Técnica de medicina nuclear, aliada a outras análises, diferencia com maior precisão os casos de Alzheimer de outras demências neurodegenerativas; teste ainda não está liberado para uso em rotina clínica (imagem: Brazilian Journal of Psychiatry)

Método para detectar acúmulo de peptídeo ligado ao Alzheimer é validado no Brasil
20 de maio de 2019
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Técnica de medicina nuclear, aliada a outras análises, diferencia com maior precisão os casos de Alzheimer de outras demências neurodegenerativas; teste ainda não está liberado para uso em rotina clínica

Método para detectar acúmulo de peptídeo ligado ao Alzheimer é validado no Brasil

Técnica de medicina nuclear, aliada a outras análises, diferencia com maior precisão os casos de Alzheimer de outras demências neurodegenerativas; teste ainda não está liberado para uso em rotina clínica

20 de maio de 2019
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Técnica de medicina nuclear, aliada a outras análises, diferencia com maior precisão os casos de Alzheimer de outras demências neurodegenerativas; teste ainda não está liberado para uso em rotina clínica (imagem: Brazilian Journal of Psychiatry)

 

Maria Fernanda Ziegler  |  Agência FAPESP – Pesquisadores validaram no Brasil uma metodologia capaz de mapear o acúmulo de peptídeo beta-amiloide no cérebro humano por meio de tomografia por emissão de pósitrons (PET, na sigla em inglês). Em pacientes com Alzheimer, esse peptídeo se agrupa de forma anômala e promove a deposição de placas no córtex cerebral.

A metodologia, aliada a outras análises, constitui uma ferramenta importante para diferenciar casos de doença de Alzheimer de outras demências degenerativas. Embora já tenha sido testada em voluntários, ainda não está liberada para uso na rotina clínica.

No estudo, resultado de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, a equipe de pesquisadores validou a metodologia de produção de um radiofármaco.

Denominado 11C-PIB, o radiofármaco atua como um marcador do acúmulo de peptídeo beta-amiloide no cérebro humano. Ele foi desenvolvido na Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, é um produto sem patente e com comercialização limitada, sobretudo por ter meia-vida física muito curta – faz uso de um radioisótopo (carbono-11) para marcar a molécula.

“Durante o projeto de pesquisa, foi possível produzir o radiofármaco no Brasil, visto que já era utilizado em grandes centros de pesquisa fora do país. Além de conseguirmos validar a metodologia, fizemos testes pré-clínicos em animais e, na sequência, a metodologia foi aplicada em pacientes voluntários”, disse Geraldo Busatto Filho, coordenador do Laboratório de Neuroimagem em Psiquiatria (LIM21) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e coordenador do temático.

A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência neurodegenerativa em idosos, sendo responsável por cerca de 70% dos casos. Seu diagnóstico, no entanto, ainda é complexo, por vezes tardio e feito por exclusão de outras causas de demência. Isso porque os processos neurodegenerativos que caracterizam a doença se iniciam anos antes de surgirem os primeiros sintomas, como perda de memória e dificuldade para acompanhar conversas mais complexas ou para resolver problemas.

De acordo com os pesquisadores, a validação de marcadores – como o 11C-PIB – tem o potencial de viabilizar o diagnóstico precoce e mais preciso, além de dar uma nova perspectiva para a doença, permitindo que no futuro novos tratamentos sejam testados.

Vale mais do que mil palavras

Depois de validar no Brasil a metodologia de detecção de placas amiloide no cérebro, os pesquisadores usaram um software para construir “mapas cerebrais estatísticos”. Os gráficos mostram a comparação das médias de 17 voluntários com suspeita de Alzheimer com as de outros 19 idosos saudáveis (grupo controle). Os resultados e a validação da metodologia foram descritos em artigo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria - RBP.

