Fenômeno impacta a produção de nuvens e de chuva, com consequências para o clima local e global, alertaram pesquisadores em estudo publicado na Nature Communications (imagem: Nature Communications)

Poluição de Manaus aumenta em até 400% a formação de aerossóis pela Floresta Amazônica
17 de abril de 2019
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Fenômeno impacta a produção de nuvens e de chuva, com consequências para o clima local e global, alertaram pesquisadores em estudo publicado na Nature Communications

Poluição de Manaus aumenta em até 400% a formação de aerossóis pela Floresta Amazônica

Fenômeno impacta a produção de nuvens e de chuva, com consequências para o clima local e global, alertaram pesquisadores em estudo publicado na Nature Communications

17 de abril de 2019
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Fenômeno impacta a produção de nuvens e de chuva, com consequências para o clima local e global, alertaram pesquisadores em estudo publicado na Nature Communications (imagem: Nature Communications)

 

Maria Fernanda Ziegler  |  Agência FAPESP – Estudo internacional com a participação de pesquisadores brasileiros descobriu que a poluição urbana vinda de Manaus (AM) aumenta – muito mais do que o esperado – a formação dos aerossóis produzidos pela própria Floresta Amazônica.

De acordo com o artigo publicado na revista Nature Communications, a poluição urbana resulta em um aumento médio de 200%, com picos de até 400%, na formação dos aerossóis orgânicos secundários. O trabalho teve apoio da FAPESP por meio da campanha científica Green Ocean Amazon (GOAmazon) e de um Projeto Temático vinculado ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

O aumento exagerado dos aerossóis produzidos pela floresta tem impacto significativo em fatores importantes para as mudanças climáticas globais, como o balanço radioativo, a produção de nuvens e de chuva, assim como na taxa de fotossíntese das plantas. Em situações em que a poluição urbana não afeta a floresta, os aerossóis orgânicos são produzidos no solo da Amazônia. Porém, como o estudo mostrou, em quantidades muito inferiores.  

Estudos semelhantes realizados em florestas boreais – que são a base da modelagem climática global – apresentavam aumento de no máximo 60% dos aerossóis orgânicos secundários em florestas impactadas pela poluição de cidades próximas.

“Pela primeira vez, conseguimos entender e prever com modelos as concentrações de aerossóis na Amazônia. Já era sabido que os modelos climáticos do hemisfério Norte não se aplicam aos casos da floresta amazônica. Víamos que a conta, baseada nos estudos anteriores, não fechava. Portanto, os resultados dessa nova pesquisa vão trazer maior acuidade aos modelos meteorológicos, assim como à modelagem climática regional e global”, disse Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e um dos autores do artigo.

De acordo com Artaxo, o próximo passo é englobar a química dos aerossóis tropicais nos modelos climáticos globais, como os do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, conseguindo assim prever melhor os ciclos hidrológicos da Amazônia e identificar alterações nos padrões de chuva de toda a região tropical do planeta.

Pequena alteração, grande mudança

Aerossóis são partículas (sólidas, líquidas ou gasosas) suspensas no ar. Podem ser produzidos naturalmente pela floresta, como partículas primárias, ou secundariamente na atmosfera a partir de precursores gasosos (COV) emitidos pelas florestas (aerossóis orgânicos secundários), por exemplo, ou por atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis.

O aumento de até 400% dos aerossóis orgânicos secundários em virtude da pluma de poluição de Manaus tem um impacto muito significativo no ecossistema. Essas partículas são importantes para a transmissão de radiação solar na atmosfera, para a formação e o desenvolvimento de nuvens, produzindo chuva, entre outros efeitos.

O grupo de pesquisadores conseguiu observar e medir os compostos que vêm da pluma de poluição manauara, como ozônio (O3), óxidos de nitrogênio (NOx), dióxido de enxofre (SO2) e radicais hidroxila (OH).

