Aspirador para coleta de insetos de solo (foto: @bio_insecta)
Expedição científica à Reserva ZF2 do Inpa, a cerca de 80 km de Manaus, coletou mais de 1.400 amostras compostas de milhares de espécimes nos mais diversos ambientes da floresta. Trabalho integra dois megaprojetos apoiados por FAPESP e CNPq
Expedição científica à Reserva ZF2 do Inpa, a cerca de 80 km de Manaus, coletou mais de 1.400 amostras compostas de milhares de espécimes nos mais diversos ambientes da floresta. Trabalho integra dois megaprojetos apoiados por FAPESP e CNPq
Aspirador para coleta de insetos de solo (foto: @bio_insecta)
Leandro Magrini | Agência FAPESP* – Uma equipe de 34 pesquisadores passou seis dias na Amazônia, mais precisamente na Estação Experimental de Silvicultura Tropical, também conhecida como Reserva ZF2 do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), para coletar espécies de insetos que vivem em uma área de 10 mil hectares da maior floresta tropical do mundo.
A expedição, realizada em novembro de 2024, é parte de dois projetos: o “BioInsecta – Biodiversidade de insetos em uma floresta tropical amazônica: riqueza de espécies, estrutura vertical e turnover faunístico”, conduzido no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP, e o “BioDossel – Insetos na copa das árvores”, um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ambos buscam revelar e monitorar a diversidade de insetos que ocupam os diferentes estratos acima do solo, até cerca de 30 metros de altura, para a sua conservação. Segundo os pesquisadores, a copa das árvores (dossel) das florestas tropicais é um dos ambientes terrestres ainda menos estudados pela ciência.
A unidade de conservação em que ocorreu a expedição fica a cerca de 80 quilômetros ao norte de Manaus (AM), na Amazônia Central. O grupo, composto exclusivamente de entomólogos (especialistas em insetos), coletou mais de 1.400 amostras, cada uma formada por dezenas a milhares de insetos dos diferentes grupos (ordens).
A empreitada teve como objetivo a coleta da diversidade de insetos que vivem em ambientes (hábitats) específicos da floresta, como corpos d´água e proximidades, no solo, em troncos, perto de plantas específicas e até acima da copa das árvores. O material foi todo preservado para análises moleculares posteriores em laboratório, o que permitirá aumentar a precisão e acelerar o trabalho de identificação das espécies.
“A gente coletou uma quantidade muito grande de insetos utilizando dezenas de métodos. Esse material vai demorar um pouco para ser analisado, mas conforme os resultados forem sendo divulgados certamente haverá um incremento absurdo de conhecimento sobre a biodiversidade que existe na área”, explica José Albertino Rafael, pesquisador do Inpa e coordenador do projeto BioDossel.
Os projetos BioInsecta/BioDossel deverão se tornar um marco de referência em projetos de grande escala de biodiversidade na literatura científica mundial, tanto em relação ao número de espécies coletadas quanto identificadas e com DNA sequenciado, bem como de novas espécies reveladas. É previsto o estudo do material genético de aproximadamente 500 mil exemplares.
Essa é provavelmente a maior expedição científica em termos do número de entomólogos especialistas em diferentes grupos de insetos na Floresta Amazônica, cobrindo cerca de 20 dentre as 28 ordens reconhecidas para o Brasil. Os pesquisadores estimam que metade dos exemplares coletados durante os seis dias de trabalho de campo seja de espécies novas, isto é, ainda desconhecidas pela ciência.
“Algumas técnicas de coleta recolheram exemplares um a um; e algumas das armadilhas capturaram milhares de exemplares. O número de espécimes coletados ainda é difícil de estimar”, declara Dalton de Sousa Amorim, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, que coordena o projeto BioInsecta. “O mais importante é que as técnicas utilizadas amostraram espécies que não seriam coletadas mesmo após os 14 meses de amostragens nas armadilhas em cascata. Isso ajudará a responder de maneira mais consistente a pergunta sobre o número de espécies de insetos existentes em uma área de 10 mil hectares de floresta tropical”, explica Amorim.