“Pelo mapa estatístico, é possível identificar facilmente o acúmulo de placas amiloides no grupo de pacientes com doença de Alzheimer, quando comparado ao grupo de voluntários saudáveis. As regiões do córtex estão claramente diferentes. Os mapas estatísticos são daquelas imagens que falam mais do que mil palavras”, disse Busatto.

O Projeto Temático foi realizado na FM-USP e envolveu, além do LIM21, os grupos do Centro de Medicina Nuclear, chefiado por Carlos Alberto Buchpiguel, o grupo da Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas da FM-USP, capitaneado por Ricardo Nitrini, e o grupo do Ambulatório de Psiquiatria Geriátrica do Laboratório de Neurociências (LIM27) do Instituto de Psiquiatria da FMUSP, liderado por Orestes Forlenz.

Tudo cronometrado

Assim como a produção do radiofármaco, realizar o exame em pacientes voluntários não é das tarefas mais fáceis. Isso porque o produto é marcado com isótopo radioativo (carbono 11), que tem meia-vida física de apenas 20 minutos. Quando o isótopo decai, emite dois raios gama e forma a imagem das placas amiloide no equipamento de tomografia por emissão de pósitron.

No estudo com voluntários, o equipamento de tomografia ficou próximo (mesmo prédio) ao cíclotron – que produz o isótopo de carbono – e da unidade produtora do PIB, que é produzido para cada paciente de modo personalizado.

“O radiofármaco é injetado na veia de pacientes e funciona como um marcador, ligando-se temporariamente à proteína amiloide agrupada no córtex cerebral até que desapareça por completo. O registro da emissão de raios gama usando equipamento de tomografia PET permite a construção da imagem na qual as placas amiloides do cérebro daquele paciente podem ser vistas de forma tridimensional. Como se vê, é preciso ter toda uma logística para que o teste seja feito antes de o radiofármaco desaparecer”, disse Buchpiguel.

Além do estudo já publicado, os pesquisadores estão comparando também o resultado do exame realizado em 120 indivíduos divididos em três grupos: pacientes diagnosticados com doença de Alzheimer, idosos saudáveis e idosos com comprometimento cognitivo leve.

Múltiplos exames

Vale lembrar que o mapeamento cerebral pelo radiofármaco 11C-PIB não pode ser considerado, de forma isolada, um diagnóstico da doença de Alzheimer, nem um indicador de gravidade. Ele serve para diferenciar casos de Alzheimer de outras demências.

“Se um paciente saudável fizer o exame e der positivo (indicando que existem placas amiloides no cérebro), ele não vai sair com o diagnóstico de Alzheimer. Ele precisa ter os sintomas avaliados em associação com a imagem”, disse Daniele de Paula Faria, pesquisadora do Laboratório de Medicina Nuclear (LIM 43) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, que também participou da coordenação do estudo.

De acordo com Busatto, a validação do exame no Brasil coincide com um momento-chave dessa área da neurociência no cenário mundial e coloca o grupo de pesquisadores da FM-USP em posição vantajosa para realizar estudos sobre a doença de Alzheimer.

“Em 2018, foi implementada pelo National Institute of Aging e pela Alzheimer's Association, nos Estados Unidos, uma atualização das diretrizes para fins de pesquisa que visam diagnosticar diferentes estágios da doença de Alzheimer. A doença deixa de ser diagnosticada apenas com base no conjunto de sintomas e sinais de demência e passa a ser definida também pela detecção das alterações patológicas cerebrais mais características do quadro, seja por meio de exames do cérebro dos pacientes após a morte ou por novos biomarcadores avaliados em vida”, disse.

Busatto afirma que o exame de PET para avaliação de placas amiloides no córtex cerebral é um desses biomarcadores e, nesse novo cenário, ele fica consolidado como um dos instrumentos de pesquisa mais importantes para definir se uma pessoa tem ou não alterações patológicas de Alzheimer. “Em países com acesso à tecnologia, o exame tem sido associado aos critérios clínicos e neuropsicológicos usados para a identificação de sintomas demenciais e déficits cognitivos. A combinação de testes reforça a hipótese diagnóstica de doença de Alzheimer e descarta outras causas de demência”, disse.

