Em artigo publicado na Nature Communications, pesquisadores da USP descrevem cascata de eventos que comprometem o equilíbrio do sistema imune, elevando o risco de infeções recorrentes e de morte (imagem: pixabay.com)

Estudo desvenda mecanismo que leva à imunossupressão após sepse
04 de abril de 2017
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Em artigo publicado na Nature Communications, pesquisadores da USP descrevem cascata de eventos que comprometem o equilíbrio a homeostase do sistema imune, elevando o risco de infeções recorrentes e de morte

Estudo desvenda mecanismo que leva à imunossupressão após sepse

Em artigo publicado na Nature Communications, pesquisadores da USP descrevem cascata de eventos que comprometem o equilíbrio a homeostase do sistema imune, elevando o risco de infeções recorrentes e de morte

04 de abril de 2017
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Em artigo publicado na Nature Communications, pesquisadores da USP descrevem cascata de eventos que comprometem o equilíbrio do sistema imune, elevando o risco de infeções recorrentes e de morte (imagem: pixabay.com)

 

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – Pacientes que sobrevivem a quadros graves de sepse – condição popularmente conhecida como infecção generalizada – costumam apresentar nos anos seguintes à alta hospitalar uma queda acentuada na imunidade, ficando suscetíveis a patógenos oportunistas e, até mesmo, ao surgimento ou recaída de tumores.

O mecanismo causador dessa disfunção no sistema imune foi descrito na revista Nature Communications por cientistas do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP. Esse conhecimento, segundo os autores do artigo, pode abrir caminho para intervenções capazes de amenizar o problema.

“Nos estágios mais graves de sepse, a inflamação exacerbada causa lesões em órgãos como pulmão, coração, rim e fígado. Nossos resultados indicam que o mecanismo disparado pelo organismo para promover o reparo desses tecidos também acaba levando à imunossupressão”, contou José Carlos Farias Alves Filho, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), da Universidade de São Paulo (USP), e coordenador do estudo.

Como explicou o pesquisador, a sepse é caracterizada por uma inflamação sistêmica, geralmente desencadeada por uma infecção bacteriana localizada que saiu de controle. O quadro inclui mudanças na temperatura corporal, pressão arterial, frequência cardíaca, contagem de células brancas do sangue e respiração, podendo permanecer ativo mesmo após os patógenos terem sido eliminados. Nas formas mais graves, os pacientes desenvolvem lesões que comprometem o funcionamento de órgãos vitais.

“A falência orgânica pode ser agravada por uma queda acentuada na pressão arterial, que dificulta a irrigação dos tecidos. Esse é o estágio mais grave, conhecido como choque séptico, do qual apenas 50% dos pacientes escapam com vida. Aqueles que sobrevivem costumam apresentar sequelas neurológicas, cardiovasculares e imunológicas”, disse Alves Filho.

Dados da literatura científica indicam que a imunossupressão induzida pela sepse pode durar por até cinco anos, elevando o risco de infecções recorrentes e de morte.

Em um estudo anterior, publicado na revista Critical Care Medicine, o grupo do CRID mostrou que 100% dos camundongos que sobrevivem à sepse grave morrem após serem contaminados com uma bactéria oportunista causadora de infecção respiratória.

Para induzir a sepse grave nos animais, os pesquisadores de Ribeirão Preto adaptaram um modelo clássico, conhecido como ligadura e perfuração cecal (CLP, na sigla em inglês), no qual uma abertura é feita no intestino de forma a permitir o extravasamento de fezes e de bactérias para a cavidade peritoneal. “Esse procedimento leva ao desenvolvimento de peritonite e simula o que ocorre em pacientes com apendicite supurada, por exemplo. Para induzir um quadro mais grave, fizemos quatro furos em vez de um, como tradicionalmente é feito, e usamos uma agulha mais grossa”, explicou Alves Filho.

