Objetivo do TFFF é criar um sistema internacional de pagamento para mais de 70 países em desenvolvimento localizados principalmente nas três bacias que detêm florestas tropicais: a amazônica, a do Congo e a do Sudeste Asiático (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)

Mudanças climáticas
Fundo para florestas tropicais pode ser estratégico no combate às mudanças climáticas, avaliam cientistas
10 de novembro de 2025

Iniciativa lançada pelo Brasil na Cúpula dos Líderes, em Belém, pode representar novo passo para conter o avanço no desmatamento e na degradação desses ecossistemas, que são os maiores absorvedores globais de carbono da atmosfera

Mudanças climáticas
Fundo para florestas tropicais pode ser estratégico no combate às mudanças climáticas, avaliam cientistas

Iniciativa lançada pelo Brasil na Cúpula dos Líderes, em Belém, pode representar novo passo para conter o avanço no desmatamento e na degradação desses ecossistemas, que são os maiores absorvedores globais de carbono da atmosfera

10 de novembro de 2025

Objetivo do TFFF é criar um sistema internacional de pagamento para mais de 70 países em desenvolvimento localizados principalmente nas três bacias que detêm florestas tropicais: a amazônica, a do Congo e a do Sudeste Asiático (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)

 

COP30

Elton Alisson, de Belém | Agência FAPESP – Um dos países mais frios da Europa, distante a milhares de quilômetros das florestas tropicais existentes no mundo, a Noruega aderiu prontamente ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), lançado oficialmente quinta-feira (06/11), na abertura da Cúpula dos Líderes, em Belém. A razão é muito simples, apontou Andreas Bjelland Eriksen, ministro do Clima e do Meio Ambiente do país nórdico: diminuir o risco que o desmatamento e a degradação desses ecossistemas, mesmo longe de suas fronteiras, representam para a regulação climática do país e de todo o globo terrestre.

“Um dos maiores riscos que enfrentamos hoje é o desmatamento das florestas tropicais, que tem consequências não apenas para o Brasil. Mesmo um país [de clima] frio como a Noruega, no extremo norte do mundo e longe das florestas tropicais, depende da colaboração internacional para gerenciar os riscos e garantir que não sejam destruídas nas próximas décadas”, disse Eriksen.

Principal aposta do Brasil para a COP30, o objetivo do TFFF é criar um sistema internacional de pagamento para mais de 70 países em desenvolvimento, de todos os continentes e localizados principalmente nas três bacias que detêm florestas tropicais: a amazônica, a do Congo e a do Sudeste Asiático.

Na avaliação de cientistas ouvidos pela Agência FAPESP, iniciativas como esta são estratégicas para a conservação das florestas tropicais, cujo desmatamento e degradação contribuem para acelerar os efeitos das mudanças climáticas e colocam em risco a estabilidade ambiental e econômica em escala global.

“O fundo representa uma inovação no mecanismo de financiamento para conservação de florestas tropicais. Basicamente, é um fundo para dar lucro para quem investe e, ao mesmo tempo, auxilia na preservação da floresta”, avalia Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

“É muito importante levarmos em conta que a preservação de florestas tropicais, que são os maiores absorvedores de CO2 [dióxido de carbono] da atmosfera, é estratégica para o nosso planeta e para o futuro das negociações climáticas, porque, se reduzirmos significativamente esses absorvedores de carbono, vamos acelerar a mudança climática”, diz Artaxo.

Por meio da fotossíntese, as florestas tropicais capturam dióxido de carbono da atmosfera e armazenam na biomassa das árvores e no solo, reduzindo a concentração desse gás de efeito estufa e mitigando as mudanças climáticas.

A Amazônia, por exemplo, estoca cerca de 150 a 200 bilhões de toneladas de carbono em sua biomassa. No entanto, o desmatamento e as queimadas liberam esse carbono armazenado, contribuindo significativamente para o aquecimento global.

“A manutenção dessas florestas em pé tem uma dupla função: evita as emissões provenientes do desmatamento e garante que elas continuem absorvendo o carbono da atmosfera, diminuindo, dessa forma, os efeitos das mudanças climáticas”, resume Luiz Aragão, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro da coordenação do PFPMCG.

Incentivos estratégicos

“Temos trabalhado na proteção das florestas tropicais em conjunto com o Brasil e outros países desde 2008 e grande parte do nosso trabalho tem se concentrado na redução do desmatamento. Mas, no ponto em que estamos agora, reduzir o desmatamento das florestas tropicais não será suficiente. Precisamos criar incentivos para preservar as florestas tropicais remanescentes pelo tempo que ainda temos e gostamos do modelo proposto pelo TFFF desde o início porque se cria um valor econômico para permitir que a floresta tropical continue existindo ao longo do tempo e, ao mesmo tempo, gere benefícios financeiros”, avaliou o ministro do Clima e do Meio Ambiente da Noruega.