De acordo com Busatto, em diagnósticos baseados apenas em sintomas, erra-se em pelo menos 30% dos casos. “Os estudos, no entanto, estão mostrando que, se disponibilizarmos esse tipo de exame numa clínica de memória, uma parte dos pacientes vai ter o seu diagnóstico mudado. É algo que pode ser muito importante em termos de saúde pública no futuro”, disse Busatto.

Testes conjuntos

No Projeto Temático, o grupo de pesquisadores também trabalhou com exames de PET usando outro biomarcador, o fluorodesoxiglucose (FDG). Esse radiofármaco, marcado com o isótopo flúor-18 (18F-FDG), serve para o mapeamento do metabolismo de glicose no cérebro. Diferente do usado para a placa amiloide, ele funciona como marcador da atividade neural.

Aprovado há muitos anos, o exame também reforça o diagnóstico da doença de Alzheimer. “Ele consegue verificar a evolução e a gravidade do comprometimento cerebral na doença de Alzheimer. Também auxilia na diferenciação entre a doença de Alzheimer e outras formas de demência”, disse Buchpiguel.

De acordo com o pesquisador, um sinal típico do comprometimento neuronal da doença de Alzheimer consiste na perda de capacidade das células cerebrais de metabolizar glicose, como reflexo da diminuição da sua atividade funcional. “Com o 18F-FDG, é possível obter imagens que identificam as áreas do cérebro onde houve alteração de captação e de concentração do 18F-FDG, ou seja, locais nos quais as células neurais pararam de funcionar, ou diminuíram o funcionamento, apesar de estarem presentes”, disse Buchpiguel.

O exame com 11C-PIB para mapeamento de placas amiloides detecta alterações neuropatológicas consideradas características da doença de Alzheimer e, de acordo com os pesquisadores, pode possibilitar a detecção mais precoce da deposição destas placas.

Já o exame metabólico (PET 18F-FDG) é um marcador das alterações de neurodegeneração que geralmente acompanham o início das dificuldades cognitivas. Quanto mais os sintomas progridem, maior é o déficit de metabolismo da glicose nas regiões cerebrais comprometidas pela doença de Alzheimer.

No estudo realizado no Projeto Temático, cada indivíduo pesquisado fez exames de ressonância magnética, além dos exames de PET para mapeamento de placas amiloides (PET 11C-PIB) e 18F-FDG. Com isso, o grupo criou um dos primeiros e mais amplos bancos de dados da América Latina de idosos avaliados com PIB-PET e outros marcadores de neuroimagem recrutados em um mesmo polo de pesquisa.

“Além das avaliações clínicas e cognitivas, o banco de dados tem o que chamamos de protocolo de neuroimagem multimodal. Isso porque realizamos, nos três grupos, exames de ressonância magnética além das avaliações de PET. Conseguimos uma gama de dados que nos permite fazer várias comparações entre as diferentes informações sobre a estrutura e o funcionamento cerebral. Teremos bastante trabalho pela frente”, disse Busatto.

O chamado protocolo multimodal de ressonância magnética, executado a partir da parceria com o Laboratório de Neurorradiologia (LIM44) do Hospital das Clínicas da FM-USP, vai permitir a avaliação do volume das diferentes regiões cerebrais, buscar pequenas lesões vasculares, observar a integridade dos feixes de substância branca e também a conectividade funcional (a forma como o cérebro é organizado no seu funcionamento de grandes redes).

“Estamos fazendo correlações entre marcadores, dados clínicos e imagens cerebrais nos mesmos pacientes da pesquisa. Esse estudo de marcadores complementares entre si pode nos ajudar a saber até que ponto os pacientes com comprometimento cognitivo leve são potenciais conversores para a doença de Alzheimer, além de trazer informações sobre as diferentes fases de evolução da doença”, disse Buchpiguel.
 

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