“Quando surge uma grande quantidade de enxofre e de compostos nitrogenados na atmosfera, vindos como poluição, ocorre uma oxidação muito mais rápida desses vapores orgânicos na floresta. Essa conversão cria muitos aerossóis novos, muito mais do que se teria de maneira puramente natural”, disse Henrique Barbosa, professor do IF-USP e também autor do artigo.

No estudo, a equipe internacional de pesquisadores analisou as consequências dessas mudanças tanto do ponto de vista experimental e observacional, quanto utilizando modelagem numérica dos processos atmosféricos. A equipe também simulou matematicamente a formação dessa grande quantidade de aerossóis, identificando os processos associados à sua origem e os mecanismos químicos que faltavam nos modelos usados até então.

“A Amazônia é uma região extremamente limpa de poluição. Um minúsculo aumento de compostos nitrogenados, por exemplo, provoca um aumento brutal de aerossóis na floresta. A perturbação causada pela emissão antropogênica é muito violenta e tem impactos em todo o clima da região, no sistema hidrológico, assim como no clima global”, disse Barbosa.

Essa alteração tem forte impacto sobretudo na formação das nuvens na Amazônia. “Observamos como, por causa da quantidade de aerossóis ultrafinos nas nuvens, muda a velocidade do ar ascendente. Isso deixa as nuvens mais vigorosas e com mais água precipitável”, disse Barbosa.

Fotossíntese

A quantidade de aerossóis também influencia fortemente a fotossíntese da floresta, que depende da radiação solar para a fixação de carbono pelo ecossistema.

“Percebemos que, até certo ponto, o aumento dos aerossóis secundários torna a fotossíntese mais eficiente. Depois disso, as reações se dão de forma mais lenta”, disse Barbosa.

De acordo com o pesquisador, isso acontece por causa da interação dos aerossóis com a radiação solar. Circulando livremente no ar, os aerossóis podem mudar a quantidade de radiação na floresta, seja ela direta (aquela que faz sombra) ou difusa.

Na floresta, como a vegetação tem diferentes níveis de altura das folhas, a radiação difusa tem mais facilidade de penetrar na copa e atingir até as folhas mais baixas – sendo, portanto, mais eficiente para a planta fazer a fotossíntese.

Já a radiação direta ilumina apenas as camadas mais altas de folhas e, depois de atingi-las, faz a sombra. “Quando há mais aerossol na atmosfera, aumenta a fotossíntese. Porém, se tiver demais, atrapalha. No fim das contas, não importa se aumenta a oferta de radiação difusa. No balanço final, o aerossol acaba diminuindo tanto a luz solar que a planta não consegue fixar muito carbono”, disse Barbosa.

Isopreno

De acordo com os pesquisadores, o estudo mostrou que as florestas tropicais são muito mais dinâmicas do que se imaginava. “O aumento de aerossóis causado pela poluição é muito maior nas florestas tropicais [400%] do que nas boreais [60%]. Isso se deve aos mecanismos diferentes de emissão e oxidação, além da presença de isopreno apenas nas tropicais”, disse Artaxo.

O isopreno é um gás composto orgânico volátil (COV) emitido pelas plantas em florestas tropicais como parte de seu processo metabólico. Ele é emitido em grandes quantidades pela floresta amazônica e tem meia-vida curta na atmosfera, se transformando em partículas de aerossóis. “A transformação do isopreno em partículas é muito acelerada pela presença da poluição de Manaus, particularmente pelas emissões de óxidos de nitrogênio”, disse Artaxo.

Nas florestas boreais não há emissão de isopreno, mas de outro COV, o terpeno, e em quantidades muito baixas. Esse gás, no entanto, tem uma química atmosférica completamente diferente da observada no caso do isopreno.

