Soerguimento de cadeias montanhosas, formação de rios e outros fenômenos ocorridos há 30 milhões de anos foram determinantes para a formação de novas espécies de aracnídeos na porção sul do bioma (da esquerda para a direita: diferentes espécies de opiliões da subfamília Sodreaninae – S. glaucoi, S. leprevosti [fotos: Glauco Machado], S. inscripta and S. Sodreana [fotos: Ricardo Pinto-da-Rocha])

Alta diversidade de opiliões na Mata Atlântica está associada a eventos geológicos antigos
27 de agosto de 2019
EN ES

Soerguimento de cadeias montanhosas, formação de rios e outros fenômenos ocorridos há 30 milhões de anos foram determinantes para a formação de novas espécies de aracnídeos na porção sul do bioma, mostrou estudo

Alta diversidade de opiliões na Mata Atlântica está associada a eventos geológicos antigos

Soerguimento de cadeias montanhosas, formação de rios e outros fenômenos ocorridos há 30 milhões de anos foram determinantes para a formação de novas espécies de aracnídeos na porção sul do bioma, mostrou estudo

27 de agosto de 2019
EN ES

Soerguimento de cadeias montanhosas, formação de rios e outros fenômenos ocorridos há 30 milhões de anos foram determinantes para a formação de novas espécies de aracnídeos na porção sul do bioma (da esquerda para a direita: diferentes espécies de opiliões da subfamília Sodreaninae – S. glaucoi, S. leprevosti [fotos: Glauco Machado], S. inscripta and S. Sodreana [fotos: Ricardo Pinto-da-Rocha])

 

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Na porção sul da Mata Atlântica, entre o Rio de Janeiro e Santa Catarina, existem cerca de 600 espécies de opiliões, aracnídeos que costumam viver em cavernas e florestas úmidas. O número é considerado alto até mesmo para esse bioma, conhecido pela grande biodiversidade, sendo a maior parte das espécies endêmica.

A reconstituição da história evolutiva de uma subfamília de opiliões (Sodreaninae) permitiu explicar esse padrão peculiar de distribuição e surgimento de novas espécies. Ao contrário do que era esperado, a alta diversidade parece estar muito mais ligada a eventos geológicos antigos – como o soerguimento de cadeias montanhosas e a formação de rios – do que às oscilações climáticas recentes (dos últimos 20 mil anos).

A descoberta foi publicada na revista Molecular Phylogenetics and Evolution por um grupo de pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), em parceria com a Universidade Federal de Lavras (UFLA) e o Instituto Geológico de São Paulo. Os pesquisadores se basearam na correlação entre dados evolutivos de sete linhagens de opiliões e a influência de eventos geológicos ocorridos na região nos últimos 30 milhões de anos.

O estudo foi apoiado pela FAPESP, no âmbito do acordo de cooperação Dimensions of Biodiversity entre a National Science Foundation (NSF) e o programa BIOTA-FAPESP.

“Curiosamente, as linhagens são muito mais antigas do que o Último Máximo Glacial quando, há 20 mil anos, mantos de gelo cobriram o norte do planeta e alteraram o clima em todo o mundo. Pelo que vimos em nosso estudo, a partir da análise genética de populações atuais de opiliões, esse grupo começou a se diversificar muito antes, há aproximadamente 30 milhões de anos. Essa descoberta é congruente com a evolução geológica das bacias dos rios Ribeira de Iguape e Paraíba do Sul, por exemplo”, disse Elen Peres, pesquisadora do IB-USP e primeira autora do artigo.

Peres explica que, devido à sensibilidade dos opiliões e sua forte relação com ambientes úmidos, era de se esperar que as mudanças ambientais – causadas pelas oscilações climáticas ocorridas nos últimos dois milhões de anos (Pleistoceno) – pudessem ter afetado suas populações. No entanto, o estudo provou que a especiação dos opiliões ocorreu muito antes, tendo como causa eventos geológicos ainda mais antigos.

O achado remete a Charles Darwin (1809-1882) e sua teoria evolutiva para um tipo de especiação que teve como base o Arquipélago de Galápagos. Lá, ele viu que diferentes ilhas tinham diferentes espécies, relacionadas entre si. De acordo com o estudo brasileiro, a formação do vale do rio Ribeira do Iguape apartou populações inteiras, propiciando, com o tempo, o surgimento de diferentes espécies.

