Efeito amplo do hormônio, não só no sono, mas também no sistema cardiovascular e em distúrbios metabólicos, ressalta sua importância terapêutica e, por outro lado, a necessidade de maior cuidado no uso e na prescrição (imagem: Bryan Brandenburg/Wikimedia Commons)
Efeito amplo do hormônio, não só no sono, mas também no sistema cardiovascular e em distúrbios metabólicos, ressalta sua importância terapêutica e, por outro lado, a necessidade de maior cuidado no uso e na prescrição
Efeito amplo do hormônio, não só no sono, mas também no sistema cardiovascular e em distúrbios metabólicos, ressalta sua importância terapêutica e, por outro lado, a necessidade de maior cuidado no uso e na prescrição
Efeito amplo do hormônio, não só no sono, mas também no sistema cardiovascular e em distúrbios metabólicos, ressalta sua importância terapêutica e, por outro lado, a necessidade de maior cuidado no uso e na prescrição (imagem: Bryan Brandenburg/Wikimedia Commons)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Após revisar dados de 162 ensaios clínicos, pesquisadores brasileiros concluíram que a melatonina – substância popularmente conhecida como o “hormônio do sono” – pode proteger o coração contra arritmias, doença arterial coronariana, hipertensão e outros distúrbios cardiovasculares.
As conclusões foram divulgadas no International Journal of Molecular Sciences. O trabalho teve apoio da FAPESP e a participação de cientistas das universidades de São Paulo (USP) e Anhembi Morumbi.
“A ação do hormônio sobre a pressão arterial e a frequência cardíaca se dá tanto de maneira periférica nos vasos e no coração, como de modo central no hipotálamo e em outras estruturas do sistema nervoso central. Estudos mostraram o efeito do hormônio até mesmo sobre as mitocôndrias das células, importantes na regulação do sistema cardiovascular”, diz José Cipolla-Netto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e autor principal do artigo.
Além de dados de trabalhos clínicos e ensaios experimentais sobre o papel cardioprotetor da melatonina, os autores apresentam no artigo uma lista de substâncias capazes de imitar a função do hormônio – tecnicamente chamadas de agonistas dos receptores de melatonina. A seleção foi feita com auxílio de ferramentas de inteligência artificial do tipo machine learning, que permitem analisar uma grande quantidade de dados por métodos estatísticos.
Com a tecnologia, foi possível ainda elaborar ensaios experimentais virtuais com o objetivo de encontrar compostos e quantificar, preditivamente, a sua eficiência sobre um determinado sistema, baseado na sua estrutura e em ensaios prévios.
“Com uso de machine learning listamos substâncias semelhantes à melatonina e verificamos quais delas têm potencial ação no sistema cardiovascular e nos receptores de melatonina. De um conjunto imenso de moléculas, encontramos 780 com ação cardiovascular supostamente semelhante à da melatonina”, afirma.
De acordo com o pesquisador, os dados estão abertos e podem guiar o desenvolvimento de novas drogas para doenças cardiovasculares.
Atuação no metabolismo
Cipolla-Neto coordena um Projeto Temático apoiado pela FAPESP sobre o papel da melatonina na regulação do metabolismo energético.
Recentemente, publicou artigo sobre a ação da melatonina em distúrbios metabólicos, no qual ressalta que a baixa produção desse hormônio pode causar sintomas variados, pois a substância interage com vários sistemas do corpo, como o cardiovascular, imunológico, reprodutor, sistema nervoso central e também o metabolismo energético.
“Havia uma concepção errada de que a melatonina, em humanos, pudesse ser, eventualmente, diabetogênica”, diz.
De acordo com o pesquisador, o hormônio tem efeitos noturnos e diurnos distintos. “À noite, quando o hormônio é fisiologicamente secretado, ele de fato reduz a produção de insulina e induz resistência insulínica, pois nessa fase o indivíduo está dormindo e, portanto, em jejum. A melatonina produzida e que atua à noite, por outro lado, determina, durante o dia, aumento da sensibilidade insulínica, aumento da secreção de insulina pelo pâncreas, estimulada pelas incretinas, o que é necessário para a fisiologia do dia.”
