Em ciclo de conferências que celebra Ano Internacional da Química, promovido pela FAPESP e SBQ, cientistas discutem desafios das fontes alternativas de energia e mudanças climáticas (Foto: Eduardo Cesar)

Clima e química
06 de abril de 2011

Em ciclo de conferências que celebra Ano Internacional da Química, promovido pela FAPESP e SBQ, cientistas discutem desafios das fontes alternativas de energia e mudanças climáticas

Clima e química

Em ciclo de conferências que celebra Ano Internacional da Química, promovido pela FAPESP e SBQ, cientistas discutem desafios das fontes alternativas de energia e mudanças climáticas

06 de abril de 2011

Em ciclo de conferências que celebra Ano Internacional da Química, promovido pela FAPESP e SBQ, cientistas discutem desafios das fontes alternativas de energia e mudanças climáticas (Foto: Eduardo Cesar)

 

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – A resposta para alguns dos principais desafios da humanidade no século 21 passa pelos avanços do conhecimento na química, de acordo com cientistas que participaram, no dia 4, em São Paulo, da conferência “Fontes alternativas de energia e mudanças climáticas”.

O evento abriu o ciclo promovido pela FAPESP – por meio da revista Pesquisa FAPESP – e pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ) cujo objetivo é celebrar o Ano Internacional da Química (AIQ-2011).

O ciclo é coordenado por Mariluce Moura, diretora da revista Pesquisa FAPESP, e por Vanderlan da Silva Bolzani, professora do Instituto de Química (IQ) de Araraquara (SP) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro do comitê nacional de atividades do AIQ-2011 da Sociedade Brasileira de Química (SBQ).

Coordenada por Arnaldo Alves Cardoso, professor do IQ-Unesp de Araraquara (SP), a conferência teve a participação de Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Jailson de Andrade, professor do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia, Gláucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, e Luiz Ramos, do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná.

De acordo com o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, que participou da abertura do evento, a Fundação manifestou desde o início o interesse em marcar sua presença nas atividades do AIQ-2011.

“A FAPESP tem o objetivo de promover o desenvolvimento científico e tecnológico no Estado de São Paulo. Isso inclui atividades que valorizem e divulguem a ciência, como o Ano Internacional da Química. São Paulo tem uma pesquisa forte em química e é responsável por quase metade dos 500 doutores formados anualmente na área no Brasil”, disse.

Segundo Vanderlan, o ciclo tem o objetivo de incentivar uma mudança na percepção que o público tem da química. De acordo com ela, fora dos meios acadêmicos, a química é geralmente associada a malefícios como poluição ambiental, alimentação artificial e acidentes radioativos, por exemplo.

“O AIQ-2011 tem o objetivo de enfatizar, em nível global, que a química é uma ciência que tem muito a contribuir com a sustentabilidade do planeta e com o bem-estar das pessoas, possibilitando o desenvolvimento de novos medicamentos, alimentos, produção industrial com impactos ambientais mais baixos e novas fontes de energia limpa”, disse à Agência FAPESP.

“A ideia é que o ciclo promova discussões inteligentes em torno de questões centrais que a química proporciona, levando em conta a ciência básica de qualidade, mas também o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento socioeconômico do país”, disse.

A química, segundo a professora – que também é membro da coordenação do programa BIOTA-FAPESP –, dará uma contribuição especialmente estratégica para o Brasil na área de energia, mudanças climáticas e saúde.

“Não é possível pensar em novas alternativas de energia e em sustentabilidade energética em um mundo com tamanha densidade populacional sem um desenvolvimento fundamentado em uma química inteligente. Nosso grande desafio é fazer com que a química seja uma ciência atraente para a nova geração de cientistas”, afirmou.

A química, segundo ela, tem potencial para ajudar a solucionar os grandes desafios globais – em especial as questões da energia, das mudanças climáticas e da saúde. “Esses três desafios envolvem praticamente todos os ramos da ciência, da medicina à física, da biologia às humanas. Mas a química permeia todos eles”, disse.

Balanço de nitrogênio

Segundo Cardoso, o papel da química na questão das fontes alternativas de energia e das mudanças climáticas tem relação com o grave problema do balanço de nitrogênio no planeta.

