de moléculas capazes de bloquear o receptor C5aR1. Parte do trabalho foi publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS) em 2014 (leia mais em: agencia.fapesp.br/20387/).
“No nosso estudo recente, os camundongos que receberam os antagonistas de C5aR1 apresentaram melhora da inflamação. Também demonstramos que, ao bloquear esse sistema, o controle da infecção não é alterado, ou seja, a carga viral continuou a mesma entre os animais que foram tratados com o antagonista e os que não foram”, diz.
Melhorar a inflamação sem impactar a carga viral é um atributo importante da nova molécula. Isso porque, atualmente, uma das principais estratégias para tratar a COVID-19 é o uso de corticoides, medicamentos com ação anti-inflamatória e imunossupressora. Essa classe de fármacos, portanto, reduz a resposta imune contra o SARS-CoV-2 e também contra infecções secundárias, como a pneumonia bacteriana, por exemplo.
Apesar de os pesquisadores do CRID terem feito apenas experimentos em animais, Cunha conta que um estudo publicado no final do ano passado na revista Lancet por grupos europeus lançou luz sobre os benefícios de bloquear a via C5a/C5aR1 em humanos. No estudo, o grupo descreveu o resultado de testes clínicos de fase 3 com o uso de anticorpo monoclonal contra o peptídeo C5a, mostrando ser uma estratégia viável para combater a inflamação exacerbada da COVID-19.
“Quando o anticorpo se liga à molécula de C5a, ele impede a ação no receptor. Isso significa que os testes clínicos estão trabalhando na mesma via que estamos estudando, sinal de que estamos no caminho certo”, comenta Cunha.
A vantagem da estratégia brasileira é que o custo do tratamento com antagonistas do receptor C5aR1 é muito mais baixo do que a terapia com anticorpos monoclonais.
“Os dados desse estudo nos dão evidências clínicas de que bloquear a via C5a/C5aR1 funciona, é um tratamento benéfico. Já trabalhamos com essa via para doenças autoimunes e dor. Acredito que o próximo passo seja iniciar testes clínicos com a molécula antagonista”, comenta.
O artigo C5aR1 signaling triggers lung immunopathology in COVID-19 through neutrophil extracellular traps pode ser lido em: www.jci.org/articles/view/163105.
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