O livro Caio Prado Júnior: O sentido da Revolução, de Lincoln Secco, apresenta facetas inéditas do historiador e mostra como suas contradições contribuíram para a originalidade de sua obra
O livro Caio Prado Júnior: O sentido da Revolução, de Lincoln Secco, apresenta facetas inéditas do historiador e mostra como suas contradições contribuíram para a originalidade de sua obra
Alex Sander Alcântara
Agência FAPESP – Quase duas décadas depois da morte do historiador, geógrafo e filósofo Caio Prado Júnior (1907-1990), uma série de publicações sobre o autor de A Revolução Brasileira (1966) coloca o pensamento caiopradiano entre os grandes “explicadores” do Brasil no século 20, ao lado de Sergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. A mais recente delas é o livro Caio Prado Júnior: O sentido da Revolução, de Lincoln Secco.
Para Secco, que é professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), dos três grandes intelectuais, Caio Prado Júnior é o único que de fato se integrou numa luta prática revolucionária.
“Os outros tiveram escassa e passageira intervenção política. Sergio Buarque de Holanda escrevia no bojo da emergência das classes médias na política e projetou uma luta pela democracia. Gilberto Freyre, genial sem dúvida, é um saudosista de um Brasil que desaparecia. Caio olhava para o futuro e tentava ver o Brasil na ótica da classe operária nascente e das classes desprotegidas em geral”, afirmou Secco à Agência FAPESP.
No livro, Secco pôs em primeiro plano a faceta política de Caio Prado Júnior ao focar a relação com o Partido Comunista Brasileiro. Mas também fez vir à tona facetas menos conhecidas do intelectual. Para compor a obra, o autor reuniu informações pouco conhecidas pelo público, como o desejo que o historiador tinha de conhecer o país a fundo percorrendo-o de automóvel.
“Eu descobri inúmeros roteiros de viagens que ele fazia de automóvel. Ele tinha um Volkswagen com o qual viajava, pois acreditava que, assim, poderia percorrer caminhos antigos, abandonados, estradas vicinais e parar sempre que quisesse. Eu refiz de automóvel alguns desses caminhos”, disse Secco.
Caio Prado, de acordo com Secco , foi transformado em personagem de ficção por Jorge Amado. “Fiz uma análise do romance Subterrâneos da Liberdade, pois Jorge Amado retratou Caio Prado segundo os cânones do realismo socialista e, na minha opinião, reproduziu – e também ajudou a consolidar – uma imagem de Caio Prado que existia entre os dirigentes do Partido Comunista Brasileiro”, diz.
Secco, no entanto, acredita que a melhor definição para Caio Prado Júnior não é a de um “aristocrata marginal”, mas a de um “intelectual deslocado”. “Eu o classificaria como um intelectual deslocado, ou seja, alguém que dificilmente poderia ser integrado em algum lugar. Deslocado da sua família e da sua classe social. Deslocado no partido, pois suas idéias eram marginalizadas lá; e deslocado na universidade, pois nunca lhe deram uma cátedra. Isso contribuiu para que ele se tornasse tão original, pois pensou o Brasil fora das restrições da academia, do partido e da própria classe social de origem”, defende Secco.
O professor diz que tentou desfazer alguns equívocos cometidos contra Caio Prado Júnior, como a crítica feita por muitos marxistas que vêem nele uma visão que analisa a economia colonial pela esfera da circulação e não pela esfera da produção. Ou seja, ele não seria propriamente um marxista.
“Eu mostro que ele não podia fazer de outra forma, pois tratava de uma economia cujo centro dinâmico estava na Europa. Portanto, não fazia sentido repetir Marx e ficar descrevendo um suposto modo de produção colonial”, argumenta.
Secco diz que também apresenta as críticas feitas por alguns professores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e mesmo da USP, que acusavam Caio Prado de não dar atenção à dinâmica interna da economia colonial.
“Ora, ele foi pioneiro em mostrar que, para explorar a periferia, o centro do sistema precisava desenvolvê-la. Mostro as críticas sobre a questão da industrialização. Enfim, é também um livro que serve como um manual que recolhe as principais polêmicas em torno dele”, acrescenta Secco.
De acordo com o autor, o que singularizou o historiador foi o fato de não se prender às fórmulas de Marx, embora fosse marxista. “Ele traduziu o marxismo no Brasil e o fez se enraizando numa tradição tipicamente brasileira que retoma posições de José Bonifácio e Manoel Bonfim”, afirmou.
Biográfico e ensaístico, o livro, de acordo com Secco, tem o objetivo de “ajudar a entender o Brasil em que vivemos”. Mas o autor acrescenta que, propositalmente, ele escreveu a obra pensando em uma narrativa que mostrasse o homem enquanto “sujeito” de sua própria história, no duplo sentido da palavra.
“Sujeito como ator e autor da história. Mas também como alguém ‘sujeito’ a circunstâncias herdadas do passado que ele não podia controlar. Cada um faz o que pode com as condições em que se insere na vida social e política. Ele fez bastante, sofreu muito, pôs suas opções e colheu fracassos também”, destaca.
Segundo Secco, a narrativa se inicia de forma tradicional, começando das origens, passando pela formação e o primeiro choque com a Revolução de 1930, até chegar à adesão ao comunismo e à atuação política. O papel de Cario Prado Júnior como deputado na assembléia constituinte paulista, de acordo com Secco, é um tema que ainda não havia sido tratado com profundidade.
“Iniciei-me pelas determinações mais simples da vida dele, pelo mais comum, para atingir as idéias mais abstratas nos capítulos seguintes. Discuti os conceitos, as obras e as polêmicas em torno delas. No último capítulo eu tentei chegar ao concreto, ou seja, ao Brasil de hoje, mostrando o atual e inatual na obra dele”, afirma ao destacar que não fez uma tese.
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