Os fertilizantes baseados em nitrogênio foram um avanço que permitiu a revolução verde, que garantiu a sobrevivência de bilhões de pessoas. Mas isso alterou o balanço de nitrogênio na Terra. “Em 1990, o homem já produzia tanto nitrogênio quanto a própria natureza. Com o uso dos fertilizantes, grande parte desse nitrogênio acaba no meio ambiente”, disse.

Na cana-de-açúcar, base do etanol, que é a principal alternativa de combustível limpo no Brasil – com um papel importante na mitigação das mudanças climáticas –, o uso de fertilizantes é pequeno, segundo Cardoso.

“Mas, no caso do etanol, o nitrogênio volta praticamente em sua totalidade ao meio ambiente. Depois, a combustão ainda gera muito mais nitrogênio. Os biocombustíveis são aparentemente corretos do ponto de vista ambiental, mas sua produção gasta água e gera um excesso de nitrogênio que vai acabar nos oceanos e nas águas interiores, podendo provocar excesso de algas e, consequentemente, morte de peixes, perda de biodiversidade e emissões de aerossóis”, disse.

De acordo com Cardoso, a química terá muitos problemas para resolver no contexto das mudanças climáticas. Os combustíveis fósseis geram gases de efeito estufa, enquanto os biocombustíveis dependem de terra, água e fertilizantes. O tratamento dos esgotos também gera nitrogênio reativo.

“Será preciso buscar inovações para minimizar o enxofre nos combustíveis fósseis e produzir fertilizantes inteligentes. No caso dos biocombustíveis, a química terá a missão de obter alternativas produzidas por biomassa vegetal, a partir de plantas que usam menos terra, água e fertilizante. Será importante também desenvolver algas para consumir o nitrogênio reativo, além de melhorar a eficiência de catalisadores dos automóveis”, afirmou.

Idade da aceleração

Nobre afirmou que o impacto profundo das atividades humanas no sistema terrestre já leva muitos cientistas a defender que o planeta entrou em uma nova era geológica depois do Holoceno – o Antropoceno, caracterizado pela aceleração vertiginosa da população, das emissões de carbono e da elevação da temperatura, entre outros itens.

“Hoje estima-se que o mundo ganhe cerca de 9 mil pessoas por hora. A população já cresceu 8,4 vezes desde 1920, aumentando o uso de energia em 26 vezes. Nos últimos anos, houve uma dramática degradação do capital natural do planeta. As curvas das emissões de carbono, nitrogênio e de aumento da temperatura também são exponenciais”, disse.

Essas curvas, no entanto, não poderão manter um crescimento exponencial por muito tempo, segundo Nobre. “Essas curvas serão reguladas, no futuro, por políticas públicas que devem começar a ser implementadas agora, ou por um colapso do sistema terrestre”, afirmou.

De acordo com Nobre, as técnicas disponíveis atualmente para retirar o dióxido de carbono da atmosfera são proibitivas do ponto de vista energético, além de permitirem apenas um sequestro de carbono em ritmo muito lento.

“Desenvolver uma solução para isso não traria uma resposta imediata – mesmo se parássemos completamente de emitir carbono, os problemas não seriam revertidos tão cedo –, mas conseguir essa solução poderá se tornar algo muito importante no futuro”, afirmou.

Além do efeito estufa, as emissões de dióxido de carbono também causam problemas no mar, segundo Nobre. Dos 10 bilhões de toneladas do gás que são lançados na atmosfera por ação humana, cerca de 2 bilhões são absorvidos pelos oceanos, tornando-os mais ácidos.

“Por 25 milhões de anos, o pH dos oceanos variou entre 8,3 e 8, mas a absorção do CO2 está tornando a água mais ácida. A estimativa é que, se o pH chegar a 7,8, isso impossibilitará a formação de aragonita, um mineral essencial para a formação das conchas. Isso poderá ameaçar 40% de todos os organismos marinhos. Esse é um problema essencialmente químico”, disse.

Luz do sol

Para Andrade, a energia, os alimentos e a água serão os principais desafios para a humanidade no século 21, com impacto nas questões do meio ambiente, da pobreza, da população, das doenças, da educação e da democracia.

