Consumo de álcool ou de pelo menos um tipo de droga esteve associado a mais da metade das mortes violentas ocorridas na cidade de São Paulo no período analisado (foto: Marcos Santos/USP Imagens)
Consumo de álcool ou de pelo menos um tipo de droga esteve associado a mais da metade das mortes violentas ocorridas na cidade de São Paulo no período analisado
Consumo de álcool ou de pelo menos um tipo de droga esteve associado a mais da metade das mortes violentas ocorridas na cidade de São Paulo no período analisado
Consumo de álcool ou de pelo menos um tipo de droga esteve associado a mais da metade das mortes violentas ocorridas na cidade de São Paulo no período analisado (foto: Marcos Santos/USP Imagens)
Peter Moon | Agência FAPESP – Um grupo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) publicou os resultados de uma pesquisa a respeito da associação entre o consumo de álcool e drogas com a ocorrência de mortes violentas.
O trabalho coloca em números os dados dessa relação, no caso, na cidade de São Paulo. A descoberta é que o consumo de álcool ou de pelo menos um tipo de droga guarda associação com mais da metade (55%) das mortes violentas ocorridas na capital paulista entre 2014 e 2015.
O trabalho é resultado do pós-doutorado do epidemiologista Gabriel Andreuccetti, com a supervisão do professor Heráclito Barbosa de Carvalho, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, e em colaboração com o Departamento de Medicina Legal da mesma universidade, com a University of California, Berkeley, e apoio do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo. O artigo foi publicado no periódico Injury e contou com apoio da FAPESP.
Para obter dados para o levantamento, Andreuccetti empregou um método de amostragem probabilística usando a cidade de São Paulo como população-alvo.
“Os casos amostrados eram vítimas adultas, feridas fatalmente, que tiveram causa de morte súbita, inesperada, violenta ou de outra forma não natural, e que deram entrada nas principais instalações médicas forenses que atendem toda a cidade e seus 96 distritos”, disse à Agência FAPESP.
Segundo a legislação, as vítimas de morte súbita, inesperada ou violenta devem obrigatoriamente ser submetidas a um procedimento de autópsia pelas equipes de perícias médico-legais (EPML). Anualmente, ocorrem em São Paulo cerca de 7 mil mortes que se enquadram nessa classificação. A maioria é composta por homicídios (26%), seguida pelos óbitos relacionados ao trânsito (20%) e por suicídios (10%).
O trabalho de levantamento de casos de mortes violentas ocorreu entre junho de 2014 e dezembro de 2015. Para obter uma amostra representativa da cidade, Andreuccetti coletou amostras de sangue de cadáveres durante autópsias pelas diversas EPML da cidade, em diferentes dias e horários da semana, ao longo de 19 meses.
Vítimas que receberam seis ou mais horas de tratamento médico devido ao evento de lesão ou que sobreviveram pelo mesmo período antes da morte foram excluídas da amostra.
“Há um grande número de casos de pessoas que deram entrada no hospital e vão parar no Instituto Médico Legal. Em muitos destes casos, a lesão fatal ocorreu de forma violenta ou súbita, sendo que a vítima pode ter estado sob efeito de drogas no momento do acidente, crime ou suicídio. Mas, devido à internação por mais de seis horas, os vestígios de álcool e drogas no sangue podem sofrer influência após o evento traumático. Esses casos foram excluídos do levantamento”, disse Andreuccetti.
O resultado final do levantamento chegou a uma amostra com 365 mortes, todas violentas, súbitas ou inesperadas, que deram entrada no IML. A amostra reuniu 104 homicídios (28,5% do total), 56 vítimas de acidentes de trânsito (ou 15,3%), 44 suicídios (12,1%), 26 quedas (7,1%) e 21 casos de envenenamento ou intoxicação (5,8%). Em 114 casos (31,2%), a morte súbita ou violenta ocorreu de formas que não as anteriores.
“Devido a diversas ações governamentais no começo da década (2010), a mortalidade no trânsito paulistano caiu consideravelmente, junto com a mortalidade por homicídios que vem caindo desde a década passada. Hoje a taxa de mortes por homicídios é maior do que no trânsito. Mas São Paulo é um caso atípico. No Brasil como um todo, essas flutuações foram bem menores, e continua-se morrendo muito por essas duas causas”, disse Andreuccetti.
Homens e jovens
Uma vez estabelecidas as situações onde ocorreram as mortes, o passo seguinte foi identificar quais apresentavam vestígios de álcool ou de drogas no sangue. Para tanto, amostras de sangue de todas as vítimas foram submetidas a uma triagem abrangente dos casos positivos para uma variedade de medicamentos, drogas ilícitas e álcool.