Análise genética

“Já se sabia que na porção sul da Mata Atlântica havia uma distribuição grande e muito peculiar das espécies que formam a família Sodreaninae. A novidade foi a datação de seu surgimento a partir de marcadores moleculares. Com isso, foi possível descobrir que essas espécies são muito mais antigas do que o esperado. Também descobrimos que, para a diversificação desse grupo de opiliões, os eventos geológicos tiveram mais impacto que os climáticos, algo diferente do que ocorreu com espécies de aves e mamíferos, por exemplo, que em geral não são tão antigas em comparação aos opiliões”, disse Ricardo Pinto-da-Rocha, professor do Departamento de Zoologia do IB-USP e autor do artigo.

De acordo com o estudo, a diversificação dos opiliões remonta à evolução geológica da parte sul da Mata Atlântica, que passou por transformações complexas desde a divisão dos continentes africano e sul-americano, no período do Cretáceo Superior (há mais de 100 milhões de anos). O evento teve consequências milhões de anos depois, como o soerguimento de cadeias montanhosas e processos de erosão, e também foi marcado por intenso magmatismo.

Esse processo, há cerca de 60 milhões de anos, culminou na formação de extensas fendas na área continental no Sudeste do Brasil (área de 900 quilômetros entre Curitiba e Niterói), nas quais surgiram rios importantes como o Ribeira do Iguape e o Paraíba do Sul.

O artigo destaca que o rio Paraíba do Sul está a 550 e 400 metros (m) acima do nível do mar, cercado por outras elevações como a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, com elevações superiores a 2 mil metros, que constituem barreiras geográficas.

“As espécies de opiliões foram surgindo em tempos diferentes, entre 35 e 10 milhões de anos”, disse Pinto-da-Rocha.

A correlação de dados moleculares, climáticos e geológicos busca esclarecer uma das principais dúvidas em relação à Mata Atlântica: como a biodiversidade do bioma foi formada.

“Como se trata de uma biodiversidade muito elevada e com alta taxa de endemismos, ainda não se sabe muito bem qual foi o evento que a originou. Provavelmente foram vários distintos”, disse Thadeu Sobral-Souza, pesquisador da UFLA e um dos autores do artigo.

Ele afirma que estudos anteriores majoritariamente ligavam a alta biodiversidade do bioma a eventos climáticos recentes. “Esses estudos mostram que, quando o clima fica mais frio ou mais quente, espécies podem ser extintas em um determinado local ou ter sua distribuição ampliada. Com o estudo, conseguimos mostrar que, pelo menos para esse grupo de opiliões, o papel geológico foi mais decisivo para a diversidade de espécies do que as oscilações climáticas recentes”, disse à Agência FAPESP.

Novas classificações

A análise dos dados genéticos resultou também em uma nova configuração de espécies da subfamília Sodreaninae, que só tinham sido analisadas com base na morfologia até então. As análises moleculares mostraram, por exemplo, que S. sodreana e S. granulata constituem a mesma espécie (que passa a ser denominada S. sodreana). Já S. barbiellinii e S. curupira se revelaram mais ligadas à subfamília Progonyleptoidellinae do que à Sodreaninae.

“Os dados moleculares da S. barbiellinii e S. curupira mostraram que se tratava apenas de uma convergência morfológica. Elas têm um tipo de apêndice com a função de capturar alimentos e, quando isso foi descoberto há 100 anos, colocaram tudo em um grupo. Mas, com a análise genética, descobrimos que essa característica surgiu mais de uma vez em diferentes famílias. Portanto, geneticamente, as espécies se aproximam mais da família Progonyleptoidellinae”, disse Pinto-da-Rocha.

O artigo Phylogeography of Sodreaninae harvestmen (Arachnida: Opiliones: Gonyleptidae): Insights into the biogeography of the southern Brazilian Atlantic Forest (doi: 10.1016/j.ympev.2019.05.028), de Elen Arroyo Peres, Alípio Rezende Benedetti, Silvio Takashi Hiruma, Thadeu Sobral-Souza, Ricardo Pinto-da-Rocha, pode ser lido em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1055790318306286.

  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.