Estudo conduzido no âmbito de um Projeto Temático, por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos, investiga como a fauna e a flora desse bioma reagiram às variações no clima ocorridas nos últimos milhares de anos (coleta de amostras de araucária / foto: Fabian Michelangeli)
Estudo conduzido no âmbito de um Projeto Temático, por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos, investiga como a fauna e a flora desse bioma reagiram às variações no clima ocorridas nos últimos milhares de anos
Estudo conduzido no âmbito de um Projeto Temático, por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos, investiga como a fauna e a flora desse bioma reagiram às variações no clima ocorridas nos últimos milhares de anos
Estudo conduzido no âmbito de um Projeto Temático, por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos, investiga como a fauna e a flora desse bioma reagiram às variações no clima ocorridas nos últimos milhares de anos (coleta de amostras de araucária / foto: Fabian Michelangeli)
Karina Toledo | Agência FAPESP – A exploração intensiva de madeira praticada no Sul do Brasil a partir do século 19 é, em boa medida, responsável pelo fato de a araucária (Araucaria angustifolia) ser hoje uma espécie em risco extremo de extinção. Contudo, dados de um estudo ainda em andamento sugerem que em outro momento da história a ação humana beneficiou a expansão dessa conífera na Mata Atlântica, ajudando a moldar a região hoje conhecida como Mata de Araucárias, que se estende por Paraná, Santa Catarina e parte do Rio Grande do Sul.
“A forma como a espécie está hoje distribuída parece ter tanto influência climática quanto antrópica. O que não sabemos é se foi algo ocasional ou se os humanos agiram intencionalmente para expandir a população de araucárias e, assim, ampliar sua fonte de comida”, disse Mariana Vasconcellos, pós-doutoranda na City University of New York (Cuny) e no Jardim Botânico de Nova York (NYBG), nos Estados Unidos, à Agência FAPESP.
Segundo a pesquisadora, estudos arqueológicos já mostraram que as primeiras populações indígenas que habitaram o Sul do Brasil se alimentavam do pinhão, a semente da araucária, há pelo menos 4,3 mil anos.
O trabalho de Vasconcellos é conduzido pelos pesquisadores Ana Carolina Carnaval (Cuny) e Fabian Michelangeli (NYBG) no âmbito de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP e pela agência norte-americana National Science Foundation (NSF) e realizado no âmbito do programa BIOTA-FAPESP.
O objetivo da pesquisa colaborativa é conhecer a distribuição de espécies animais e vegetais na Mata Atlântica, entender como a fauna e a flora reagiram às variações no clima ocorridas nos últimos milhares de anos e, assim, levantar informações que ajudarão a prever o impacto das mudanças climáticas no bioma e a estabelecer áreas e espécies-chave para políticas de conservação.
Resultados de diversas linhas de investigação vinculadas ao Temático foram apresentados no dia 12 de julho, na sede da FAPESP, durante o simpósio Dimensions US-BIOTA São Paulo: A multidisciplinary framework for biodiversity prediction in the brazilian Atlantic Forest hotspot.
No caso da pesquisa de pós-doutorado de Vasconcellos, a proposta é descobrir como as populações de araucária se comportaram (se houve expansão ou retração) desde a última era do gelo (último máximo glacial), ocorrida há cerca de 20 mil anos. Para isso, foram coletadas amostras da espécie em áreas com vegetação nativa remanescente na Serra da Mantiqueira, em São Paulo, e nos estados da Região Sul para realizar a análise genômica. Os dados obtidos por sequenciamento foram cruzados com registros de pólen fossilizado disponíveis na literatura científica e modelos capazes de estimar como era o clima em eras passadas.
“Sabemos que o clima frio e úmido é o ideal para a araucária. Modelamos a distribuição da espécie durante o último máximo glacial [quando estava muito frio e seco], durante o Holoceno Médio [período mais quente e úmido ocorrido há cerca de 6 mil anos] e comparamos com a distribuição da espécie no presente [quente como o Holoceno Médio, porém mais seco]. De modo geral, vimos que à medida que a temperatura aumentou a área de distribuição das araucárias foi diminuindo. No entanto, os registros de pólen fossilizado indicam que há cerca de 4 mil anos houve uma explosão populacional”, contou Vasconcellos.
