Fernando Padula Novaes, Carlos Américo Pacheco e Mozart Ramos (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
Em encontro do Ciclo ILP-FAPESP, palestrantes apontam a necessidade de criação de indicadores e ações capazes de diminuir as diferenças no desempenho escolar mesmo dentro de uma mesma rede de ensino
Em encontro do Ciclo ILP-FAPESP, palestrantes apontam a necessidade de criação de indicadores e ações capazes de diminuir as diferenças no desempenho escolar mesmo dentro de uma mesma rede de ensino
Fernando Padula Novaes, Carlos Américo Pacheco e Mozart Ramos (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
André Julião e Helo Reinert | Agência FAPESP – Embora ainda seja necessário incluir na educação básica um número significativo de crianças, o maior desafio atual dos gestores é melhorar a qualidade do ensino e reduzir a desigualdade entre alunos, escolas, regiões do país e mesmo dentro de uma mesma rede. Enfrentar o problema exige a coleta e análise de dados que possam guiar as ações.
A discussão foi tema da primeira edição do ano do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, realizada de forma virtual no dia 17 de março.
“Cerca de 30 anos atrás, o problema era colocar todas as crianças na escola. Hoje nosso desafio mudou de campo e está na questão da qualidade do ensino”, disse Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, durante a abertura do evento.
Para Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados, Polo Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (IEARP-USP) e membro do Conselho Superior da FAPESP, o tema é da mais alta relevância para o desenvolvimento do país e tem como desafio equacionar quantidade e qualidade.
Segundo o pesquisador, que coordena o projeto “Uso de modelagens estatísticas e de ciências dos dados para melhorar aprendizagens e reduzir desigualdades escolares das redes públicas de ensino”, apoiado pela FAPESP, ainda há em torno de 1,7 milhão de crianças fora da escola, sendo 1,1 milhão do ensino médio e algo em torno de 600 mil da educação infantil, principalmente na pré-escola.
“Mas a grande colocação feita no atual momento é como inserir a qualidade. Mas o que é qualidade? Acesso, porque acesso para poucos não é qualidade. Depois, permanência na escola. Depois, aprender o que seria esperado em cada etapa escolar e, finalmente, concluir na idade certa, aos 17 anos”, explicou durante sua fala inicial.
“Quando se olha esses quatro aspectos, percebemos claramente que a questão da aprendizagem escolar está associada à desigualdade, que se manifesta dentro de uma rede escolar, entre redes de ensino, mas também numa diferença muito grande no que toca à questão da aprendizagem entre brancos e pretos”, afirmou.
Deu como exemplo dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), segundo os quais crianças negras pontuam 30 pontos menos do que as brancas. “É como se fossem três anos a menos de aprendizagem”, explicou.
Outro participante do debate, Fernando Padula Novaes, secretário municipal de Educação de São Paulo, afirmou que existe um saudosismo sobre a qualidade da educação pública no passado.
“Mas, na década de 1970, 50% da população em idade escolar estava fora da escola. Portanto, [o ensino] era de qualidade, sim, mas para poucos. E ainda havia os exames de admissão, que selecionavam quem teria esse direito à educação”, contou.
Segundo ele, ainda que existam problemas, houve muitos avanços desde a década de 1990, época da universalização do ensino fundamental no Brasil. No entanto, na sua opinião, ainda há o que ele chama de “negacionismo pedagógico”.
Indicadores da desigualdade
No âmbito de seu projeto de pesquisa, Mozart Ramos desenvolveu metodologia baseada em dados e evidências para identificar e mensurar desigualdades nas redes de ensino de cinco cidades no interior paulista – Ribeirão Preto, Batatais, Cordeirópolis, Jundiaí e Francisco Morato. E, agora, aplica essa mesma metodologia para a análise da rede municipal de ensino da capital.
“Temos um desafio na cidade de São Paulo, em que, das 616 unidades, 200 não tiveram nota do Saeb, que é uma avaliação nacional. Significa um terço da rede paulistana. Mesmo que haja críticas ao Saeb, porque avalia apenas português e matemática, não fazer a pesquisa impossibilita saber como estão os alunos, se estão abaixo do básico, se precisam de mais ou menos atenção. [Não fazer pesquisa] é como querer curar a febre quebrando o termômetro”, afirmou o secretário.
Para Padula, o trabalho é importante porque mostra a vulnerabilidade de cada escola. Por vezes, inclusive, é possível observar uma com desempenho ruim muito próxima geograficamente de outra com bom desempenho.
Além da questão socioeconômica
A questão socioeconômica, segundo Mozart Ramos, explica 40% do desempenho escolar. Mas, é fundamental ter dados, números, pesquisas e evidências para não tomar decisões baseadas em “achismo”. “Fazer uma única política pode aumentar as desigualdades”, disse. Com mapas georreferenciados que identifiquem de uma maneira clara a situação pode-se estabelecer ações de colaboração entre as escolas de uma determinada área. Os dados temporais mostram as que avançaram e as que regrediram num determinado período. Assim, a Secretaria de Educação pode compreender os fatores que contribuem para a melhoria do desempenho escolar ou para o seu retrocesso. O que uma escola que está na mesma região muito pobre está fazendo para melhorar o desempenho escolar pode ser aplicada em outras.
Padula formulou uma série de perguntas que ajudam a explicar um determinado desempenho na aprendizagem de cada escola. O diretor é o mesmo? O coordenador pedagógico mudou recentemente? Houve muita rotatividade de professores? “O papel desses profissionais é essencial para a qualidade da educação”, destacou.
“Quando tem um diretor que não consegue mobilizar a comunidade escolar em torno de um projeto pedagógico, a gente não consegue o resultado esperado”, completou Mozart Ramos.
Quanto aos professores, Padula sugeriu uma reflexão sobre os conteúdos dos cursos superiores em diversas áreas e na pedagogia, apesar de a tarefa ser do Ministério da Educação. “No âmbito dos outros entes federados, como Estados e municípios, devemos aumentar o piso para tornar a carreira mais atrativa e “subir a régua” da seleção dos professores, ou seja, selecionar de fato quem está preparado para dar uma boa aula. Ele complementou dizendo que a formação continuada também precisa de ajustes.
O trabalho envolve muitas áreas. Mas existe um grupo que deve ser preparado para fazer a leitura e interpretar os dados do modelo desenvolvido pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira. São os técnicos das Secretarias de Educação. A formação desses profissionais é um desdobramento do projeto inicial. Além do aplicativo web de mapas georrefenciados, que mostram a correlação entre o desempenho escolar e as características socioeconômicas de determinada região, o projeto envolveu a criação de uma plataforma on-line para consulta personalizada dos dados.
O debate contou com a participação de Wilson Levy, assessor da deputada Professora Bebel, presidente da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), e de Eliézer Ribeiro da Costa, gestor do Instituto do Legislativo Paulista (ILP).
O Ciclo ILP-FAPESP é promovido por meio de parceria entre a FAPESP e o ILP. Os eventos são dirigidos à sociedade, legisladores, gestores públicos e demais interessados nos temas abordados.
Para assistir ao evento na íntegra acesse: www.youtube.com/watch?v=y4a7H2C1Chg.
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