Cipolla-Neto afirma que, dessa forma, ao tomar melatonina à noite, é esperado que haja uma melhora no controle glicêmico. “Isso precisava ser esclarecido. Havia dados, mas permaneciam algumas confusões de interpretação sobre a questão de ela ser pró-insulínica ou anti-insulínica”, diz.
Prescrição criteriosa
O pesquisador alerta que a ação ampla da substância no organismo – seja na regulação do sono, no sistema cardiovascular ou na regulação do metabolismo – só reforça a necessidade de que a reposição hormonal seja cuidadosamente calculada de maneira personalizada. “É uma atenção a mais que se deve ter. Por isso, faço questão de dizer que melatonina não é uma substância inócua que possa ser tomada ao bel-prazer. Ela é um hormônio e a sua administração deveria ser rigorosamente controlada.”
Para Cipolla-Neto, primeiro é preciso saber se é necessário fazer a reposição hormonal e depois ajustá-la para cada indivíduo de tal forma que a administração da droga seja exclusivamente noturna. A melatonina não pode estar circulando na corrente sanguínea durante o dia.
De acordo com o pesquisador, também é preciso observar os hábitos de sono de cada pessoa. “Aqueles que em geral dormem por muitas horas, provavelmente produzem o hormônio por mais tempo do que os que precisam de menos horas de sono. Além disso, pessoas que são mais produtivas durante a manhã geralmente têm uma fabricação natural de melatonina que começa no início da noite, enquanto as que são mais produtivas à tarde ou noite somente começam a fabricar o hormônio mais tardiamente. Todos esses fatores – além da idade, peso e condição clínica – devem ser levados em consideração na hora da prescrição.”
Estudos clínicos
O grupo de pesquisadores pretende iniciar um estudo, em parceria com o Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graac), com pacientes que por algum motivo não têm a glândula pineal – responsável pela produção de melatonina.
“Por uma concepção errônea da medicina contemporânea, infelizmente, não se prescreve para os pacientes pinealectomizados [que tiveram a glândula removida] a necessária reposição hormonal com melatonina, por incrível que isso possa parecer. A reposição de melatonina é o que deve ser feito quando, por alguma razão, há a retirada ou destruição de uma glândula e, portanto, a ausência dos seus hormônios”, disse.
Em uma primeira fase, o objetivo do estudo será acompanhar os efeitos terapêuticos da reposição da substância nesses pacientes sem a glândula pineal. “A ideia é descrever uma síndrome do paciente pinealectomizado do ponto de vista metabólico, cardiovascular, neurológico e psicológico, além de estudos associados da ritmicidade circadiana e do ciclo vigília-sono”, diz.
Na segunda linha de estudos, agora experimentais, os pesquisadores vão estudar e caracterizar o papel da melatonina materna durante a gestação e lactação para o desenvolvimento, fisiologia e comportamento da prole.
“Serão gerados filhotes em situação de pouca melatonina durante a gestação e vamos avaliar, na prole, nas diversas idades, o desenvolvimento neuropsicomotor, aspectos de aprendizado e memória, o metabolismo, o sistema cardiovascular, o sistema imunológico, aspectos da ritmicidade circadiana da atividade/repouso, vigília/sono”, diz.
Em paralelo, pretendemos estudar os filhos de mulheres que trabalharam no turno da noite durante a gestação. “É a situação social que imita a situação experimental. Então a pergunta é: como é que estão os filhos dessas mulheres que trabalharam à noite durante a gestação? Vamos fazer estudo metabólico e de desenvolvimento neuropsicomotor dessas crianças”, diz.
O artigo Cardioprotective Melatonin: Translating from Proof-of-Concept Studies to Therapeutic Use (doi:10.3390/ijms20184342), de Ovidiu Constantin Baltatu, Sergio Senar, Luciana Aparecida Campos e José Cipolla-Neto, pode ser lido em https://www.mdpi.com/1422-0067/20/18/4342.
O artigo New insights into the function of melatonin and its role in metabolic disturbances (doi: 10.1080/17446651.2019.1631158), de Fernanda Gaspar Do Amaral, Jéssica Andrade-Silva, Wilson M. T. Kuwabara e José Cipolla-Neto, pode ser lido em https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17446651.2019.1631158?journalCode=iere20.
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