Resultados das análises genômicas, segundo a pesquisadora, reforçam a hipótese de influência humana nesse fenômeno.
“Enquanto na Serra da Mantiqueira vemos uma população geneticamente diferenciada, que parece ter evoluído naturalmente e com pouca interferência antrópica, na Mata de Araucárias temos indivíduos muito parecidos entre si, distribuídos em uma ampla área geográfica. Isso é característico de uma expansão populacional violenta. Como essa espécie tem grande longevidade e leva entre 20 e 40 anos para começar a se reproduzir, dificilmente fatores climáticos conseguiriam isoladamente explicar uma dispersão tão rápida”, disse Vasconcellos.
A pesquisadora está, no momento, reanalisando os dados com auxílio de modelos capazes de fornecer informações mais contínuas sobre as alterações no clima ocorridas nos últimos 20 mil anos. “Com as novas análises poderemos confirmar a influência humana na expansão da araucária e determinar em que momento da história ela ocorreu”, disse.
De acordo com Cristina Miyaki, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e uma das coordenadoras do Temático, a influência de povos pré-colombianos na formatação da floresta amazônica e na propagação de espécies de interesse, como a castanheira-do-pará (Bertholletia excelsa), já foi alvo de diversos estudos. “Na Mata Atlântica o tema ainda é relativamente pouco discutido”, disse.
“Este foi o único estudo do projeto que explorou o impacto antrópico em termos de dispersão de espécies na Mata Atlântica. É um caso especial, que não fazia parte do nosso escopo inicial”, disse Carnaval, professora do Departamento de Biologia da Cuny.
Novas espécies
Outro estudo apresentado durante o simpósio – conduzido nos últimos quatro anos durante o doutorado de Lucas Bacci, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – praticamente dobrou o número de espécies conhecidas do gênero Bertolonia, endêmico da Mata Atlântica e caracterizado por plantas de folhas grandes e inflorescência escorpioide (flores inseridas sempre do mesmo lado).
Foram 12 novas espécies descritas, a maioria na região central e norte do bioma. “O gênero é encontrado em toda a Mata Atlântica, mas somente cinco espécies são largamente distribuídas. A maioria é microendêmica, principalmente as do norte”, disse.
Ao recriar a história evolutiva dessas espécies o pesquisador concluiu que se trata de um gênero monofilético, ou seja, que evoluiu a partir de um ancestral comum há cerca de 30 milhões de anos.
O evento trouxe ainda dados sobre a diversidade e a filogenia de aves, opiliões, borboletas e sobre a influência de fatores climáticos como temperatura e precipitação na formatação do bioma.
“Uma das coisas que descobrimos com os trabalhos que vêm sendo feitos desde 2014 é que a Mata Atlântica não evoluiu sozinha. As conexões dessa floresta com a Amazônia e com os Andes estão entre os motivos que a tornam tão diversa. Vemos que existem várias ligações entre essas florestas, que foram mediadas pelo clima ao longo do tempo”, contou Carnaval.
Agora que a parte de coleta de dados está sendo finalizada pelos 16 pesquisadores associados e seus alunos envolvidos na iniciativa, terá início um grande esforço de integração do conhecimento multidisciplinar que permitirá desenvolver modelos preditivos.
“Uma das propostas é acompanhar por satélite a variação da temperatura e, assim, gerar modelos que estimem a diversidade que está sendo perdida e os locais em que isso está ocorrendo”, disse Carnaval.
Segundo Miyaki, tem sido um grande desafio colocar um grupo tão diverso de cientistas para trabalhar juntos. “A equipe reúne biólogos de diferentes áreas – sistematas, ecólogos, geneticistas e paleobotânicos –, geólogos, paleoclimatólogos, especialistas em modelagem e engenheiros envolvidos com sensoriamento remoto. Um programa regular de financiamento à pesquisa não nos permitiria ousar tanto. Só foi possível graças à parceria entre a FAPESP e a NSF”, disse.
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