Lâminas histológicas com regiões do cérebro apresentando pontos de necrose nos animais não vacinados e infectados com vírus zika (imagem: Nelson Côrtes et al./NPJ Vaccines)
Imunizante está sendo desenvolvido por pesquisadores da USP e se baseia em tecnologia conhecida como “partículas semelhantes ao vírus” (VLPs, na sigla em inglês), que não utiliza material genético do patógeno
Imunizante está sendo desenvolvido por pesquisadores da USP e se baseia em tecnologia conhecida como “partículas semelhantes ao vírus” (VLPs, na sigla em inglês), que não utiliza material genético do patógeno
Lâminas histológicas com regiões do cérebro apresentando pontos de necrose nos animais não vacinados e infectados com vírus zika (imagem: Nelson Côrtes et al./NPJ Vaccines)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Uma nova vacina contra o vírus zika desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IMT-FM-USP) demonstrou ser segura e eficaz em testes com camundongos. Além de induzir a resposta imune contra o patógeno, o imunizante também protegeu os animais de danos cerebrais e testiculares associados à infecção viral. Os achados foram publicados na revista científica NPJ Vaccines e são um passo importante no avanço das estratégias de prevenção do zika. A pesquisa recebeu financiamento da FAPESP.
“São dez anos da epidemia de zika no Brasil e a doença continua sendo uma ameaça à saúde pública, especialmente para gestantes e seus bebês. No estudo conseguimos desenhar uma formulação capaz de neutralizar o patógeno e proteger os roedores tanto da inflamação no cérebro – uma das consequências mais preocupantes da infecção – quanto do dano testicular, algo que não foi observado em estudos epidemiológicos, mas é uma característica marcante da doença quando estudada em laboratório”, explica Gustavo Cabral de Miranda, pesquisador apoiado pela FAPESP responsável pelo projeto.
Miranda explica que a estratégia utilizada na formulação se baseia em uma tecnologia conhecida como “partículas semelhantes ao vírus” (VLPs, na sigla em inglês de virus-like particles). “Diferente de estratégias mais tradicionais, que utilizam inoculação de vírus atenuado ou inativado, nessa formulação não usamos o material genético do patógeno, o que torna seu desenvolvimento muito mais seguro, econômico e sem a necessidade de substâncias que potencializam a resposta imune [adjuvantes]”, detalha o pesquisador.
Ele explica que a tecnologia costuma ser dividida, basicamente, em dois componentes: a partícula carreadora (VLP), cuja função é fazer o sistema imune reconhecer a presença de um vírus, e o antígeno viral, responsável por estimular o sistema imune a produzir anticorpos específicos – neste caso contra os zika vírus – que impeçam a entrada do patógeno nas células.
No caso da vacina desenvolvida pelos pesquisadores do IMT, foi utilizada como VLP uma plataforma já bem estudada pelos cientistas, denominada QβVLP. Ela imita a estrutura viral, permitindo que o sistema imune “reconheça” uma ameaça. Já o antígeno escolhido foi o EDIII, uma parte da proteína do envelope do vírus zika cuja função é se conectar a um receptor nas células humanas (leia mais em: agencia.fapesp.br/53819) .
“Inoculamos as VLPs, produzidas no laboratório da USP por meio de bactérias [Escherichia coli], conjugadas quimicamente ao antígeno. Essa estrutura combinada imita um vírus real, com o EDIII preso na parte externa da plataforma”, descreve Nelson Côrtes, primeiro autor do estudo. “Quando a formulação é injetada no organismo, essa combinação ativa uma forte resposta do sistema imune, incluindo anticorpos e células do tipo Th1, um subtipo de linfócitos T que desempenha funções cruciais na resposta imunológica.”
Os testes realizados em camundongos geneticamente modificados e mais suscetíveis ao vírus mostraram que a vacina induziu a produção de anticorpos que neutralizaram o vírus e também não permitiu a exacerbação da infecção e, por consequência, o surgimento de sintomas.
Os pesquisadores também investigaram os efeitos da infecção pelo vírus zika em diversos órgãos de camundongos – como cérebro, rins, fígado, ovários e testículos. “A vacina demonstrou capacidade de proteger camundongos machos contra danos testiculares”, diz Côrtes. “Isso é importante diante dos riscos conhecidos da transmissão sexual do vírus zika e de seu potencial para causar lesões nos testículos, o que pode afetar negativamente a espermatogênese e a saúde reprodutiva como um todo”, ressalta o pesquisador.
Mira calibrada
O vírus zika tem uma particularidade que torna o desenvolvimento de vacinas ainda mais desafiador: é muito parecido com os quatro sorotipos do vírus da dengue e cocircula no mesmo ambiente de transmissão. A semelhança faz com que os anticorpos possam “confundir” um patógeno com outro. É o que os cientistas chamam de reação cruzada, algo que em um primeiro momento pode até parecer bom – afinal o sistema imune reconhece um vírus semelhante.
No entanto, caso os anticorpos não sejam potentes o suficiente para evitar uma segunda infecção por outro sorotipo de dengue, por exemplo, ocorre um efeito bumerangue. Os anticorpos se ligam ao vírus e fazem a célula do hospedeiro englobar o patógeno com mais facilidade. Desse modo, o próprio organismo ajuda o agente patogênico a infectar as células.
“O imunizante não provoca reação cruzada, o que é muito positivo. Estudos anteriores do grupo já haviam analisado essa questão e o uso do antígeno EDIII permite que o sistema imune produza anticorpos mais específicos para o vírus zika, evitando o problema”, diz Miranda.
O artigo A VLPs based vaccine protects against zika virus infection and prevents cerebral and testicular damage pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41541-025-01163-4.
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