Fenômeno abre caminho para melhor compreensão das respostas térmicas dos vertebrados frente a inflamações e infecções; característica pode ter sido conservada de ancestral distante ou surgiu de forma independente nos dois grupos (capa da edição de junho do Journal of Physiology destaca trabalho brasileiro / ilustração: Sujata Agarwal-The Journal of Physiology)
Fenômeno abre caminho para melhor compreensão das respostas térmicas dos vertebrados frente a inflamações e infecções; característica pode ter sido conservada de ancestral distante ou surgiu de forma independente nos dois grupos
Fenômeno abre caminho para melhor compreensão das respostas térmicas dos vertebrados frente a inflamações e infecções; característica pode ter sido conservada de ancestral distante ou surgiu de forma independente nos dois grupos
Fenômeno abre caminho para melhor compreensão das respostas térmicas dos vertebrados frente a inflamações e infecções; característica pode ter sido conservada de ancestral distante ou surgiu de forma independente nos dois grupos (capa da edição de junho do Journal of Physiology destaca trabalho brasileiro / ilustração: Sujata Agarwal-The Journal of Physiology)
André Julião | Agência FAPESP – Um fenômeno descrito em ratos e camundongos para tolerar inflamações e infecções severas acaba de ser demonstrado pela primeira vez em frangos. O resultado do estudo, apoiado pela FAPESP, é assinado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de São Paulo (USP) e ilustra a capa do Journal of Physiology.
Os cientistas demonstraram que, também nas aves, a febre não é a única resposta de alteração da temperatura corporal diante de infecções por vírus e bactérias, mas que a hipotermia regulada pode poupar energia do organismo durante quadros infecciosos graves.
“Sabe-se há muito tempo que a febre é uma forma do organismo combater agentes agressores, mas aquecer o corpo demanda bastante energia, o que pode significar um alto custo para o sistema. O que vem sendo mostrado nos últimos anos, inclusive em pessoas internadas em unidades de terapia intensiva, é que muitas vezes o corpo se resfria durante infecções graves, guardando energia e se poupando diante desse quadro severo ”, conta Kênia Cardoso Bícego, professora da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp, em Jaboticabal, e coordenadora do estudo.
O trabalho integra um projeto coordenado por Bícego apoiado pela FAPESP. É parte, ainda, do doutorado de Lara do Amaral Silva concluído na FCAV-Unesp.
Até que trabalhos realizados com mamíferos por outros grupos de pesquisas mostrassem o contrário, a visão sobre a hipotermia durante infecções graves era outra. Acreditava-se que a queda na temperatura era consequência da falta de oxigênio (hipóxia), inferida pela queda da taxa metabólica observada nos experimentos, que por sua vez seria ocasionada por um colapso do sistema.
“Esses trabalhos demonstraram que a queda de temperatura, na verdade, diminui o gasto energético e, com isso, o corpo precisa de menos oxigênio. Além de conservar energia, diminuem-se os danos em tecidos como pulmão e fígado. Portanto, essa é uma resposta benéfica induzida pelo próprio organismo”, explica Bícego.
Um dos coautores do estudo, Alexandre Steiner, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, vem estudando nos últimos anos o mesmo fenômeno em ratos e em humanos. Agora, porém, a hipotermia regulada é demonstrada pela primeira vez em aves.
Possíveis aplicações
Com os dados de mamíferos em mãos, o grupo multidisciplinar da Unesp realizou experimentos com frangos submetidos a uma infecção grave, simulada pela administração de um lipopolissacarídeo encontrado na parede de alguns tipos de bactérias. Assim como os ratos de outros trabalhos, os pintinhos também tiveram uma grande queda na temperatura do corpo e na taxa metabólica.
“Quando em um ambiente frio, normalmente ocorre vasoconstrição na pele para conservar calor dentro do corpo, mas os pintinhos infectados mostraram vasodilatação durante a redução da temperatura corporal, o que demonstra ativação de vias de perda de calor para facilitar a hipotermia”, aponta a pesquisadora.
Além disso, os pesquisadores precisavam de uma demonstração fisiológica de que a hipotermia era controlada. Para isso, utilizaram uma droga que força o aumento da taxa metabólica. Se a hipotermia ocorresse devido à falta de oxigênio nos tecidos do corpo, como era a hipótese até então, a droga não faria efeito nos animais infectados. No entanto, os pintinhos foram capazes de aumentar a taxa metabólica, mas continuaram frios. “Tiramos uma via de indução dessa queda de temperatura, que é a queda da taxa metabólica, mas os animais continuaram induzindo o resfriamento. Se mesmo ‘enganando’ o organismo ele continuou dando a mesma resposta, essa é uma evidência muito forte de que se trata de uma queda regulada da temperatura”, diz.
Em colaboração com Marcos Tulio de Oliveira, professor da FCAV-Unesp também apoiado pela FAPESP, o grupo demonstrou ainda que a atividade das mitocôndrias (unidades celulares de produção de energia) musculares estava intacta durante a hipotermia. Essa é mais uma evidência de que não houve colapso no sistema de produção de energia.
O resultado não traz necessariamente aplicações imediatas, mas reforça o corpo de evidências sobre a importância da hipotermia regulada tanto para a medicina veterinária como para o tratamento de infecções graves, como a sepse, em humanos. “Trata-se de uma mudança de paradigma sobre respostas térmicas frente à inflamação”, afirma Bícego.
Além disso, o estudo indica que essa capacidade pode ter sido herdada de um distante ancestral comum de mamíferos e aves. Outra possibilidade é ter sido adquirida de forma independente pelos dois grupos. Em ambos os casos, é uma demonstração da possível vantagem desse mecanismo durante a evolução dos vertebrados.
“Em um sistema de produção de frangos de corte, por exemplo, em que os animais vivem apenas 40 dias, talvez esses conhecimentos não sejam facilmente aplicados. Mas pensando em produção de matrizes ou em outros animais de produção e de companhia, uma possível aplicação veterinária seria manter animais que estão frios naquela temperatura e não tentar aquecê-los. Claro que para isso teriam de ser feitos testes para condições clínicas específicas”, acredita a pesquisadora, que agora trabalha para compreender melhor os mecanismos que levam à hipotermia regulada em aves.
O artigo Regulated hypothermia in response to endotoxin in birds, de Lara do Amaral-Silva, Luciane H. Gargaglioni, Alexandre A. Steiner, Marcos T. Oliveira e Kênia Cardoso Bícego, pode ser lido em: https://physoc.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1113/JP281385.
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