“Isso faz com que as emissões de florestas tropicais sejam chave na produção de partículas e também na formação de ozônio, com uma química que era desconhecida antes do experimento GoAmazon. Agora que conhecemos os mecanismos químicos, podemos englobá-los nos modelos climáticos globais, melhorando nosso entendimento do papel das florestas tropicais no clima do planeta”, disse Artaxo.

O pesquisador ressalta que o aumento de aerossóis orgânicos secundários não está relacionado apenas com a poluição urbana, como a emitida por veículos. Pode ser resultado de outras atividades geradoras de óxido de nitrogênio, como as queimadas de florestas ou a operação de geradores em cidades pequenas na Amazônia.

“Descobrimos que os óxidos de nitrogênio são o elemento catalisador da formação dos aerossóis orgânicos secundários. Se tiver esse composto na poluição, independentemente da causa ou origem, esse processo de intensificação da produção de partículas vai ocorrer”, disse Artaxo.

Maior precisão

Atualmente, os modelos climáticos usam majoritariamente processos oriundos de estudos realizados no hemisfério Norte e, no caso dos aerossóis orgânicos secundários e seus impactos, não representam a realidade da Amazônia ou das florestas tropicais.

Para chegar ao novo modelo, com dados da floresta amazônica, foram usadas medidas feitas em aviões do Departamento de Energia dos Estados Unidos (US-DoE), medidas obtidas em superfície em várias estações amostradoras e um complexo programa de computador que simula a química da atmosfera e a meteorologia em escala regional, possibilitando relacionar meteorologia a processos químicos na atmosfera acima da floresta.

Com os dados de todas as reações químicas que ocorrem nesse processo, os pesquisadores conseguiram calibrar um modelo já existente (WRF-Chem), que acopla a dinâmica atmosférica com as complexas reações químicas para simular a dispersão da pluma de poluição e da produção extra de aerossóis pela interação poluição-emissões biogênicas naturais da floresta.

O próximo passo é integrar esses processos nos modelos climáticos globais, permitindo aprimorar a previsão de chuva e dos processos de formação de partículas em nível global, melhorando o entendimento do papel das florestas tropicais nas mudanças climáticas globais.

O artigo Urban pollution greatly enhances formation of natural aerosols over the Amazon rainforest (doi: 10.1038/s41467-019-08909-4), de Manish Shrivastava, Meinrat O. Andreae, Paulo Artaxo, Henrique M. J. Barbosa, Larry K. Berg, Joel Brito, Joseph Ching, Richard C. Easter, Jiwen Fan, Jerome D. Fast, Zhe Feng, Jose D. Fuentes, Marianne Glasius, Allen H. Goldstein, Eliane Gomes Alves, Helber Gomes, Dasa Gu, Alex Guenther, Shantanu H. Jathar, Saewung Kim, Ying Liu, Sijia Lou, Scot T. Martin, V. Faye McNeill, Adan Medeiros, Suzane S. de Sá, John E. Shilling, Stephen R. Springston, R. A. F. Souza, Joel A. Thornton, Gabriel Isaacman-VanWertz, Lindsay D. Yee, Rita Ynoue, Rahul A. Zaveri, Alla Zelenyuk e Chun Zhao, pode ser lido em www.nature.com/articles/s41467-019-08909-4.

(Leia mais sobre o GOAmazon em: agencia.fapesp.br/29519, agencia.fapesp.br/27044, agencia.fapesp.br/25371, agencia.fapesp.br/24177, agencia.fapesp.br/22366 e agencia.fapesp.br/18691)

Poluição de Manaus aumenta a formação dos aerossóis produzidos pela própria floresta. O NOx emitido em Manaus aumenta a concentração de OH e de ozônio (setas marrons), substâncias que aceleram a oxidação dos hidrocarbonetos emitidos naturalmente pela floresta (isopreno; setas verdes). A ilustração ainda mostra que, na ausência da poluição urbana, as emissões de NOx no solo (setas roxas) também impulsionam o ciclo oxidante, porém em quantidade muito menor

 

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