Foram verificadas a concentração de álcool no sangue (via cromatografia gasosa), bem como a presença de outras drogas, incluindo anfetaminas, sedativos (calmantes) e ansiolíticos (barbitúricos e benzodiazepínicos), maconha, cocaína, opioides (metadona, morfina, heroína) e pó de anjo (fenciclidina). A presença de drogas no sangue foi detectada por meio do ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA), posteriormente confirmada por espectrometria de massa.
Das 365 vítimas, 202 (55,3%) haviam ingerido álcool antes de morrer, ou estavam sob efeito de drogas no momento do falecimento, sendo que 63 só ingeriram álcool, 92 só usaram drogas e 47 fizeram as duas coisas.
“De cada duas vítimas, uma apresentava resquícios de álcool e/ou drogas no sangue. Isso significa que mais da metade das vítimas fez uso de álcool ou drogas imediatamente antes de morrer”, disse Andreuccetti.
O álcool foi a substância mais prevalente entre as vítimas que fizeram uso de qualquer tipo de substância psicoativa, seguido pela cocaína, maconha e os calmantes e ansiolíticos. Mais especificamente, entre as 202 vítimas positivas para álcool e/ou drogas, 30,1% ingeriram álcool, 21,9% cocaína, 14% maconha e 11,5% benzodiazepínicos. 16,2% usaram álcool e qualquer uma dessas drogas.
“Não esperávamos prevalência tão elevada de drogas na amostragem. De cada cinco vítimas que usaram drogas, quatro usaram cocaína ou maconha. É um dado preocupante”, disse Andreuccetti.
No caso das vítimas de acidentes de trânsito, quase metade (42,9%) tinha traços de álcool no sangue e uma em cinco (21,4%) estava sob efeito de uma ou mais substâncias. “Isso mostra que as drogas influenciam mais a violência interpessoal e o álcool os acidentes de trânsito”, disse Andreuccetti.
Com relação aos homicídios, em nada menos que 59,6% das mortes foi acusada a presença de alguma substância psicoativa ou álcool no sangue, sendo que 16,3% usaram álcool e cocaína juntos.
No que tange aos casos de suicídio, o álcool teve a menor representação de toda a amostragem. Apenas 9,1% do suicidas haviam ingerido álcool. Por outro lado, foi nesse grupo que o uso de benzodiazepínicos se revelou um dos mais prevalentes. Um em cada cinco estava sob efeito desses medicamentos (18,2%).
Do total de 202 mortes positivas para o uso de álcool ou drogas, havia nove homens para cada mulher. E cerca de uma em cada três vítimas tinha menos de 30 anos. “É nessa faixa que se concentra o maior número de vítimas de homicídio no Brasil. E foi nessa faixa etária que se verificou uma maior prevalência do uso de outras drogas, em combinação ou não com o álcool”, disse Andreuccetti.
A participação étnica se mostrou similar: metade dos mortos era branco (50,3%) e a outra metade composta por indivíduos de outra etnia (pardos, negros, etc.) (49,7%). 60,5% das mortes ocorreram no período das 6 da tarde às 6 da manhã. Morre-se de forma violenta mais à noite do que de dia na cidade de São Paulo.
Histórico criminal
Um dado revelador é que, das 365 mortes, 15,9% das vítimas tinham algum histórico criminal. Entre esses, o uso de outras drogas além do álcool e o uso múltiplo de substâncias foram maiores do que entre as vítimas que não possuíam histórico criminal.
Sempre que possível, Andreuccetti tentou quantificar as vítimas segundo o local de ocorrência da lesão fatal. Isso foi feito verificando-se a região da cidade onde o evento da lesão ocorreu. Assim sendo, inferiu-se que a maioria das mortes por violência quando sob a influência de drogas ocorre no centro e na periferia, ou seja, onde se concentram os maiores centros de comércio e a população de baixa renda, respectivamente.
“Isso sugere que há um componente socioeconômico, mas para sabermos mais seria necessário realizar um estudo específico. Por outro lado, o uso de álcool associado a essas mortes parece estar mais disseminado por toda a cidade de São Paulo”, disse Andreuccetti.
De acordo com o epidemiologista, conhecer essas estatísticas é um passo importante para tentar começar a reduzir os números de mortes violentas relacionadas ao consumo de álcool e drogas na cidade de São Paulo e em outras grandes cidades do país.
"Todas essas mortes causam um prejuízo enorme à sociedade em termos de serviços hospitalares e socorro de emergência, sem falar na dor para os familiares e no significado da perda pela violência de uma pessoa que poderia continuar trabalhando, estudando e produzindo”, disse.
O artigo Alcohol in combination with illicit drugs among fatal injuries in Sao Paulo, Brazil: An epidemiological study on the association between acute substance use and injury, de G. Andreuccetti, C.J. Cherpitel, H.B. Carvalho, V. Leyton, I.D. Miziara, D.R. Munoz, A.L. Reingold e N.P. Lemos, está disponível on-line em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020138318305400.
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