Duas das candidatas em estágio mais avançado de desenvolvimento começam a ser testadas em voluntários brasileiros. Em seminário on-line, pesquisadores que participam dos ensaios clínicos afirmam que, quanto maior o número de imunizantes aprovados, mais chance a humanidade terá de controlar a doença (foto: Pixabay)

Combinar diferentes vacinas poderia ampliar a proteção contra a COVID-19, avaliam cientistas
06 de julho de 2020
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Duas das candidatas em estágio mais avançado de desenvolvimento começam a ser testadas em voluntários brasileiros. Em seminário on-line, pesquisadores que participam dos ensaios clínicos afirmam que, quanto maior o número de imunizantes aprovados, mais chance a humanidade terá de controlar a doença

Combinar diferentes vacinas poderia ampliar a proteção contra a COVID-19, avaliam cientistas

Duas das candidatas em estágio mais avançado de desenvolvimento começam a ser testadas em voluntários brasileiros. Em seminário on-line, pesquisadores que participam dos ensaios clínicos afirmam que, quanto maior o número de imunizantes aprovados, mais chance a humanidade terá de controlar a doença

06 de julho de 2020
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Duas das candidatas em estágio mais avançado de desenvolvimento começam a ser testadas em voluntários brasileiros. Em seminário on-line, pesquisadores que participam dos ensaios clínicos afirmam que, quanto maior o número de imunizantes aprovados, mais chance a humanidade terá de controlar a doença (foto: Pixabay)

 

Karina Toledo | Agência FAPESP – Mesmo antes de a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciar a COVID-19 como uma emergência de saúde pública de importância internacional, em março deste ano, a busca por uma vacina já tinha começado em diversas partes do mundo. Alguns desses estudos têm avançado com uma velocidade sem precedentes na história e, apenas sete meses após o surgimento do SARS-CoV-2, 18 das mais de 140 formulações criadas a partir de diferentes conceitos já estão sendo testadas em seres humanos.

Duas das candidatas que estão no estágio mais avançado de desenvolvimento – conhecido como ensaio clínico de fase 3, cujo objetivo é avaliar a eficácia da vacina em um grande grupo de voluntários – começam a ser aplicadas experimentalmente no Brasil. Uma delas, a ChAdOx1 nCoV-19, foi desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e licenciada para o laboratório AstraZeneca. A outra, nomeada Coronavac, é fruto do trabalho feito pela empresa chinesa Sinovac Biotech, que firmou um acordo com o Instituto Butantan.

Por ser um dos locais onde o novo coronavírus mais circula atualmente e onde mais casos de COVID-19 são confirmados todos os dias, o Brasil se converteu no local ideal para estudos de eficácia de vacinas e, em breve, outras potenciais candidatas devem aportar por aqui. Mas não se trata de uma corrida para ver qual é a melhor ou qual conseguirá obter primeiro a aprovação das agências reguladoras, afirmam os pesquisadores envolvidos nos ensaios clínicos. Quanto mais vacinas se mostrarem capazes de proteger ao menos em parte os imunizados, mais chance a Humanidade terá de transformar a COVID-19 em uma doença possível de ser controlada, como a gripe.

A avaliação foi feita pelos participantes do seminário on-line “As vacinas contra a COVID-19 em teste no Brasil”, realizado na última quinta-feira (02/07) pelo Canal Butantan em parceria com a Agência FAPESP.

“Ter várias vacinas contra a COVID-19 aprovadas pode ser útil, pois é possível que a melhor estratégia para induzir uma resposta imune protetora seja combinar várias formulações. Além disso, todos esses estudos em andamento nos permitem aprender mais sobre a resposta imune contra o SARS-CoV-2. Entender como essas vacinas protegem pode nos dar uma ideia mais clara de qual é o marcador de proteção contra a COVID-19, o que pode acelerar estudos futuros”, disse o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) Esper Kallás, que coordena no Brasil o ensaio de fase 3 com a Coronavac. A pesquisa, que incluirá quase 9 mil voluntários brasileiros em diferentes estados, é patrocinada pelo Instituto Butantan.

Feita com uma cepa viral isolada de uma paciente em janeiro, e depois inativada em laboratório por meio de processos químicos, a Coronavac avançou rapidamente graças ao conhecimento gerado quando se buscava uma vacina contra o SARS-CoV-1, o coronavírus que entre 2002 e 2003 causou a epidemia de síndrome respiratória aguda grave (SARS) na China e em alguns outros países, contou Ricardo Palacios, diretor médico de Pesquisa Clínica do Instituto Butantan.

“A vacina contra a SARS avançou até a fase 1 dos testes clínicos. Depois o vírus foi contido e o projeto, interrompido. Mas o conhecimento de como desenvolver vacinas contra um coronavírus foi aproveitado. A empresa seguiu um caminho bem tradicional em um tempo muito curto. Normalmente, as diferentes etapas de testes pré-clínicos e clínicos são feitas uma após a outra, mas eles fizeram várias ao mesmo tempo”, contou Palacios.

A segurança da Coronavac e sua capacidade de induzir no organismo uma resposta de defesa foram testadas em diferentes espécies de animais. Observou-se que a imunização reduziu significativamente a carga viral na mucosa nasal dos animais infectados e conferiu proteção significativa contra a infecção do pulmão.

Já nas fases 1 e 2 dos ensaios clínicos foram testados a segurança e o potencial imunogênico de diferentes doses da vacina, com diferentes intervalos entre as duas doses administradas. Até o momento, observou-se que 90% dos voluntários que receberam as duas doses desenvolveram anticorpos neutralizantes contra com o SARS-CoV-2.