“No desafio energético, a alternativa nuclear tem grandes limitações: além de ser inviável para aplicação nos transportes, há o problema complexo do manejo dos resíduos. Quanto à célula combustível a hidrogênio – embora resolva o problema dos resíduos –, apresenta um grande obstáculo tecnológico relacionado à geração, estocagem e transporte de hidrogênio. O custo, além disso, é elevado. A energia solar é uma alternativa que precisa ser mais explorada. O desafio é que as células fotovoltaicas convertem no máximo 30% da luz solar em eletricidade e a captação em grande escala é complexa”, disse.

A questão da água, segundo Andrade, se relaciona principalmente à disponibilidade, já que 97% da água do planeta é salgada e só 1% está acessível. De acordo com ele, existem 1 bilhão de pessoas hoje sem acesso à água de qualidade. Quanto aos alimentos, o problema é que 4 bilhões de pessoas vivem em cidades e não produzem comida, apenas consomem.

“A química terá um papel importante na solução desses problemas. Será preciso aprimorar a captura de energia solar e as baterias recarregáveis, melhorar a célula combustível a hidrogênio e criar catalisadores para que o carvão seja usado de forma mais limpa. O uso da biomassa para energia precisará avançar”, afirmou.

Para manter o nível de gases de efeito estufa estabilizado em 550 partes por milhão até 2050 – meta necessária para que a temperatura não suba mais que 2º C, causando mudanças irreversíveis no planeta –, será preciso produzir 20 terawatts a mais de energia sem carbono, segundo Andrade. “Isso é mais que todo o consumo atual de energia. Acredito que só a energia solar poderá prover essa quantidade de energia limpa”, afirmou.

Etanol e biodiesel

Gláucia, que é membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), traçou um panorama histórico das pesquisas relacionadas ao etanol no Brasil.

“O BIOEN, que envolve 314 pesquisadores de 11 países, teve 55 projetos aprovados em seis chamadas, já investiu cerca de R$ 57 milhões e aprovou 118 bolsas de estudo. Pelo menos um terço dos projetos, segundo ela, trata de temas relacionados à química”, disse.

Segundo ela, o programa herdou os dados do projeto Sucest – que envolveu 240 pesquisadores de mais de 40 instituições, sendo 17 delas do exterior – e avaliou o transcriptoma da cana, montando um vasto banco de dados sobre o material genético da planta. Para isso foram sequenciados fragmentos de genes denominados ESTs (etiquetas de sequência expressa).

“O maior desafio da genômica atualmente é o sequenciamento do genoma da cana-de-açúcar, que é extremamente complexo, com mais de 10 bilhões de pares de bases e muitos trechos repetidos. Utilizando uma tecnologia conhecida como shotgun, conseguimos obter 11 milhões de corridas leituras, em seis meses, com cerca de 70% de cobertura de regiões ricas em genes”, disse.

Terceira geração

Ramos, da Universidade Federal do Paraná, falou na conferência sobre as pesquisas brasileiras relacionadas ao biodiesel. Segundo ele, além do biodiesel produzido comercialmente, de primeira geração, os cientistas trabalham em escala piloto com o biodiesel de segunda geração, com base em materiais lignocelulósicos, e pesquisam o combustível de terceira geração, com base em processos fermentativos.

“As principais matérias-primas utilizadas hoje no biodiesel de primeira geração são o óleo de soja (75%), a gordura bovina (20,5%) e o óleo de algodão (2,4%). Mesmo no biodiesel de primeira geração temos problemas com a estabilidade oxidativa e com as propriedades de fluxo a frio”, disse.

Existem várias alternativas de matérias-primas para a segunda e terceira geração, segundo ele, incluindo o óleo de dendê, o pinhão-manso, a graxa de caixas de gordura e as algas e microalgas.

“Nesses casos, no entanto, os problemas são mais graves. As algas e microalgas, em especial, são grandes oportunidades, com múltiplas possibilidades na indústria de transformação. Os principais gargalos são a logística de produção em larga escala, o alto custo da produção de micronutrientes e a ampliação de escala dos fotobiorreatores”, afirmou.

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