Evento na UFABC reuniu autoridades, pesquisadores e também numerosas comitivas de moradores de comunidades faveladas (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

Ciências Sociais
Centro de Estudos da Favela quer juntar academia e comunidade para gerar conhecimentos e soluções
09 de outubro de 2024

CEFAVELA, o mais novo Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP, foi inaugurado oficialmente nesta semana, na Universidade Federal do ABC

Ciências Sociais
Centro de Estudos da Favela quer juntar academia e comunidade para gerar conhecimentos e soluções

CEFAVELA, o mais novo Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP, foi inaugurado oficialmente nesta semana, na Universidade Federal do ABC

09 de outubro de 2024

Evento na UFABC reuniu autoridades, pesquisadores e também numerosas comitivas de moradores de comunidades faveladas (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que 6,6 milhões de domicílios brasileiros estão localizados em favelas. Alguns estudos apontam que, em cidades como Recife, o percentual da população favelada chega a quase 50%. Na cidade de São Paulo, segundo o Mapa da Desigualdade de 2022, o índice é de 9,4%, alcançando 32,7% no distrito da Vila Andrade, na zona sul paulistana, e 25,1% na Brasilândia, zona norte. No Grande ABC, que participa, com identidade própria, da conurbação que compõe a Região Metropolitana de São Paulo, os domicílios favelados correspondem a 25% do total.

Vale reafirmar o óbvio: favelas e comunidades urbanas assemelhadas (loteamentos precários, palafitas etc.), que abrigam as populações de menor renda, são os territórios mais vulneráveis e especialmente sujeitos a desastres no contexto da emergência climática global.

Com os objetivos de gerar, articular e disseminar conhecimentos sobre as dinâmicas territoriais das favelas, as formas de reprodução das desigualdades espaciais e os potenciais e limites das políticas de urbanização e das intervenções por melhorias, a FAPESP criou o Centro de Estudos da Favela (CEFAVELA). Sediado na Universidade Federal do ABC (UFABC), o CEFAVELA é financiado por meio do Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da Fundação. Seu compromisso é desenvolver pesquisas, formar recursos humanos, transferir tecnologia e difundir conhecimentos para a sociedade, em articulação com instituições, organizações e movimentos comprometidos com a agenda territorial das favelas.

O lançamento oficial do novo centro ocorreu na última segunda-feira (07/10), na UFABC. O evento, que lotou o maior anfiteatro da universidade, reuniu não apenas representantes de instituições públicas, pesquisadores, professores e estudantes, mas também, e principalmente, comitivas muito numerosas e entusiasmadas de moradores de comunidades faveladas. “A construção deste centro de estudos é fundamental também para nós, porque chega de sermos apenas objetos das pesquisas. Nós queremos ser parceiros”, disse Benedito Roberto Barbosa, coordenador da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo.

“Este CEPID tem uma dimensão adicional. O apoio da FAPESP ao Centro de Estudos da Favela exemplifica duas tendências que são convergentes e que se consolidaram na nossa fundação no último quinquênio, seguindo a orientação do seu Conselho Superior. Primeiro: a busca conjunta, de pesquisadores, empresas, governo, por soluções baseadas na ciência e na tecnologia para os gargalos do desenvolvimento do Estado de São Paulo. Segundo: um forte impulso a projetos que tenham impacto em políticas públicas. É isso que nós buscamos e essas duas coisas convergem neste projeto”, afirmou Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, presente na cerimônia de lançamento.


Da esquerda para a direita: Marco Antonio Zago, Benedito Roberto Barbosa, João Whitaker Ferreira, Ana Maria Fonseca de Almeida, Wagner Alves Carvalho, Jeroen Johannes Klink, Leonardo Varallo, Dácio Roberto Matheus, Vahan Agopyan, Marcio Pochmann, Rosana Denaldi, Márcio de Castro e Maria José Soares Mendes Giannini (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

Além de Zago, 12 pessoas compuseram a mesa do evento: Dácio Roberto Matheus, reitor da UFABC; Vahan Agopyan, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo; Leonardo Varallo, coordenador geral de Planos de Mitigação e Prevenção de Riscos da Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades; Marcio Pochmann, presidente do IBGE; Jeroen Johannes Klink, professor da UFABC e diretor do CEFAVELA; Rosana Denaldi, professora da UFABC e vice-diretora do CEFAVELA; Wagner Alves Carvalho, pró-reitor de Pesquisa da UFABC; Marcio de Castro, diretor científico da FAPESP; Ana Maria Fonseca de Almeida, gestora da área de Ciências Sociais da Coordenadoria Geral de Ciências, Humanidades e Artes da FAPESP; Maria José Soares Mendes Giannini, gestora do programa CEPID; João Whitaker Ferreira, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP); e Barbosa.

“O CEFAVELA reforça o próprio projeto político-pedagógico da Universidade Federal do ABC, que busca a interdisciplinaridade e a articulação de novos conhecimentos com propostas concretas para a solução de problemas contemporâneos, como a desigualdade social, de raça e de gênero, a insustentabilidade e a injustiça ambientais”, afirmou Klink.


Jeroen Johannes Klink, professor da UFABC e diretor do CEFAVELA (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

Ele informou que o centro atuará em três grandes áreas: espacializar, dimensionar e qualificar as múltiplas facetas da precariedade habitacional nas favelas; compreender as novas dinâmicas e transformações socioespaciais, econômicas e ambientais complexas nas favelas contemporâneas; compreender e aperfeiçoar as políticas públicas e intervenções em favelas. “O CEFAVELA desenvolverá estudos de casos nacionais e internacionais aprofundados, com destaque para os países da América Latina e em diálogo com experiências na Índia e na África do Sul. Para isso, o centro conta com 38 pesquisadores associados: 11 em instituições acadêmicas estrangeiras, 15 na UFABC e 12 em diversas outras instituições nacionais”, contou.

