Células Vero infectadas com a linhagem B do SARS-CoV-2 originalmente descrita no Brasil (imagens superiores) ou com a variante P.1. (imagens inferiores) e marcadas com anticorpos monoclonais direcionados à proteína do nucleocapsídeo (vermelho) e à proteína spike (verde). Núcleos foram marcados em azul e o citoesqueleto, em rosa. Podemos ver que o anticorpo contra Spike não foi capaz de marcar as células infectadas com a variante brasileira (imagem: Henrique Marques Souza/Unicamp)

Anticorpos contra o SARS-CoV-2 gerados em infecção prévia são seis vezes menos eficazes contra variante P.1.
03 de março de 2021
EN ES

Plasma sanguíneo de convalescentes da COVID-19 foi testado na Unicamp contra isolados da variante brasileira obtidos a partir de amostras de pacientes diagnosticados em Manaus. Estudo também avaliou a eficácia do plasma de voluntários imunizados com a CoronaVac

Anticorpos contra o SARS-CoV-2 gerados em infecção prévia são seis vezes menos eficazes contra variante P.1.

Plasma sanguíneo de convalescentes da COVID-19 foi testado na Unicamp contra isolados da variante brasileira obtidos a partir de amostras de pacientes diagnosticados em Manaus. Estudo também avaliou a eficácia do plasma de voluntários imunizados com a CoronaVac

03 de março de 2021
EN ES

Células Vero infectadas com a linhagem B do SARS-CoV-2 originalmente descrita no Brasil (imagens superiores) ou com a variante P.1. (imagens inferiores) e marcadas com anticorpos monoclonais direcionados à proteína do nucleocapsídeo (vermelho) e à proteína spike (verde). Núcleos foram marcados em azul e o citoesqueleto, em rosa. Podemos ver que o anticorpo contra Spike não foi capaz de marcar as células infectadas com a variante brasileira (imagem: Henrique Marques Souza/Unicamp)

 

Karina Toledo | Agência FAPESP* – Experimentos laboratoriais conduzidos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicam que anticorpos presentes no plasma sanguíneo de pessoas que já tiveram COVID-19 e se recuperaram são cerca de seis vezes menos eficientes para neutralizar a variante brasileira do SARS-CoV-2, denominada P.1., do que a chamada linhagem B, que circulou no país nos primeiros meses da pandemia.

O estudo mostra ainda que o plasma coletado de indivíduos que receberam a segunda dose da CoronaVac há cerca de cinco meses apresenta baixa quantidade de anticorpos capazes de neutralizar o novo coronavírus – tanto a linhagem B quanto a variante P.1. Os dados foram divulgados segunda-feira (01/03) na plataforma Preprints with The Lancet e ainda estão em processo de revisão por pares.

“O que esses resultados preliminares sugerem é que tanto as pessoas que já tiveram COVID-19 como aquelas que foram vacinadas podem ser infectadas pela nova variante P.1. e, portanto, não devem se descuidar”, alerta José Luiz Proença Módena, professor do Instituto de Biologia (IB-Unicamp) e coordenador da investigação.

Segundo o pesquisador, esse fenômeno é comum e ocorre também com outras vacinas, fazendo com que alguns vírus continuem circulando mesmo após uma população ser imunizada. “Em hipótese alguma ele sugere que a vacina não funciona”, afirma.

Os experimentos descritos no artigo foram realizados com apoio da FAPESP (projetos 16/00194-8 e 20/04558-0) no Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve) do IB-Unicamp, que tem nível 3 de biossegurança (NB3) e é administrado por Módena. O grupo recebeu de colaboradores do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) 20 amostras de secreção nasofaríngea de pacientes infectados pela variante brasileira, que foram inoculadas em culturas celulares suscetíveis ao SARS-CoV-2. A presença da P.1. nas amostras dos pacientes foi confirmada por sequenciamento do genoma viral.

Dois isolados da variante P.1. obtidos a partir das culturas infectadas in vitro foram usados nos testes de neutralização feitos tanto com o plasma de convalescentes quanto de vacinados.