O modelo foi padronizado no estudo anterior, no qual os pesquisadores mostraram que, após o tratamento com antibióticos, apenas 50% dos camundongos sobrevivem. O índice é semelhante ao de humanos acometidos por sepse grave.

Ao avaliar o sistema imune dos animais 15 dias após o término da fase aguda, notaram que havia um aumento de mais de 30% na quantidade de linfócitos T reguladores (T-reg), um tipo de célula de defesa com ação imunossupressora.

“As células T-reg têm um papel importante, pois evitam que o sistema imune ataque tecidos do próprio organismo, desencadeando doenças autoimunes. Mas elas precisam existir em uma proporção adequada. Em um organismo sadio, representam entre 6% e 10% de todos os linfócitos do tipo CD4. Uma pequena variação nesse número, tanto para baixo como para cima, compromete o equilíbrio a homeostase do sistema imune”, explicou Alves Filho.

Cascata de eventos

No estudo mais recente, o objetivo foi investigar os fatores associados a essa expansão observada na população de células T-reg em sobreviventes de sepse grave. Para isso, o grupo usou o mesmo modelo experimental com camundongos e também avaliou amostras de sangue de 11 pacientes tratados no Hospital das Clínicas da FMRP-USP.

“Acompanhamos esses pacientes durante toda a fase aguda da sepse, mas eles só foram incluídos no estudo quando receberam alta hospitalar. Cerca de seis a nove meses depois, nós os recrutamos para avaliar a porcentagem de células T-reg no sangue e dosar os níveis de certas citocinas [moléculas envolvidas na emissão de sinais entre as células durante o desencadeamento das respostas imunes]. Verificamos uma correlação positiva entre o que observamos em camundongos e nos pacientes”, contou Alves Filho.

Os experimentos feitos com animais e também com células in vitro permitiram ao grupo mapear uma cascata de eventos que tem início com a elevação nos níveis de uma citocina conhecida como interleucina-33 (IL-33) que, por sua vez, faz aumentar o número de um tipo específico de macrófago conhecido como M2, capaz de secretar uma série de fatores que promovem o reparo tecidual.

Entre as substâncias secretadas pelas células M2 está a interleucina-10 (IL-10), que tem ação anti-inflamatória e também é capaz de induzir a diferenciação de linfócitos imaturos (naive) em linfócitos do tipo T-reg.

“Observamos que os camundongos nocaute para IL-10 [modificados geneticamente para não expressar essa molécula] apresentam um aumento de macrófagos M2 após a sepse, mas não um aumento de T-reg. Do mesmo modo, in vitro, quando colocamos macrófagos nocaute para IL-10 com linfócitos naive não ocorre a diferenciação em T-reg”, contou o pesquisador.

Ao analisar as células dos pacientes incluídos no estudo, o grupo verificou que os níveis de IL-10 e de IL-33 estavam duas vezes mais altos do que os de pessoas que nunca tiveram sepse. A quantidade de células T-reg também foi aproximadamente duas vezes maior.

“Não confirmamos em nosso estudo a origem da IL-33, mas sabemos que essa substância é secretada principalmente por células epiteliais e endoteliais. Nossa hipótese é que o próprio tecido lesionado pela sepse seja o desencadeador de todo o processo”, contou Alves Filho.

Próximos passos

Um dos objetivos da pesquisa é encontrar um meio de interromper a cascata de eventos que leva à expansão das células T-reg sem comprometer o reparo dos tecidos lesionados pela sepse. Para isso, atualmente, os pesquisadores estão investigando como a substância adenosina, capaz de modular a produção de IL-10, participa de todo o processo.

“Já temos dados mostrando uma relação entre o aumento de células M2 e alterações nos níveis de adenosina, IL-10 e células T-reg. Também há dados mostrando aumento de adenosina durante a sepse. Nossa hipótese é que ela participa do processo que leva à imunossupressão”, disse Alves Filho

O artigo IL-33 contributes to sepsis-induced long-term immunosuppression by expanding the regulatory T cell population pode ser lido em http://www.nature.com/articles/ncomms14919.

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