O fundo pretende angariar aproximadamente R$ 125 bilhões em recursos privados, que serão reinvestidos em projetos com maior taxa de retorno. A diferença entre o que será pago aos investidores e o que será obtido nas aplicações (spread) será voltada a remunerar países que preservam suas florestas tropicais, de forma proporcional à área conservada. Os pagamentos aos países serão baseados em dados de sensoriamento remoto via satélites, que monitoram anualmente a cobertura florestal.

A Noruega se comprometeu a empenhar US$ 3 bilhões nos próximos dez anos no TFFF – a maior alocação de recursos no fundo –, condicionados a critérios específicos. Já a França indicou que poderá investir até US$ 577 milhões até 2030, conforme determinadas circunstâncias, e o Brasil e a Indonésia reafirmaram seus compromissos de US$ 1 bilhão cada.

Portugal anunciou um aporte de US$ 1 milhão. A Alemanha endossou o TFFF e está discutindo seu compromisso financeiro. Já os Países Baixos declararam que estão considerando apoiar a iniciativa. Ao todo, 34 países com florestas tropicais teriam endossado a declaração do TFFF.

Além de serem sumidouros de carbono, as florestas tropicais também influenciam os ciclos hidrológicos ao promover a evapotranspiração, que contribui para a formação de chuvas e a manutenção da umidade do ar. Ao transpirar grandes volumes de água, elas formam os chamados “rios voadores” – massas de ar carregadas de umidade que transportam chuva para regiões distantes.

Na Amazônia, esse fenômeno é crucial para o regime de chuvas da América do Sul, impactando diretamente a agricultura e a disponibilidade hídrica, explica Aragão.

“A Amazônia presta um serviço para além de suas fronteiras e que se estende para outros biomas. A conservação dessas áreas florestais é estratégica para garantir a segurança energética e a manutenção da balança comercial brasileira favorável, com a agricultura liderando as exportações do país”, apontou.

Importância para a biodiversidade

As florestas tropicais também são os ecossistemas mais ricos em biodiversidade no planeta. A Amazônia, por exemplo, que ocupa menos de 1% da superfície terrestre, abriga quase 10% da biodiversidade do mundo. Ao perder essas florestas, também se extingue toda essa biodiversidade, que nem sequer é conhecida e que não pode ser recuperada mesmo por meio da restauração florestal, pondera Carlos Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES).

“Por meio da restauração florestal só é possível repor, mais ou menos, entre 60% e 65% das espécies de árvores da floresta. Então, com essa medida, já se perde parte da biodiversidade mesmo do sistema arbóreo dessas florestas”, afirma.

Além disso, não se consegue restaurar a complexidade do sistema original, aponta o pesquisador. “Se por um lado é possível restaurar a fisionomia florestal em uma década, por exemplo, não é possível recompor a complexidade de uma floresta nem em séculos. Ela é perdida para sempre. Por isso, conservar a floresta em pé é a melhor e mais eficiente estratégia para manter a biodiversidade e todos os processos funcionando, inclusive o processo evolutivo que também é interrompido quando a floresta é destruída”, disse Joly.

Por meio da conservação também é possível manter a complexidade de interações que ocorrem entre a biota das florestas tropicais e todos os serviços ecossistêmicos prestados por elas, como a polinização, a proteção de recursos hídricos, a manutenção dos estoques de carbono na biomassa e no solo, elenca o pesquisador.

“Por meio da restauração, é possível estocar carbono nos troncos e nas estruturas das árvores, mas não se recompõe toda uma população de animais polinizadores que estavam presentes nelas. Só é possível recuperar uma parte dos serviços ecossistêmicos”, sublinhou Joly, reafirmando por que é mais inteligente a conservação da floresta em pé.

Duas pesquisas publicadas em março de 2025 nas revistas Science e Nature, cujo pesquisador é coautor, apontaram que a crise climática está afetando as florestas tropicais de maneira acelerada, enquanto os processos ecológicos que regem sua adaptação ocorrem em ritmo muito mais lento (leia mais em: agencia.fapesp.br/54291).

Os estudos apontaram que as mudanças nas florestas tropicais podem levar à perda de biodiversidade e a um empobrecimento estrutural desses biomas.

“Mantendo a floresta em pé, é possível dar uma chance para ela responder às mudanças ao longo de um processo adaptativo, que é interrompido no momento em se fragmenta ou que é destruída. Não sabemos dizer o tempo que isso vai levar, mas, certamente, manter a floresta em pé dá uma chance para que isso aconteça”, afirmou.
 

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