As armadilhas em cascata são o principal método de coleta utilizado nos projetos BioInsecta e BioDossel. Consistem em um sistema de cinco armadilhas integradas em uma cascata, que é içada até a copa das árvores e permanece montada durante 14 meses. Cada armadilha da cascata tem uma altura de 2 metros, permitindo a coleta dos insetos em cinco estratos ou “andares” da floresta – próximo ao nível do solo (0-2 m); no sub-bosque (7-9 m); e em três estratos do dossel da floresta (14-16 m; 21-23 m; e entre 28-30 m). Além da composição (identidade) e do número de espécies, esse sistema de armadilhas também permitirá revelar pela primeira vez como a diversidade de insetos está distribuída ou organizada verticalmente na floresta.
As cascatas de armadilhas foram instaladas em julho de 2024 nas três áreas de estudo e permanecerão montadas até setembro de 2025. A cada 14 dias, os locais de estudo são visitados por pesquisadores para a retirada dos espécimes coletados nos cinco estratos. Contagens preliminares apontam uma média de 59 insetos capturados em cada local de estudo a cada 14 dias.
Estima-se a coleta de mais de 5,5 milhões de exemplares pelas cascatas, além dos espécimes coletados durante a expedição, quando cada pesquisador utilizou uma combinação de técnicas mais adequada para o grupo de insetos de sua especialidade, ultrapassando 30 métodos diferentes.
Turnos de trabalho
Os pesquisadores se dividiram em equipes que se alternavam em trabalho diurno e noturno, de acordo com o hábito (período de atividade) dos insetos do grupo de sua especialidade e/ou para o uso de armadilhas específicas de coleta considerando os micro-habitats ocupados pelos insetos das ordens de interesse – por exemplo, besouros (coleópteros), percevejos e cigarras (hemípteros), moscas e mosquitos (dípteros), abelhas e formigas (himenópteros), borboletas e mariposas (lepidópteros) etc.
Foram usadas armadilhas de busca ativa diurna e noturna para procurar por insetos no solo, na vegetação, na água e suas proximidades. E foram instaladas armadilhas no ambiente, que eram visitadas regularmente depois de algumas horas para a coleta dos espécimes capturados.
Miniestúdio fotográfico improvisado no alojamento da Reserva ZF-2 (foto: Larissa Queiroz)
As armadilhas e os métodos de coleta utilizados incluíram redes entomológicas ou coleta manual ao longo da madrugada para grupos que voam mal ou não voam, como louva-a-deus, bichos-pau e grilos; redes para coleta em meio aquático para insetos que vivem exclusivamente dentro d’água (geralmente imaturos e alguns adultos), como certas espécies de percevejos e besouros; armadilhas instaladas ao lado de corpos d´água para a coleta de insetos que vivem principalmente perto desses ambientes, como tricópteros, libélulas, efêmeras e mosquitos; armadilhas para grupos que vivem no folhiço ou no solo, como colêmbolos, dipluros, proturos e formigas; armadilhas suspensas que utilizam diferentes tipos de “iscas”, como essência de baunilha ou vinagre, e atraem grupos específicos de abelhas ou moscas, respectivamente; e armadilhas luminosas, que utilizam uma fonte de luz artificial e são bastante eficientes para grupos de insetos noturnos, como mariposas e alguns tipos de besouros.
Simeão Moraes, Jovem Pesquisador apoiado pela FAPESP na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), utilizou armadilhas de luz em lençóis para atrair mariposas. O pesquisador está interessado em investigar as espécies de mariposas que vivem acima da copa das árvores da floresta. “Elevar a alguns metros de altura pode trazer resultados diferentes em relação às espécies coletadas, pois elas diferem em relação aos micro-habitats que ocupam”, explica.
Método de coleta utilizando luz artificial e lençol (foto: Larissa Queiroz)
Os indivíduos coletados durante a expedição eram levados até o alojamento, onde um imenso laboratório foi improvisado no campo, permitindo a análise preliminar dos espécimes em estereomicroscópio, o registro fotográfico de espécimes vivos e a conservação dos exemplares para a análise posterior de DNA, que será realizada nos laboratórios das instituições-sede (USP e Inpa), em parceria com a professora Daniela Takiya, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Moraes fez parte da expedição, que incluiu professores, pesquisadores, pós-doutorandos, técnicos e alunos de doutorado de diversas instituições. Mas esse grupo é só uma parte da equipe que integra os projetos BioInsecta e BioDossel, formada por uma rede que já chega a cem pesquisadores de 32 instituições – 24 nacionais e oito internacionais.
