Pesquisa com gêmeos expostos ao vírus durante a gestação foi feita no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL / CEPID). Resultados foram publicados na Nature Communications (imagens: CEGH-CEL)
Pesquisa com gêmeos expostos ao vírus durante a gestação foi feita no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL / CEPID). Resultados foram publicados na Nature Communications
Pesquisa com gêmeos expostos ao vírus durante a gestação foi feita no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL / CEPID). Resultados foram publicados na Nature Communications
Pesquisa com gêmeos expostos ao vírus durante a gestação foi feita no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL / CEPID). Resultados foram publicados na Nature Communications (imagens: CEGH-CEL)
Karina Toledo | Agência FAPESP – Microcefalia, calcificações cerebrais, alterações esqueléticas, deficiência auditiva e visual. Esses são alguns dos prejuízos que o vírus Zika pode provocar em bebês de mães infectadas durante a gestação.
No entanto, tais defeitos são observados em apenas 6% a 12% dos casos, o que levou cientistas a desconfiar que outros fatores, além da infecção viral, estariam associados ao desenvolvimento da síndrome congênita.
Um novo estudo, publicado no dia 2 de fevereiro na revista Nature Communications, traz fortes evidências de que a maior suscetibilidade ao vírus observada em alguns bebês tem origem genética.
“Estudamos pares de gêmeos discordantes, ou seja, casos em que apenas um dos irmãos foi afetado pelo vírus embora ambos tenham sido expostos igualmente durante a gestação. Em laboratório, observamos que nas células progenitoras neurais dos afetados há cerca de 60 genes com expressão diferenciada”, disse Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e uma das coordenadoras da pesquisa.
A maior parte da investigação foi conduzida no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP e sediado na USP. Participaram cientistas do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), do Instituto Butantan, do Hospital Albert Einstein, do Instituto de Química da USP e das universidades federais da Paraíba (UFPB), Rio Grande do Norte (UFRN) e Pernambuco (UFPE), entre outros colaboradores. A coleta de dados foi realizada em 2016 principalmente nos estados do Nordeste afetados pela epidemia de Zika no ano anterior.
Ao todo, foram avaliados dados de 91 crianças de mães infectadas, incluindo dois pares de gêmeos monozigóticos (oriundos de um mesmo óvulo que se dividiu após a fecundação e, portanto, idênticos) e sete pares de gêmeos dizigóticos (oriundos de óvulos e espermatozoides diferentes, também chamados de gêmeos fraternos).
Uma primeira evidência a favor da hipótese de que o background genético é determinante para o desenvolvimento da síndrome congênita do Zika foi o fato de todos casos de gêmeos monozigóticos estudados serem concordantes, ou seja, os bebês idênticos eram igualmente afetados pelo vírus. Já entre os dizigóticos, seis dos sete pares estudados eram discordantes (apenas um dos irmãos foi afetado).
De três pares de gêmeos dizigóticos os pesquisadores conseguiram amostras de sangue em quantidade suficiente para estudos laboratoriais mais complexos. Inspirados pela técnica que rendeu o Nobel de Medicina de 2012 a Shinya Yamanaka, da Universidade de Kyoto (Japão), os pesquisadores do CEGH-CEL desenvolveram um método para transformar as células do sangue em células-tronco pluripotentes, capazes de se diferenciar em qualquer tecido assim como as células-tronco embrionárias.
O passo seguinte foi fazer com que as células pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em inglês) se transformassem em células progenitoras neurais (NPCs) – o tipo mais afetado pelo Zika no cérebro em desenvolvimento. Assim que foram estabelecidas in vitro as linhagens de NPCs dos bebês afetados e de seus irmãos não afetados, todas as culturas foram infectadas com uma cepa brasileira do vírus.
“Logo de início nos chamou a atenção o fato de que o vírus se replicava muito mais rapidamente nas NPCs dos bebês afetados. Além disso, essas células se proliferavam menos e morriam mais que as dos bebês não afetados. Parece que conseguimos reproduzir in vitro o que ocorreu in vivo”, comentou Zatz.
Em seguida, em colaboração com a equipe de Sergio Verjovski-Almeida, do IQ-USP, os cientistas analisaram por técnicas de sequenciamento todas as moléculas de RNA mensageiro que estavam sendo expressas pelas NPCs em cultura – o objetivo era avaliar quais genes estavam mais ou menos ativos em cada caso.
Diferenças foram observadas em duas vias de sinalização celular importantes para o desenvolvimento cerebral no período embrionário – uma mediada pela proteína mTOR e outra pela Wnt.
“São vias que regulam, entre outros fatores, a proliferação e a migração das células do sistema nervoso central. Vários genes ligados a essas vias estavam com expressão reduzida nas NPCs dos bebês afetados. Um deles estava 12 vezes menos expresso do que o mesmo gene na célula do irmão não afetado”, explicou Zatz.
Os resultados foram semelhantes nos três pares de gêmeos estudados, o que reforça a hipótese de que a síndrome congênita do Zika não é um evento aleatório, sendo favorecida por fatores genéticos.
Herança complexa
Anteriormente ao ensaio com as NPCs, um estudo havia sido feito com material genético de 18 bebês afetados pela síndrome congênita do Zika (entre eles cinco dos gêmeos dizigóticos incluídos no estudo) para investigar se haveria um único gene implicado no aumento de suscetibilidade. Também foi incluído na análise o DNA dos cinco gêmeos não afetados e de outros 609 indivíduos controle (não infectados pelo Zika e não portadores de alterações neurológicas).
Nesse ensaio, os pesquisadores fizeram o sequenciamento completo do exoma – parte do genoma onde ficam os genes codificadores de proteína e, portanto, onde há mais chance de ocorrerem mutações causadoras de doenças
“O objetivo foi avaliar se havia alguma variante genética presente apenas nos bebês afetados, mas não encontramos nada. Isso afasta a hipótese de uma herança mendeliana [relacionada a um único gene] e sugere que se trata de uma herança complexa [uma combinação de genes diferencialmente expressos], como é o caso da suscetibilidade ao diabetes, por exemplo”, disse Zatz.
Um indivíduo pode ter um perfil genético que o predisponha a desenvolver diabetes, mas a doença só vai se manifestar caso determinados fatores ambientais também estejam presentes, como alimentação desbalanceada e ganho excessivo de peso. No caso da síndrome congênita do Zika a infecção viral seria o fator ambiental desencadeador da doença.
Na avaliação de Zatz, as novas descobertas podem, no futuro, permitir a identificação de pais em risco de terem filhos com esse padrão genético de maior vulnerabilidade. “Caso um dia seja desenvolvida uma vacina contra o Zika, esses pais poderiam ser priorizados nas estratégias de imunização”, disse.
O artigo Discordant congenital Zika syndrome twins show differential in vitro viral 1 susceptibility of neural progenitor cells, de Luiz Carlos de Caires Junior, Mayana Zatz e outros, pode ser lido na Nature Communications, em www.nature.com/ncomms.
Veja outras entrevistas com os pesquisadores da USP que mostraram a base genética para explicar porque só uma parte das mães infectadas pelo vírus da Zika geram bebês com anormalidades neurológicas podem ser vistas: www.youtube.com/playlist?list=PLAudUnJeNg4vZRa_t-Uln_SSZf_NXdNpk.
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