Moreia-pintada (Gymnothorax moringa), na parte de baixo da foto, flagrada em meio a um cardume de cotingas (Haemulon aurolineatum), pirajicas (Kyphosus) spp., guarajuba (Caranx latus) e um jaguareçá (Holocentrus adscensionis) ao fundo no Saco da Banana, nos arredores da Ilha da Queimada Grande (foto: Arquivo LabecMar-Unifesp)

Oceanos
Importante região do ecossistema marinho é mais rasa no Atlântico Sudoeste do que se previa, aponta estudo
26 de junho de 2024
EN ES

Grupo da Unifesp determinou, pela primeira vez, limites verticais da região oceânica subtropical que banha a América do Sul. Os chamados ambientes mesofóticos, até então assumidos como iniciados em 30 metros de profundidade, se mostraram bem mais próximos da superfície

Oceanos
Importante região do ecossistema marinho é mais rasa no Atlântico Sudoeste do que se previa, aponta estudo

Grupo da Unifesp determinou, pela primeira vez, limites verticais da região oceânica subtropical que banha a América do Sul. Os chamados ambientes mesofóticos, até então assumidos como iniciados em 30 metros de profundidade, se mostraram bem mais próximos da superfície

26 de junho de 2024
EN ES

Moreia-pintada (Gymnothorax moringa), na parte de baixo da foto, flagrada em meio a um cardume de cotingas (Haemulon aurolineatum), pirajicas (Kyphosus) spp., guarajuba (Caranx latus) e um jaguareçá (Holocentrus adscensionis) ao fundo no Saco da Banana, nos arredores da Ilha da Queimada Grande (foto: Arquivo LabecMar-Unifesp)

 

André Julião | Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de São Paulo apoiados pela FAPESP determinaram, pela primeira vez com precisão, os limites verticais dos ambientes marinhos do Atlântico Sudoeste, a parte do oceano que banha a América do Sul. Os resultados foram publicados na revista Marine Environmental Research.

O principal achado foi a definição dos chamados ambientes mesofóticos, intermediários entre a parte mais superficial e a mais profunda do oceano. Enquanto estudos anteriores determinavam esse limite em 30 metros, medições da incidência de luz e inventários da fauna de peixes realizados pelos pesquisadores apontaram a fronteira entre 15 e 18 metros na região costeira subtropical.

“Além da incidência de luz, que nessa profundidade é apenas 10% do que incide na parte mais superficial, encontramos uma fauna de peixes diferente, além de espécies que circulam entre essas duas faixas”, conta Maisha Gragnolati, primeira autora do estudo, realizado durante mestrado no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Ecologia Marinha e Costeira (PPGBEMC) do Instituto do Mar (IMar) da Unifesp, em Santos.

Essa diferença tão grande entre o que dizia a literatura científica (30 metros) e os achados dos pesquisadores (18 metros) se dá, segundo eles, porque a maior parte dos trabalhos publicados até então era realizada em ambientes tropicais, acima do trópico de Capricórnio. Uma grande porção do Atlântico Sudoeste, contudo, está na região subtropical, abaixo dessa linha.

“Além disso, os estudos normalmente se debruçavam sobre recifes de coral. Aqui no subtropical, porém, predominam recifes rochosos, um ambiente que interage de outra forma com a incidência de luz e com os organismos que vivem nele”, explica Fábio Motta, professor do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LabecMar) da Unifesp e coordenador do estudo.

O trabalho integra o projeto “Ciência aplicada à gestão do uso público e fronteiras do conhecimento de Áreas Marinhas Protegidas: da experiência dos visitantes à biodiversidade de recifes mesofóticos subtropicais”, apoiado pela FAPESP no âmbito do programa BIOTA e coordenado por Motta.

Litoral paulista

Para chegar aos resultados, os pesquisadores realizaram medições de temperatura, relevo, profundidade e propagação de luz, além de inventários de espécies de peixes em torno de ilhas que fazem parte de três unidades de conservação marinhas do Estado de São Paulo: o Parque Estadual da Laje de Santos, a Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Centro e a Estação Ecológica Tupiniquins. No total, foram 12 recifes analisados.

Nos pontos de amostragem, os pesquisadores lançaram ao mar BRUVS (sigla em inglês para “estéreo filmagens subaquáticas remotas com isca”). O equipamento é uma estrutura de alumínio, com duas caixas estanque e câmeras à prova d’água, uma lanterna e um braço com uma caixa na ponta, onde é colocada a isca, sardinha macerada, para atrair os peixes.

Os BRUVS eram lançados em diferentes profundidades (entre 6 e 43 metros) e permaneciam embaixo d’água filmando por uma hora. Além da profundidade, eram registrados a temperatura da água e o relevo submarino. Usando um banco de dados oceânicos internacional, era estimada a penetração da luz em diferentes profundidades.

Junto com as espécies de peixes encontradas, esse dado ajudou a definir as fronteiras verticais do oceano. As chamadas zonas mesofóticas têm como característica uma propagação de apenas 10% da luz que incide na superfície da água.

“Isso tem uma consequência direta na chamada produção primária, que se reflete na menor presença de organismos que fazem fotossíntese e precisam de luz [plantas]. Como esperado, nenhum peixe herbívoro foi encontrado nessa região”, explica Gragnolati.

Os vídeos foram analisados por meio de um software, que permite identificar as espécies de peixes. As imagens possibilitam ainda contar e medir os animais e, com isso, estimar a abundância relativa dos peixes e a biomassa no local.

As espécies foram classificadas de acordo com a alimentação (carnívoras, herbívoras, onívoras etc.) e se eram ou não alvo de pesca na região. A diferença de diversidade entre o ambiente mesofótico e a parte rasa foi de 73%. Um conjunto de oito espécies representou metade da diferença entre os estratos de profundidade.

Pargos (Pagrus pagrus) e serranos-do-atlântico (Diplectrum formosum) foram os peixes mais representativos do mesofótico, enquanto a cotinga (Haemulon aurolineatum) foi a mais registrada nas áreas rasas.

“O estudo também evidenciou os efeitos ecológicos das unidades de conservação marinhas de proteção integral, ou seja, as áreas onde a pesca não é permitida. O Parque Estadual da Laje de Santos, por exemplo, apresentou uma riqueza 2,5 vezes maior e biomassa até oito vezes maior de espécies-alvo quando comparado com áreas onde a pesca é autorizada”, conclui Motta.

Ao mesmo tempo em que tem a maior rede de áreas marinhas protegidas do país, com 53,7% da região costeira com alguma proteção, o litoral paulista tem a maior ocorrência de espécies marinhas ameaçadas de extinção do Brasil. A pesca é proibida em apenas 5,7% do território.

O trabalho foi premiado no início de maio durante o Encontro Recifal Brasileiro (EReBra), ocorrido em Niterói (RJ), na categoria melhor apresentação oral.

O artigo Vertical structure of reef fish assemblages and light penetration reveal new boundaries of mesophotic ecosystems in the subtropical Southwestern Atlantic pode ser lido por assinantes em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0141113624001880.

 

  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.