O tempo de permanência desses anticorpos no organismo e seu potencial protetor contra a COVID-19 – ou ao menos contra o desenvolvimento de sintomas severos da doença – é algo que somente os ensaios clínicos de fase 3 poderão informar, comentaram os pesquisadores durante o webinar.

“A produção de anticorpos protetores é o mecanismo principal de atuação da maioria das vacinas. Mas no caso de algumas doenças, para que o desempenho seja bom, a vacina também precisa ser capaz de ensinar as células de defesa a agir contra o patógeno, como é o caso das vacinas novas contra herpes zoster, usadas em pessoas com mais de 50 anos”, explicou Kallás.

De acordo com os participantes do evento, tanto a Coronavac quanto a ChAdOx1 nCoV-19 parecem ser capazes de induzir tanto a produção de anticorpos neutralizantes quanto a chamada imunidade celular, que é o treinamento de determinados tipos de linfócito para que se tornem capazes de reconhecer e atacar as células infectadas pelo SARS-CoV-2.

No caso da vacina britânica, a estratégia adotada foi usar um vírus causador de gripe em símios como vetor para induzir no organismo humano a produção de uma das proteínas do novo coronavírus, conhecida como spike. Presente na superfície do microrganismo, essa proteína de espícula se conecta a um receptor presente na membrana da célula humana para infectá-la. Em tese, se o corpo desenvolver defesas contra essa proteína, poderia impedir que o vírus entre nas células e consiga se replicar caso a pessoa seja contaminada.

A estratégia vinha sendo desenvolvida em Oxford havia alguns anos para a criação de uma vacina contra a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), causada pelo coronavírus MERS-CoV. Isso permitiu ao grupo avançar rapidamente para a fase clínica da ChAdOx1 nCoV-19, contou Pedro Folegatti, pesquisador do Jenner Institute, o centro de pesquisa em vacinas da universidade britânica.

“A vantagem dessa tecnologia é que o vetor pode ser adaptado para outras doenças e ele é considerado um bom indutor de resposta humoral [anticorpos] e celular. Há outros grupos testando metodologia semelhante para influenza, tuberculose, febre do Vale do Rift, chikungunya e zika. Todos os estudos mostram perfil consistente de segurança e imunogenicidade com dose única”, disse Folegatti.

Os testes pré-clínicos indicaram que a vacina foi eficaz em proteger a infecção do trato respiratório inferior, que inclui a traqueia, os pulmões, os brônquios, os bronquíolos e os alvéolos pulmonares. No entanto, não mostrou redução significativa da carga viral na mucosa nasal dos animais.

Os ensaios clínicos de fase 1 com a ChAdOx1 nCoV-19 começaram em 23 de abril com 330 voluntários e, cerca de um mês depois, tiveram início as fases 2 e 3. Esta última fase vai incluir cerca de 50 mil voluntários em diversos países, sendo 5 mil no Brasil.

“As negociações para trazer o ensaio de fase 3 para o Brasil começaram em maio. O país estava com uma curva ascendente de infecção e a cidade de São Paulo, então, era o epicentro das infecções no país. Em segundo lugar estava o Rio”, contou a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Lily Weckx, que coordena o braço paulista da pesquisa com a vacina de Oxford. Segundo ela, também haverá vacinação de voluntários na Bahia.

O acordo firmado entre a AstraZeneca e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) prevê a transferência da tecnologia para o Brasil e a licença para produzir o imunizante no país caso ele seja aprovado pelas agências reguladoras.

“O Brasil tem grandes grupos envolvidos em vários estudos de vacina contra a COVID-19 e, a meu ver, isso é algo estratégico para o país. Já que infelizmente nossa situação epidêmica nos fez o local ideal para ensaios de fase 3, que ao menos isso facilite a negociação com as empresas desenvolvedoras, de modo que, se uma ou mais vacinas forem aprovadas, esses imunizantes fiquem disponíveis para a população brasileira, inclusive os mais desfavorecidos”, afirmou Kallás.

Quando a vacina ficará pronta?

Os estudos clínicos em andamento preveem que os voluntários imunizados sejam acompanhados durante 12 meses. No entanto, segundo informou Palacios, é possível que um resultado preliminar seja anunciado antes do término do prazo.

“Se o número de casos entre os imunizados ficar em um patamar considerado satisfatório, um grupo independente de cientistas será chamado para fazer uma avaliação. Se concluírem que o resultado preliminar de eficácia foi estatisticamente significativo, poderá ser anunciado para o público”, disse o diretor do Butantan.

O percentual de pessoas que a vacina precisa proteger para ser considerada eficaz, porém, é algo que ainda não está muito claro. A OMS recomenda algo entre 50% e 70%. Diretrizes recentes divulgadas pela Food and Drug Administration (FDA, agência reguladora norte-americana) determinam que, para poder obter registro nos Estados Unidos, o imunizante deve proteger ao menos uma em cada duas pessoas vacinadas. Na avaliação de Palacios, esse patamar de eficácia seria suficiente.

“Qualquer que seja a vacina aprovada, não vamos acabar com o coronavírus. Ele veio para ficar e vai nos acompanhar durante todas as nossas vidas. O objetivo das vacinas é proteger contra a doença e não contra a infecção. Se conseguirmos alcançar patamares de pelo menos 50%, evitamos o grande problema da sobrecarga no sistema de saúde e da demanda por cuidado intensivo. Assim, convertemos a COVID-19 em algo controlável”, disse.
 

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