“Nós já tínhamos uma coleção de plasma doado por pessoas que se recuperaram da COVID-19 – todas as amostras com altas quantidades de anticorpos neutralizantes. Esse material foi originalmente colhido e analisado para o tratamento de pacientes em estado grave [método conhecido como transfusão passiva de imunidade ou terapia com plasma convalescente]”, conta Módena à Agência FAPESP.

As amostras de plasma convalescente – coletadas entre dois e três meses após a infecção – foram testadas paralelamente contra a linhagem B e a variante P.1. Os resultados indicam que o potencial de neutralização frente à nova cepa foi em média seis vezes menor.

“Esse é um valor que chama a atenção”, diz Módena. “No caso do vírus influenza [causador da gripe], por exemplo, quando de um ano para outro surge uma nova variante que é seis vezes menos neutralizada pelos anticorpos, já se considera que há escape imune e que é necessário atualizar a vacina.”

Mais estudos são necessários

Os experimentos de neutralização com o plasma de vacinados foram feitos com amostras coletadas de oito voluntários que participaram do ensaio clínico de fase 3 da CoronaVac – imunizante desenvolvido pela empresa chinesa Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan. A imunização ocorreu entre os meses de agosto e setembro de 2020.

Como os testes clínicos de fase 2 já haviam indicado, a quantidade de anticorpos neutralizantes no sangue dos vacinados cai fortemente após aproximadamente seis meses. Desse modo, nos testes in vitro feitos na Unicamp, o efeito de neutralização do plasma sanguíneo foi pequeno tanto contra a P.1. quanto contra a linhagem B. No entanto, os pesquisadores destacam que esses resultados precisam ser interpretados com cautela, pois anticorpos neutralizantes são apenas um dos componentes do sistema imunológico.

“Outros elementos de proteção que podem ser fortemente induzidos pela vacina, como a imunidade celular, provavelmente ainda são capazes de evitar que os imunizados desenvolvam a doença – principalmente as formas mais graves. No entanto, tudo indica que os vacinados não estão livres de se infectarem e de transmitirem o vírus”, avalia Módena.

Segundo o pesquisador, o número de indivíduos avaliados no estudo é pequeno e os resultados não são robustos o suficiente para concluir algo relacionado à eficácia da CoronaVac contra a variante brasileira do novo coronavírus. “São necessários estudos mais aprofundados para avaliar tanto a eficácia da CoronaVac como de outras vacinas contra a P.1.”, diz.

Os autores ressaltam ainda que medidas de higiene e distanciamento social continuam essenciais para controlar a disseminação do vírus, mesmo entre pessoas previamente infectadas ou já vacinadas. “Essas medidas são importantes para evitar possíveis casos de reinfecção, especialmente pelas novas linhagens emergentes”, afirmam.

Participaram dos testes o bolsista William Marciel de Souza, a mestranda Karina Bispo dos Santos, a bolsista de iniciação científica Camila Lopes Simeoni e a doutoranda Pierina Lorencini Parise. Ao todo, a pesquisa contou com cientistas de dez universidades, entre elas Unicamp, Universidade de São Paulo (USP), University of Oxford (Reino Unido) e Washington University in St. Louis (Estados Unidos). Além da FAPESP, o grupo recebeu recursos de Medical Research Council (Reino Unido), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Faepex), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e National Institutes of Health (Estados Unidos).

Revisado por pares

A versão final do artigo, intitulada Neutralisation of SARS-CoV-2 lineage P.1 by antibodies elicited through natural SARS-CoV-2 infection or vaccination with an inactivated SARS-CoV-2 vaccine: an immunological study, foi publicada na revista The Lancet Microbes em 08 de julho de 2021. O texto traz resultados de testes feitos com plasma de 21 doadores de sangue na fase de convalescência da COVID-19 (infectados pela linhagem B) e de 53 pessoas que receberam a vacina CoronaVac. Os dados finais confirmam que a linhagem P.1 pode escapar da neutralização por parte dos anticorpos gerados após a imunização ou durante infecção natural ocorrida no início da pandemia.

* Texto atualizado em 08 de julho de 2021.

  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.