Conforme informou Denaldi, dificilmente as iniciativas de urbanização de favelas têm alcançado patamares elevados de qualidade, promovido a adequada recuperação ambiental ou solucionado integralmente os problemas existentes. “Além dos problemas não resolvidos, outros surgem. O território continua sendo transformado pela ação de diferentes atores, incluindo o crime organizado. Muitas favelas urbanizadas passam por intenso processo de adensamento e verticalização, que sobrecarrega a infraestrutura implementada, compromete condições de acessibilidade e qualidade das moradias. As áreas de preservação permanente [APPs], áreas livres e espaços de uso público, criados pelos processos de urbanização, têm sido frequentemente reocupados, recriando novas áreas de precariedade e risco”, exemplificou.

A vice-diretora do CEFAVELA ressaltou ser necessário ampliar o conhecimento sobre a apropriação desse território por diversos agentes e sobre práticas cotidianas de promoção imobiliária e autoprodução do espaço. “Isso inclui compreender melhor o funcionamento do mercado imobiliário nas favelas, a variedade de produtos comercializados e os agentes, assim como os mecanismos de financiamento adotados em cada segmento do mercado”, disse.

Um problema urgente enfrentado pelos moradores das favelas é a permanente ameaça de despejo. “Temos mais de 1,5 milhão de pessoas ameaçadas de despejo e de remoção no Brasil”, informou o coordenador da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo. Barbosa contou que os movimentos de moradia estão hoje organizados em 22 Estados da Federação. E que o último encontro nacional deliberou fortalecer ainda mais a atuação dos movimentos nas ocupações, nos territórios ocupados e nas favelas e lutar contra a violência e os despejos. Nessa perspectiva se insere a campanha “Despejo Zero”, liderada pelos movimentos.

O impacto das universidades na sociedade

O presidente da FAPESP destacou o papel do CEFAVELA na trajetória da UFABC, uma universidade extremamente jovem, criada há apenas 18 anos. “As grandes universidades, como esta se propõe a ser, são âncoras indispensáveis para o crescimento e a consolidação da autonomia política, econômica e cultural dos países. Não basta construir prédios, salas de aula. Só isso não cria uma universidade. É necessário equipar laboratórios. E, principalmente, é necessário criar equipes. Porque as verdadeiras universidades, além de praticar o ensino de excelência, precisam ter um impacto na sociedade. A universidade deve se ligar à sua comunidade, à sua região, transferir tecnologias ao sistema produtivo local e participar da busca de soluções para questões socialmente relevantes. Essa ligação da universidade com a sua comunidade é particularmente importante nos países da América Latina”, pontuou.

Zago ressaltou como um indicador de qualidade da UFABC sua inclusão no Programa CEPID. “Esse programa, criado há 25 anos, é hoje o mais competitivo da FAPESP. É aquele no qual é mais difícil inserir e aprovar um projeto. Por isso, hoje é um dia a ser marcado permanentemente na linha de tempo da UFABC, porque a proposta que estamos comemorando aqui foi exaustivamente examinada, em várias rodadas de avaliação, envolvendo análise crítica severa por especialistas do país e do exterior. Sua aprovação é um claro atestado da qualidade da pesquisa, das atividades de inovação e das estratégias de difusão de conhecimento que estão propostas neste projeto”, enfatizou.

Encerrando a rodada de intervenções, o reitor da UFABC afirmou que a fortaleza da FAPESP e das universidades estaduais paulistas vem da autonomia, garantida por lei. “Nós, das universidades federais, cortamos um riscado, como se diz, para sermos universidades de excelência no Estado de São Paulo. Temos o estímulo, temos a referência, mas, embora tenhamos autonomia universitária prevista na Constituição Federal, não temos a autonomia administrativa e financeira de fato. Fomos ameaçados no governo passado de nos usurparem também a autonomia acadêmica. Resistimos. Mas ainda não construímos efetivamente a autonomia administrativa e financeira”, disse.

E continuou: “Gostaríamos de dar muito mais apoio a centros de pesquisa como este e aos próprios núcleos estratégicos da universidade, apoio de pessoal, de estrutura, de instalações, mas estamos limitados na nossa autonomia. Não vamos deixar de fazê-lo. Embora com muitas limitações, vamos sim seguir nos esforçando. Todo o reconhecimento, então, para as nossas equipes de técnicas e técnicos e de pesquisadores nesse desafio que é fazer pesquisa de excelência também nestas condições. Quero dizer que o CEFAVELA é a cara da UFABC e a UFABC é a cara do CEFAVELA, porque a UFABC tem na sua missão a interdisciplinaridade, a excelência e a inclusão social. Ela nasceu dos movimentos sociais de trabalhadores do ABC, reivindicando o ensino superior na região. E se materializou na primeira aula, ministrada no dia 11 de setembro de 2006. Não se faz inclusão apenas levando conhecimento, mas envolvendo diretamente as populações, a comunidade, na construção desse conhecimento. Que a população favelada deixe de ser apenas objeto de pesquisa e se torne pesquisadora, junto com os acadêmicos e com os nossos alunos e alunas”.

A solenidade de lançamento do CEFAVELA pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/live/f4uOusdWVOc.
 

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