Biodiversidade amazônica
As florestas tropicais são um dos biomas de maior diversidade do planeta e estão entre os mais ameaçados em decorrência de ações humanas, como redução e degradação do hábitat, poluição, mudanças climáticas, extração de madeira e mineração, entre outras atividades.
Os insetos representam quase 60% das espécies conhecidas do planeta, considerando toda a diversidade já descrita de plantas, fungos e animais. Além disso, eles compreendem 73% (91 mil espécies) da diversidade de espécies de animais (125 mil espécies) registradas para o Brasil, o que representa 8,4% da diversidade mundial conhecida de insetos (1 milhão e 100 mil espécies), de acordo com o Catálogo Taxonômico da Fauna Brasileira (2023).
Apesar desse cenário, os insetos que vivem na Floresta Amazônica ainda são pouco conhecidos pela ciência, particularmente os que vivem alguns metros acima do nível do solo até a copa das árvores da floresta.
“Há mais de 100 anos foi dito pelo biólogo William Beebe que a fauna de insetos no dossel é como se fosse um outro continente. Tem muitas espécies que estão na copa das árvores e que não estão no solo, só que nunca foram estudadas devido à falta de acesso”, explica Amorim, referindo-se à inexistência de métodos adequados para coletar nesse ambiente. “Esse é um dos motivos dos projetos BioInsecta/BioDossel serem tão importantes, pois permitirão estudar as Amazônias acima do solo”, continua.
Em estudo anterior publicado na revista Scientific Reports por Amorim e colaboradores, que deu origem aos projetos BioInsecta/BioDossel, armadilhas do tipo Malaise foram montadas utilizando como suporte as plataformas de cinco andares de uma torre meteorológica de 40 metros na Reserva ZF2, em alturas muito próximas aos cinco estratos das armadilhas em cascata. Durante duas semanas, foram coletados aproximadamente 38 mil insetos. Um dos achados mais interessantes do trabalho foi revelar que mais de 60% da diversidade de espécies encontrada acima de 8 metros de altura não está presente no solo da floresta.
A Reserva ZF2 é um dos três pontos da Amazônia Central que estão sendo estudados pelos projetos, que incluem ainda um local a oeste do rio Negro (Iranduba/AM) e outro ao sul do rio Solimões (Careiro Castanho/AM).
Torre meteorológica na Reserva ZF-2 do Inpa, um dos locais de estudo dos projetos
BioInsecta e BioDossel na Amazônia Central (foto: Craig Cutler, National Geographic)
Revelar a dimensão do número de espécies de insetos, grupo de maior diversidade conhecida do planeta, em uma área delimitada da Floresta Amazônica, desde o solo até o dossel, é considerado pelos coordenadores dos dois projetos um dos maiores desafios contemporâneos desse campo de estudo. Para superá-lo, os projetos têm dois componentes centrais – o uso do sistema de armadilhas em cascata para a amostragem massiva desde o solo até o dossel; e a utilização de tecnologias inovadoras de sequenciamento de DNA em grande escala combinadas a dados morfológicos para a identificação rápida e precisa de espécies.
O estudo mais abrangente publicado até o momento coletando insetos de forma sistemática e por um longo período (14 meses) do nível do solo até o dossel foi realizado por Yves Basset e colaboradores no Panamá, na floresta tropical de San Lorenzo, onde capturaram aproximadamente 14 mil insetos e outros artrópodes (aracnídeos, piolhos-de-cobra, crustáceos) e reconheceram cerca de 5,9 mil espécies.
A expectativa é estudar o DNA de até 500 mil exemplares. “Não há um número preciso agora, mas a proporção geral de espécies ainda desconhecidas em relação às conhecidas pode ser de 90% a 98% da fauna de insetos da Amazônia”, estima Amorim.
Além da importância incalculável em termos da diversidade que será revelada para a Amazônia, Albertino Rafael ressalta que “esse será um banco de dados muito útil para daqui a seis, dez anos, fazermos novas coletas e vermos qual o impacto do aumento da temperatura, da diminuição de chuvas e das queimadas na população dos insetos” em áreas ainda preservadas da Amazônia, o que deverá fornecer evidências robustas para embasar programas e políticas públicas para a preservação e conservação da floresta e dos insetos.
* Leandro Magrini é bolsista de Jornalismo Científico da FAPESP vinculado ao Projeto Temático BioInsecta.
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